06 novembro 2005

A violência em Paris (II) e a mídia brasileira

Ciente de que os jornais franceses têm omitido, por ideologia politicamente correta, a origem islâmica dos jovens revoltosos nos subúrbios de Paris, reviro a internet brasileira para saber o que vem sendo divulgado por aqui. Resolvi bancar o brasileiro monolíngüe, com o objetivo de saber o quanto de informação estará perdida para quem não lê francês ou inglês.

Ainda não encontrei, em nenhum dos sites brasileiros que pesquisei, o relato dos fatos que mais chocaram a população francesa no início dos conflitos: um homem de meia-idade, parando seu carro para tirar uma foto na periferia de Paris, é atacado sem piedade por grupos de jovens, e morto a pauladas diante dos olhos estupefatos da família; uma pessoa deficiente é cercada em um ônibus, encharcada de gasolina e finalmente queimada viva. Os franceses começam a comparar esses dias com os dias da Bastilha. O problema é que a Revolução Francesa está bastante positivada no espírito da nação, e isto impede que tais fatos sejam encarados com a devida seriedade.

Vamos lá.

O Globo fala de uma possível relação entre os atos de violência e o radicalismo islâmico, mas o faz de passagem e sem explicar ao leitor brasileiro que a periferia de Paris é praticamente um gueto de imigrantes muçulmanos não-integrados (vindos da Argélia, de Marrocos, da Costa do Marfim) cuja violência já é conhecida há tempos. Confira o trecho: "As autoridades dizem que os protestos noturnos e violentos são organizados pela internet e por telefone celular e que, provavelmente, contam com o apoio de traficantes e ativistas islâmicos." Atribuir a mesma cota de influência a "traficantes" e "ativistas islâmicos", ainda pondo "traficantes" em primeiro lugar, não me parece dar o relevo necessário à questão. E a reportagem termina com uma declaração de político culpando o governo pelos distúrbios. No todo, é superficial, mas tem pelo menos o mérito de mencionar o islamismo.

O JB on line, no portal do Terra, traz detalhes quantitativos, mas ignora por completo, com relação aos conflitos, qualquer participação ou influência cultural do islamismo. Limita-se a dizer que "segundo a polícia, estes incidentes são resultado de ações esporádicas de grupos que se deslocam constantemente". Muito preciso.

O site do msn (não confundir com MSM), que sempre traz notícias em sua primeira página, fala de Bush e Lula, mas silencia absolutamente sobre o levante na França. Seus responsáveis não devem ter achado a notícia relevante...

O Yahoo traz uma notícia razoavelmente grande, com informações detalhadas, listas de cidades atacadas etc., mas não associa os atos de violência dos jovens das periferias a qualquer nuance de radicalismo islâmico, deixando a impressão de uma gratuidade sem sentido ao mencionar o termo "febre dos subúrbios".

Sei que minha pesquisa se limita à internet, onde a grande mídia brasileira não costuma ser muito generosa. Pode ser também que tenha me escapado um ou outro link. No entanto, quis apenas me sentir como o brasileiro que, acostumado a buscar na rede notícias sobre o mundo, procura se atualizar com relação ao que está acontecendo em Paris. Pelo que vi, esse brasileiro sai de sua procura apenas levemente informado - um "verniz" de acontecimentos que não lhe permitem refletir sobre a real dimensão do que está ocorrendo lá. É significativa a omissão quanto à origem islâmica dos jovens, tanto aqui quanto na França: pelo jeito, a correção política quer que associações negativas sejam somente privilégio dos Estados Unidos. Gostaria de ver um especialista francês em Islã se pronunciar com propriedade sobre o assunto, tal como o americano Robert Spencer. Vou procurar mais um pouco e posto aqui o que achar - se achar.

Um comentário:

Norma disse...

A mídia brasileira só repete o fenômeno francês. Nem o primeiro-ministro vê correlação entre os levantes e o islamismo (ou mente, não sabemos...). Não encontro um especialista em Islã entre os franceses que possa falar do problema, mas vou procurar mais.

Temo e sofro pela França...

Beijos, amiga,

Norma