09 novembro 2005

Violência em Paris (IV) - BILAN


No blog Architecture and Morality, leio que um dos autores teve uma experiência muito ruim com alguns descendentes de imigrantes norteafricanos antes dos levantes de Paris. Episódios de violência gratuita são relatados por ele, como depredação de predios, ataques com pedras e tijolos a lugares públicos e um em especial testemunhado por ele: a agressividade explícita de um rapaz que recusou esperar seu lugar atrás dos outros em uma fila - agressividade finalmente recompensada com a desistência geral de protestar quando ao rapaz se junta um grupo anteriormente escondido e, pela força, eles conseguem passar à frente de todos. Vale a pena ler o texto. A foto de um dos conjuntos planejados, em Clichy, é desse interessantíssimo blog.

Mas vamos ao bilan (em francês, balanço geral de uma situação): quanto mais leio sobre os levantes em Paris, mais me convenço da impossibilidade de sustentar a tese da pobreza como causa de tanta violência. Os jovens em questão são descendentes de imigrantes da África do norte e subsaariana, em sua maioria de cultura islâmica; têm moradia subsidiada (prédios como esse da foto, de Clichy, com arquitetura planejada); têm saúde de graça e ainda recebem seguro-desemprego; costumam ser bem-vestidos (segundo testemunho de amigos que moraram perto dos subúrbios); os ataques à cidade têm sido organizados por celular e internet - o pobre que é pobre mesmo não tem isso. Em tudo, estão em condições infinitamente melhores que os pobres brasileiros. Afirmei isso a uma conhecida, que me respondeu: "Mas isso tudo, comparado com o padrão da França, é pouco."

Ah, sim. Mas então, esta é a justificativa para atos de violência: inveja. Parece-me bizarro que as pessoas estejam tão prontas a compreender que, em nome da inveja, sejam cometidas as maiores barbaridades. Essa é uma das conseqüências de se utilizar o materialismo marxista como chave de compreensão para todas as motivações humanas. As pessoas se tornam cegas para tudo o mais. Porém, se tal redução não é aceitável de forma geral, menos o é nesse caso específico.

O desemprego é real, mas o fato é que, na França de hoje, não há emprego para ninguém. A situação está difícil em toda a Europa. E o racismo remanescente na cultura européia é um dado a não ser desprezado, dificultando a integração desses filhos de imigrantes, que já são discriminados pelo nome árabe. No entanto, o que parece mesmo pairar acima de todas essas considerações, como uma dominante, é o fato de que, ao se rebelarem com tamanha fúria, os jovens não o fazem no vazio, mas usam a força destrutiva do radicalismo muçulmano - a mesma que sustenta ideologicamente a Jihad, ou seja, a guerra santa. Por mais politicamente corretos que os franceses queiram ser, precisam ter a coragem de reconhecer que há culturas no mundo que são mais difíceis de se integrar que outras. O islamismo tem se mantido estável por séculos. Os países islâmicos não passaram pelo processo ocidental de abertura para a diferença, de igualdade da mulher ou de liberação sexual. Nós temos um background cultural que eles não têm ou têm de viés, por influência paralela mas não significativa. Intoxicados de individualismo, temos a tendência de esquecer o quanto a cultura nos molda. Assim, se os esforços do governo para tornar franceses os descendentes de imigrantes parecem inúteis, não é uma crise de consciência socialista, mero mea culpa concentrado na questão econômica, que vai ajudar a França a enfrentar o problema.

Mas, a essas alturas, em um processo adiantado de decomposição dos valores franceses - cuja elite intelectual jogou fora a própria noção de "verdade" e se desembaraçou de seu cristianismo fundador em favor de uma laicidade porosa e estéril - , não sei mais o que a ajudará.

Um comentário:

Christian Rocha disse...

Tudo o que eu gostaria de ter dito em meu blog sobre o assunto. O jeito é linkar.

Seu blog é muito bom.

Abraços.