30 novembro 2008

Solidariedade para Santa Catarina

As enchentes em Santa Catarina têm deixado a muitos desabrigados. Este blog dá sua contribuição divulgando os sites da Defesa Civil e de ONGs de ajuda aos animais (que na maioria das vezes não são priorizados no resgate). Qualquer gesto para ajudar a mitigar o sofrimento de seres humanos e bichos com fome e frio será recebido com alegria. Confira os links com as informações: Defesa Civil de Santa Catarina e Prefeitura de Florianópolis. Vamos fazer nossa parte como cristãos.

12 novembro 2008

O testemunho do mundo

Desde adolescente, de vez em quando eu ouvia na rádio uma música muito triste de Carly Simon, chamada That's the Way I Always Heard it Should Be. Nunca conseguia prestar atenção na letra, mas apenas pescava o refrão: “You want to marry me; we'll marry.” Não entendia como uma música que falava de casamento podia ser tão triste; no entanto, mesmo de modo inconsciente, percebia o recado: a infelicidade no casamento é algo inevitável. De fato, a letra fala dos vários modos que essa infelicidade pode assumir, com a concordância conformada da mulher que, depois de enumerá-los, parece dar de ombros: “Mas, se você quer casar mesmo assim, a gente casa.” Deprimente!

Um dia, ouvindo essa música mais uma vez na minha rádio da internet, resolvi pesquisar a vida de Carly Simon. A única coisa que eu sabia é que ela havia sido muito infeliz com James Taylor. Pois sua vida foi uma sucessão de relacionamentos malsucedidos. Casou-se duas vezes. No fim, ela já estava compondo canções com letras do tipo “que o amor seja eterno enquanto dure”. Li que é conhecida por um gênio difícil e que topa relações com mulheres. Está sozinha. A música é de 1975, mas Carly Simon continua fiel a seu triste testemunho.

Esse é o testemunho que o mundo tem a proclamar, hoje, sobre o casamento: é ruim, não dá certo, ambos serão infelizes e terminarão se separando. A culpa? Do destino; ninguém sabe muito bem onde está a culpa; ninguém a assume. É engraçado como, proclamando-se muito “científico”, o homem moderno consegue pensar e se comportar como um pagão de tempos idos. Ninguém pensa nas motivações que levaram à escolha do outro. Ninguém pensa que deixou de dedicar tempo e cuidados ao outro. Ninguém pensa na intimidade que se negou a permitir ao outro, por medo de destruir uma imagem positiva demais de si mesmo... e que casamento sem intimidade é como a nudez através de um vidro fosco: como amar profundamente a quem não se conhece? Enfim, pressupõe-se que um casamento infeliz é algo que simplesmente “acontece”, tão inexplicável e imprevisível como seriam os acidentes naturais para os antigos.

Se você é cristão e está solteiro, não creia nessa mentira diabólica. Espere em Deus. O casamento entre dois cristãos sinceros, que amam a Deus e procuram viver em santidade, cuidando para não reproduzir dentro da relação os modos mundanos de ser e agir, tem um destino certo: revelar ao mundo sedento o profundo amor de Deus através de um homem e uma mulher que se amam incondicionalmente. E esse talvez seja o testemunho mais belo que um cristão pode deixar nesta terra. Não desista. Guarde-se com esperança; se você não tiver o dom do celibato (algo muito mais raro que se pensa), ele (ou ela) virá. E, se permanecerem em Cristo, vocês serão felizes!

25 outubro 2008

Seis primeiras notas sobre Ortodoxia, Chesterton


1 Fiz a besteira de tomar açaí lendo Ortodoxia em uma lanchonete. Descobri que são duas coisas a serem evitadas em público: açaí deixa a boca e os dentes pretos, enquanto Ortodoxia provoca gargalhadas. As duas, juntas, são um verdadeiro fiasco.

2 Mas nada, no livro, é humor puro. Ler essa obra de Chesterton é como estar na companhia de um divertidíssimo amigo que alterna brincadeira com coisa séria, sem muitas firulas na passagem de uma à outra. Logo nas primeiras páginas, depois de rir bastante, posso sentir como libertadora a crítica chestertoniana ao materialista, bem como ao subjetivista, como dois lados da mesma prisão do pensamento moderno: um fechamento digno de hospício. Além de deliciosamente ilustrada, tal crítica tem o poder de prevenir muitos nós mentais fatalmente adquiridos durante a graduação de qualquer curso de ciências humanas. E isso, só para começar.

3 A condição humana, Hannah Arendt, também ajuda no mesmo sentido preventivo, embora, filosófico e doído em vez de divertido, seja muito mais teórico e pontual, concentrando-se na origem do trambolhão reducionista que desembocou tanto no materialismo quanto no subjetivismo: René Descartes. Ainda pretendo estudá-lo direito, lendo as Meditações e tudo o mais.

4 Percebo-me um tanto penalizada com relação aos católicos que leram Calvino via Chesterton. Não me entendam mal, Chesterton é um gênio; embora eu esteja apenas no início de Ortodoxia, já o considero um dos livros da minha vida. Mas é indiscutível que Chesterton leu mal Calvino, confundindo predestinação com determinismo. Tsc-tsc.

Já busquei contribuir para com o desembaraço dos mal-entendidos tentando mais de uma vez explicar calvinismo a católicos sinceros, sem sucesso. Verdade é que uma força bem maior que a ideologia - a fidelidade à Igreja-Mãe - os impede de sequer considerar-me com a atenção devida. No entanto, bastaria apenas que compreendessem o esforço doutrinário de Calvino dentro do que o próprio Chesterton chamou "mistério sagrado do livre-arbítrio" e um dos paradoxos no centro do cristianismo (assim como os dois braços da cruz se encontram). Algo que me permito agora desenvolver em pouquíssimas palavras dessa maneira: o Deus criador do tempo e pai de todo o futuro é, também, o inventor da liberdade humana. Durmam com esse lindo paradoxo; eu o adoro e vivo muito bem com ele. E, se quiserem um resumo menor ainda, lá vai: nele reside todo o calvinismo. Pelo menos, para esta leitora que vos fala. Calvino apenas reforçou em sua teoria o lado menos compreensível para nós, qual seja, o de Deus - a gestação do futuro em Suas mãos.

5 Não deixa de ser curioso que, assim como Calvino hoje, Chesterton continua sendo mal compreendido. Ora é acusado de um superficial frasismo, ora de um dogmatismo mal argumentado, ora de um subjetivismo leviano. Não se trata de nada disso. Leiam, leiam.

6 As observações injustas de Chesterton sobre Calvino não me impedem de gargalhar, até mesmo em público e tomando açaí, ao ler o grande e gordo galhofeiro católico sobre um poeta inglês: "He was damned by John Calvin." Sim, porque o reformado que não sabe rir de si mesmo é um reformado, no mínimo, sem imaginação.
P.S.1 Ao leitor que lamenta uma atualização mais freqüente do blog, um pedido: quando vier aqui e encontrar o mesmo texto lido anteriormente, faça por favor uma pequena e singela oração, assim - "Senhor, permita que a Norma consiga um emprego em que ganhe mais trabalhando menos". Serei muito grata a você se fizer isso! :-)

P.S.2 Este blog ainda não aderiu à reforma ortográfica. Ainda é apegado aos acentos que foram suprimidos e espera fazer o devido luto para, um dia, incorporar tais mudanças a seu idioleto.

05 outubro 2008

Os Beatles e a Perestroika


Comprei um dvd de um show recente do Paul McCartney na Rússia. Comprei e deixei guardadinho para ver quando me desse muita vontade. Gosto de comprar e guardar livros, cds, filmes, para depois redescobri-los com alegria.

Bom, eu não esperava nem de longe o que vi. Para mim, seria um show de Paul McCartney na Rússia, como em qualquer lugar; podia ser na China, na Índia, na Argentina. Mas não. Essa era simplesmente a primeira vez em que um dos Beatles pisava lá, em maio de 2003, com mais de cem mil espectadores na Praça Vermelha. E eu não sabia.

O show é todo entrecortado por testemunhos emocionantes de antigos fãs e impressões de Paul sobre o país. Na época em que os Beatles estouraram em todo o mundo, a Rússia, então União Soviética, vivia no auge do comunismo, de portas trancadas para o Ocidente, considerado portador dos “valores decadentes do capitalismo”. Os discos eram proibidos, ouvidos na clandestinidade. As letras da canções, o comportamento irreverente dos quatro, as opiniões que emitiam diante das câmeras, tudo isso era um “mau modelo para a juventude” segundo o regime. Tudo isso falava de liberdade. Gostar de Beatles tornava-se então um tabu acalentado peles jovens russos com fome de uma vida livre. No vídeo, quem era jovem na época conta que sua geração gastava até o que não tinha para comprar os discos no mercado paralelo, reunia-se em festas, aprendia inglês com as canções, perguntava-se sobre quem era quem nas capas (pois não havia como descobrir), sonhava com aquele universo. E lamentava: o que o mundo todo podia abraçar como um bem comum era algo exterior, inatingível e alienígena, naquele país fechado à força de poderes abusivos que não visavam apenas a ordem exterior, mas sobretudo a subjetividade.

Quando Paul McCartney vai à Rússia livre, com um presidente eleito pelo povo na platéia, torna-se patente o fato como um símbolo. O governo não é mais o censor do prazer, da liberdade, da espontaneidade. Na platéia, jovens de todas as gerações cantam e choram ao ouvir The Fool On The Hill, Maybe I'm Amazed, Let it Be, Hey Jude. O ex-presidente Gorbachev recebe Paul McCartney e reconhece: as canções dos Beatles contribuíram para a Perestroika, preparando o povo russo para a abertura de suas fronteiras. E McCartney se emociona ao cantar “the fool on the hill sees the sun going down” enquanto o sol se põe entre as belíssimas construções em torno da Praça Vermelha.

Enquanto isso, no Brasil, o comunismo ainda é sinônimo de juventude e liberdade. Onde, meu Deus, onde? Se a cada post eu pudesse realizar um desejo, o meu neste aqui seria: que pelo menos os fãs brasileiros dos Beatles pudessem abandonar qualquer pretensão comunista. Que fosse, apenas, por causa da história da Rússia. Já seria um motivo mais que suficiente.
Nesse trecho do dvd, um dos membros daquela geração conta: “Sintonizar Beatles no rádio podia prejudicar você no emprego, na escola, na faculdade; tentar conseguir discos no mercado negro podia dar em prisão; ir a shows onde tocassem músicas dos Beatles, então, gerava conseqüências que nem dava pra imaginar. Vivendo numa situação dessas, você acaba desenvolvendo uma relação muito mais intensa com a música.” Paul McCartney completa: “Era impossível tocar lá. Nossos discos não estavam à venda. Bom, um jeito garantido de tornar algo popular é simplesmente proibir.” Um antigo fã, hoje Ministro da Defesa, comenta: “Não havia discos dos Beatles à venda na Rússia. Só algumas canções em compactos (uma música em cada lado).” E outro mostra o primeiro disco de Paul McCartney liberado para comercialização no país. Era para ser Band On The Run, mas, em vez disso, numa significativa sobreposição, o selo do meio vinha com o logo do Ministério da Cultura. O motivo: Band On The Run havia sido retirada do álbum porque não era "bom" que o ouvinte soviético ouvisse falar de bando, prisão e fuga. Todo contente, o Ministro da Defesa conta que satisfez um de seus grandes desejos – comprar a discografia completa dos Beatles – somente em 1984. Um ano antes da Perestroika.

28 setembro 2008

Como eu era: pequeno dossiê Conversão

Alguns anos antes de me converter, em 1992, um rapaz no ônibus pregou para mim a caminho da faculdade, provocando-me a uma ira intensa. (Posso compreender hoje a ira que algumas pessoas sentem quando prego para elas.) No mesmo dia fiz um relato raivoso das palavras trocadas com ele, que começava assim:

Há muito tempo eu já havia deixado para trás essa história da existência de Deus – se ele existe, ótimo, mas isso não muda em nada a minha vida. Pois eu estava desenvolvendo uma crença forte em mim, em meu deus interno, cansada de querer acreditar em algo ou alguém mais poderoso que eu capaz de me salvar e de fazer tudo por mim.

Esse parágrafo é revelador de como eu era, de como eu estava: sufocando uma sempre presente ânsia por Deus debaixo de uma penca de conteúdos espíritas e esotéricos, todos destinados a camuflar com um disfarçado humanismo uma insegurança infinita. Eu me queria forte a todo custo, um inadmitido falseamento de mim mesma, e a incoerência dos textos esotéricos que me chegavam às mãos se encarregava do falseamento de tudo o mais. Ao mesmo tempo em que tentavam solapar o desejo pelo transcendente ao persuadir o leitor de que o homem era sua própria divindade e deveria se satisfazer com isso, essas estranhas e ilógicas construções textuais eram imbuídas de conteúdos que atribuíam a tudo no mundo uma pessoalidade roubada do ser de Deus. Enquanto o mundo se afigurava mais que humano, doador de múltiplos sentidos, Deus não passava de uma força perfeitamente moldável pelo homem. Uma árvore era mais pessoal que Deus e podia ser fonte de vida e transformação, como qualquer outro ser. O mundo esotérico é cheio de uma adoração difusa a todo e qualquer objeto, concomitante à negação da pessoalidade e do poder de Deus. Poderoso fator de inversão, o esoterismo faz transbordar nossa subjetividade, sobrepondo-a ao real – um perigosíssimo alheamento que eu não podia perceber na época, mas que me custara experiências muito penosas.

Quando me converti, lia a Bíblia com bastante dificuldade, pois ainda estava me desintoxicando da indistinção mental esotérica, responsável por atribuir sentidos até contraditórios ao mesmo texto. Quase decorei o trecho de Hebreus que desfaz a crença na reencarnação, porque precisava ter certeza de seu significado. Lia os evangelhos e as passagens jogavam minha mente para várias direções, deixando-me louca, fazendo com que eu orasse de modo bem dolorido para que Deus firmasse minha mente na interpretação correta.

E tudo retornou aos poucos a seu lugar. Minha visão tomava foco: nada mais pedia para ser adorado, mas tudo no mundo apontava para o criador. E eu "ganhei" um Pai amoroso, que me presenteava com o fardo leve da fé: não precisava mais ser forte, bastava ser fraca Nele. Compreendendo a cegueira anterior, eu era como uma criança novamente, agradecida por receber partes de um verdadeiro conhecimento – do mundo, de mim, de Deus. Lembro que ouvia uma música de John Lennon, Oh my love, e partilhava dos mesmos sentimentos expressos ali. Bastava trocar my love por "My Lord", e a letra descrevia com exatidão o maravilhamento que eu experimentava ao enxergar pela primeira vez.

Oh my Lord for the first time in my life,
My eyes are wide open

Oh my Lord for the first time in my life,

My eyes can see

I see the wind, I see the trees,

Everything is clear in my heart,

I see the clouds, I see the sky,
Everything is clear in our world,
Oh my Lord for the first time in my life,
My mind is wide open,
Oh my Lord for the first time in my life,
My mind can feel
I feel the sorrow, I feel dreams,
Everything is clear in my heart
I feel life, I feel love
Everything is clear in our world

11 setembro 2008

Diálogos (medicamente) irrelevantes VI

- E aí, já foi participar da campanha do Temporão? Foi tomar a vacina da rubéola?

- Não. Eu não vou me vacinar.

- Como assim, “eu não vou me vacinar”? Tá maluco?

- Ué, eu tive rubéola quando era criança.

- Mas você não viu o aviso do governo? Homens e mulheres de 20 a 39 anos devem tomar a vacina mesmo já tendo contraído a doença.

- E qual o sentido lógico de tomar uma vacina se todos os médicos dizem que, tendo tido a doença, estou imunizado para sempre?

- O site da campanha explica que os sintomas da rubéola podem ser confundidos com os da gripe...

- Aquele site da campanha é horrível, os textos são superficiais e cheio de erros de português. Você confiaria num profissional que nem sabe falar direito?

- Mas...

- Além disso, eu tive rubéola, e não gripe. Lembro muito bem. Eu tinha uns sete anos. Não conseguia dormir porque meu corpo estava quente demais. De repente começou uma coceira horrível nas mãos e nos pés. Quando olhei, estavam vermelhos. No hospital falaram que era rubéola.

- Mas, e se erraram no diagnóstico?

-Se erraram, qual a garantia de que uma vacina do governo vai consertar o erro? Você confia tanto assim no governo? Prefiro confiar nos médicos que me atenderam quando eu era criança.

- Cara, não custa nada...

- Ah, custa sim. Você já se vacinou?

- Ainda não.

- Na internet tem gente reclamando de efeitos colaterais, alergias. Tem gente de cama por causa da vacina.

- Não vi.

- Também tem gente que não teve nada. Mesmo assim, para que tomar uma vacina se os efeitos da vacina podem ser piores que os da própria rubéola?

- Ah, você acredita nessas histórias de internet?

- E você acredita no governo?

[Pausa]

- Se você acredita em tudo que sai na internet, você também deve ter visto aquela história ridícula de que a vacina pode causar infertilidade...

- Não há nada provado. Mas não desconsidero.

- Caramba. Você está mesmo sendo irracional.

- Irracional? Vamos lá. Número um: eu já tive rubéola. O governo diz que eu tenho que me vacinar e não me explica por quê. Bom, se eu estivesse sendo irracional é que eu iria me vacinar. Justamente por ser racional é que não vou. Ninguém me convenceu de que eu preciso dessa vacina. E olha que pesquisei.

- Certo. Número dois?

- Número dois: a vacina está causando efeitos colaterais. A vacina é do governo. Se os serviços do governo fossem bons, ninguém reclamava tanto.

- Tá bom. Tem um número três?

- Tem.

- [Suspirando] Qual é?

- O ministro Temporão.

- Que é que tem?

- Ele defende o aborto declarando que é uma questão de saúde pública. Pois bem: quem confunde feto com doença não sabe o que é doença. Não acha?

- ...

- Foi o que pensei.

03 setembro 2008

Discussões lingüísticas

Gustavo Nagel veio hoje todo faceiro me indicar um post do novo blog de... Caetano Veloso! Pois é, o post trata justamente do assunto da recente discussão que tive com Raquel Nery sobre algumas implicações da lingüística moderna (ou nem tão moderna, já que essas idéias têm pelo menos quarenta anos). O fato é que o post é bom demais e eu não resisti: comentei. Minha felicidade é que, com esse comentário, consegui algo que não tinha conseguido até então com Raquel: resumi praticamente tudo o que penso sobre o assunto. Sintam-se à vontade para continuar debatendo aqui! Abaixo, o comentário, com o link para o post do blog de Caetano.
Olá, Caetano,

Que coincidência receber agora a notícia deste post: estava justamente conversando sobre isso em público, via blogs, com uma professora de lingüística (sou professora de francês e literatura). Em resposta a meus lamentos sobre algumas mudanças no português brasileiro que atentam contra a ossatura do idioma (ou seja, a sintaxe - como "é o carro que você precisa"), ela me acusava de elitismo. Ora, cito você -

"as pessoas que dizem “grobo” são as mesmas que têm vocabulário menor, menos acesso aos conhecimentos, menos poder"

- para afirmar que, se há no estudo do idioma a função descritiva e a normativa, não entendo por que os profissionais de Letras envolvidos na primeira função (os lingüistas) insistem em menosprezar a segunda, negando a necessidade de padrões para os idiomas e transformando a norma culta numa espécie de instrumento de opressão próprio das "classes dominantes" - um marxismo barato transposto para estudos lingüísticos. Além do mais, embora sejam duas funções igualmente importantes, há uma diferença significativa entre elas: a primeira é eminentemente acadêmica (descreve-se para compreender melhor o idioma e produzir teoria), enquanto a segunda gera resultados fora das portas da universidade, na medida em que, através do ensino para um maior domínio da modalidade culta, há um real aumento não só de possibilidades de ascensão social, mas de desenvolvimento pessoal. Quem domina o padrão culto não só angaria mais oportunidades profissionais, mas lê melhor, escreve melhor e, acredito, até pensa melhor. Assim, o resumo de meu argumento é: enquanto os lingüistas pretendem criar para essas pessoas de "menos poder" uma ilha de falso consolo, são os professores de português (os Pasquale da vida) que de fato lhes estendem a mão e as puxam para cima.

Que os lingüistas continuem portanto naquilo que é de sua especialidade - descrever o uso do idioma - enquanto os professores de português fazem o que é de sua competência: ensinar a variante culta da língua. Descrever e normatizar são duas funções diversas, mas ambas possuem relevância. Não é preciso que uma diminua para que a outra cresça.

Seu blog e esse post foram uma agradável surpresa. Parabéns!

Abraços,

Norma

P.S. Manuel Bandeira confessou achar bonitinho quando os cariocas dizem "para mim fazer". Particularmente não gosto, mas tenho especial simpatia pelo fenômeno que você citou na linguagem oral de Minas Gerais: a ausência dos pronomes em determinados verbos ("Ele assustou!"). Ora, podemos de fato apreciar alguns desvios da norma culta (orais ou escritos) sem, com isso, adotar esse discurso populista de nivelamento. Aliás, saber apreciar desvios é uma das condições para a fruição da literatura. Senão, professores de português jamais leriam ou recomendariam Guimarães Rosa! ;-)

02 setembro 2008

Por que eu ainda gosto de Girard

Essa entrevista (em inglês) está sensacional. Trechos:

We are losing every contact between language and the regions of being. Today we believe only in language. We love fairy tales more than in any other era. But Christianity is a linguistic truth, the logos.

I filled my head with the farcical, with the stupid, simple mediocrity of the avant-garde. I know well how the postmodern denial of reality can lead to the discrediting of the moral questions about man. The avant-garde, at one time relegated to the artistic field, today extends to the scientific, which thinks about the origin of man. In a certain sense, science has become the new mythology: man has created life.

The Christian religion, the greatest revolution in human history, is the only one to remind us of the correct use of reason. It is a challenge that carries with it the concept of guilt. For a long time, Europe had decided that the Germans had to be the scapegoats for World War II; it was impossible to attack communism or nazism. Once the death of God was declared, along with the end of the possibility for the word ‘enlightenment’ to have any religious meaning, there had to arise an ‘anti-God,’ a counter-divinity: communism. I agree with Ernst Nolte’s thesis on the affinity between Nazism and communism. Every totalitarian regime begins with the suppression of religious liberty. Today, this anti-life counter-divinity is revived in scientism.

From here, there is born a culture shipwrecked in the present. From here, there originates even a hatred for a vibrant culture that affirms universal truth. Today, it is widely believed that sexuality is the solution to everything; instead, it is the origin of the problem. We are continually being seduced by a suggestive ideology of allurement. Yet deconstruction does not contemplate the sexuality at the core of human folly. Our insanity thus lies in our willing efforts to make sexuality a banal, frivolous matter. I hope Christians don’t follow this direction of deconstruction. For violence and sexuality are inseparable. This is why sexuality contains both the most beautiful and the darkest elements that we carry within.

The twentieth century was the century of classical nihilism. The twenty-first century will be the century of alluring nihilism. C. S. Lewis was right when he talked about the abolition of man. Michel Foucault added that the abolition of man was becoming a philosophical concept. Today, one can no longer speak of ‘man.’ When Friedrich Nietzsche announced the death of God, in fact he was announcing the death of man. Eugenics is the negation of human rationality. If one considers man as the outcome of mere chance and as crude material for the laboratory, a malleable object to be manipulated, one reaches the point of being able to do anything to man. That ends with the destruction of the fundamental rationality that belongs to the human being. But man cannot be reorganized thus and still remain man.

25 agosto 2008

Julgar e discernir

Dois cristãos que se conhecem pouco estão conversando. Um deles conta algo que havia se tornado público: os recentes pecados em que caíra um líder famoso. No meio da conversa, o outro dá uma gargalhada. O primeiro pensa com horror: “Que absurdo, rir de uma coisa dessas. Pelo jeito o Fulano não se importa com os pecados dos outros.” O que riu percebe de súbito o estranhamento do primeiro e, um pouco constrangido, tenta justificar “Eu achei engraçado porque...”, como quem se desculpa depois de rir em velório.

Mas o primeiro permanece com suas impressões. “O Fulano não se importa com os pecados dos outros.” Isso é julgar.

Outra situação. Dois cristãos que se conhecem pouco possuem blogs. Querem se linkar, por amizade, mas um obstáculo se apresenta a um deles: o blog do outro é pouco edificante e, de quebra, está cheio de linguagem duvidosa e fotos obscenas. Ao mesmo tempo, experimenta certa angústia: “Estaria eu julgando?” O conteúdo, porém, fala por si: há algo errado na vida cristã de quem posta tais coisas despreocupadamente, sem pensar na possibilidade de escândalo. Cabe descobrir o que é.

Diante de um fato desses, quem se cala com o argumento “devo estar julgando” abstém-se de justas admoestações, impedindo que o pecado alheio seja reconhecido e coberto.

É assim que tem se comportado a igreja hoje: incapaz de fazer a diferença entre julgar e discernir, o cristão se vê de boca atada e não ajuda o irmão em erro. O pecado se multiplica em nome de um “amor” muito pouco bíblico, falso amor, mascarado sob os imperativos modernos da tolerância. Essa tem sido uma das maiores fraquezas da igreja hoje.

Que Deus nos ajude.
Post Scriptum - De fato, este post veio no momento certo: acabo de receber notícia sobre a matéria de capa da revista Eclésia deste mês. Ali, Brennan Manning e Philip Yancey são citados como apoiadores do movimento homossexual nas igrejas. Manning chega a dizer abertamente que é possível conciliar homossexualismo e cristianismo. (Só se for com o amorrrrrrrr politicamente correto, não o amor cristão, que confronta o pecador e salva sua alma da morte.) Em janeiro deste ano, escrevi que Yancey estaria "entre muros" por se render ao secularismo nesse aspecto. Não foi um ato de julgamento de minha parte, mas sim de discernimento; afinal, as palavras de Yancey não deixam muitas dúvidas sobre sua flexibilidade em relação ao homossexualismo. Repito aqui o mesmo desejo que expressei naquele post: não só que a ambigüidade em Yancey seja submetida em definitivo à Palavra, mas que a já tão confusa igreja brasileira saiba abandonar toda devoção idolátrica (há quem se refira a esses dois autores como "intocáveis") e se posicione firme em uma fé saudável e bíblica.

18 agosto 2008

Quintana é emo

Mario Quintana, para mim, é o poeta Hello Kitty, amado por nove entre dez adolescentes do sexo feminino que gostam de ler, bem, poesia. (Como só passei a gostar de cor-de-rosa depois de adulta, não era fã de Quintana nessa fase.) Tinha até um amigo que comprava todos os anos a Agenda Quintana só para escrever adendos humorísticos a cada poemeto.

Esses dias, para nossas boas risadas, outro amigo, Edson Camargo (do Profeta Urbano), sentenciou comigo por chat: “Quintana é emo!” Por exemplo, nada mais emo do que aquele famoso Poeminha do Contra, escrito sobre (ou para) seus desafetos que não o deixavam entrar para a Academia Brasileira de Letras:

“Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”

É preciso reconhecer: o último verso clama por paródias! Foi o que começamos a fazer, frenética e gargalhadamente:


Versão Pit-Boy: “Eles passarão, eu passarei o pé na sua fuça”
Versão Louco para Imigrar: “Eles passarão, eu passaporte para os EUA”
Versão do Aproveitador: “Eles passarão, eu passo a mão na bolsa”
Versão Pasma: “Eles passarão, eu, tô passado!”
Versão Dadá: “Eles passarão, eu passo-ão”
Versão Dadá Internacional:
“Eles passarão, eu pussy cat

V
ersão Burro Assumido: “Eles passarão, eu pastarei”
Versão do Teimoso: “Eles passarão, eu passo não”
Versão Toca do Coelho: “Eles passarão, eu, paçoquinha”
Versão Centro Cultural: “Eles passarão, eu Paço Imperial”

E as bíblicas:


Versão Crente Educado: “Eles passarão, eu, paz do Senhor, irmão”
Versão Moisés no Egito: “Eles passarão, nós, sejamos cautelosos, soldados egípcios”
Versão Evangelista Avivado: “Eles passarão, nós iremos por todo o mundo e pregaremos o Evangelho a toda criatura!”

A brincadeira não tem fim. Aguardo novas versões na caixa de comentários!

17 agosto 2008

Travada

Estou travada. As idéias continuam pululando mas, se não aparecem aqui, a culpa é toda sua, leitor. Ah, sim. Porque, se vou desenvolver um texto sério, careço de tempo para árduas pesquisas bibliográficas e extensas notas de pé de post (você sabe, leitor, que trabalho demais - sou profissional de Letras), e não quero ser acusada de leviandade; se vou escrever uma bobagem divertida, bate o receio de ler reclamações mais compenetradas ("seu blog já foi melhor", "seu blog não abençoa como antes" etc.); se vou simplesmente postar uma música, lá vem um comentário para me convencer a largar o vício da pirataria.

Enfim, idéias há, mas me sinto como cachorro novo nas mãos de donos ignorantes: os comentários negativos têm me treinado negativamente. O resultado é que guardo tudo para mim. E minhas leituras correntes - Notes towards a definition of culture, T.S. Eliot; The Good of Afluence, John R. Schneider; Os irmãos Karamazov, Dostoiévski; As origens do totalitarismo, Hannah Arendt - só abençoam a mim mesma, porque não mais ouso falar despreocupadamente, na amizade, sobre as coisas que ocupam minha cabeça.

Ok, ok, eu sei, a culpa é minha. Mas Deus ainda há de me ensinar a confrontar, a ser contracultura direito, a não receber um comentário pesado como um tapa na cara ou um pisão no pé.

30 julho 2008

O Senhor dos Anéis

Não participei da euforia geral nas salas de cinema, mas deixei para ver os DVDs em casa. Assisti a todos quase de uma vez só. Fiquei emocionada até nas cenas do making of. O que mais me tocou foi a grande amizade que os personagens demonstravam uns pelos outros, corroborando aquela frase de Jesus: "Não há amor maior do que este: dar a vida por seus amigos." No grupo que se arriscou para ajudar Frodo, todos colocaram o amor pelo hobbit acima de suas próprias vidas. Não pôde deixar de me ocorrer que faltava ao homem moderno essa ousadia de aventuras em nome de um bem maior.

Comprei então uma edição completa em inglês de Senhor dos Anéis. Fiquei feliz por conseguir ler de modo fluido, quase sem recorrer ao dicionário. E, em um diálogo singular que tive com uma amiga esses dias, tentei explicar minhas reações à leitura de The Hobbit:

- Parei naquela cena em que o mago Gandalf visita Frodo. É estranho mas, junto com o prazer da leitura, eu sinto o tempo inteiro uma dor profunda, como se fosse infinita.

- Isso é como ele descreve a dor que sente antes de morrer - respondeu ela. - Uma dor infinita, que não sara nunca.

Eu não me lembrava mais dessa passagem no filme. Na verdade, nem sei se está lá. De qualquer modo, acho tão impressionante ter percebido a história do anel como algo implicado a minha própria vida, ao ponto de expressar com as mesmas palavras a maior dor do personagem, que corri para registrar isso em post. Ainda escreverei mais sobre o romance.

20 julho 2008

O bode marxista e o bode nazista

Pequena explicação prévia: O mecanismo do bode expiatório permite enxergar o mal unicamente no outro, visando sua destruição. É uma espécie de "teatro purgativo". Quando ocorre no nível da linguagem, usa-se a metáfora como um processo facilitador: a (des)razão coletiva escolhe certas figuras malignas como “mais más que outras”, e quem se vale do mecanismo só precisa escolher essa figura e aplicá-la indiscriminadamente ao outro odiado.

O melhor exemplo disso é Hitler. Sim, ele era de fato mau, muito mau, mas hoje sua figura é utilizada para absolver outros tiranos tão maus quanto ele. Erros históricos crassos opuseram o nazismo ao comunismo (enquanto, para o historiador Alain Besançon, ambos não passam de gêmeos heterozigotos) e o abusivo uso comunista do mecanismo estendeu-se à mentalidade de nossa época. Hoje, Hitler é o mal absoluto, não tem para ninguém. (Alguns gostam de citar Bush, mas não o fazem com a mesma força.) E, quando toda a caracterização do mal é despejada em alguém – uma espécie de imitação parasitária da ira divina – , muitos saem absolvidos do outro lado. Geralmente, Lênin, Stálin, Che Guevara, Mao etc. etc. Assim, é fácil perceber por que os conservadores costumam ser insultados o tempo todo de “fascistas”, quando o próprio comunismo deveria receber a denominação comum a ambos os sistemas, segundo Hannah Arendt: totalitário.

Saiu hoje no Estadão: “Amorim diz que ricos mentem como Goebbels”.

O título é perfeito. Mas, antes de explicar por quê, deixem-me resumir a matéria.

Indignado com o que julgou injustiça nas negociações da Rodada Doha sobre a liberalização comercial dos mercados agrícolas, o chanceler brasileiro Celso Amorim afirmou que a estratégia dos países ricos era semelhante à do ministro Goebbels, responsável pela desinformação no regime nazista. “Goebbels sempre dizia que, quando se repete uma mentira muitas vezes, ela se torna verdade”, citou. E completa: “Quando eu vejo o que é dito sobre a liberalização no setor agrícola e no setor industrial, não tenho como não me lembrar de Goebbels. Isso precisa ser desmascarado e não podemos ter um acordo baseado na desinformação.”

A recepção dessas palavras foi a pior possível, causando um acidente diplomático. Nos EUA, a representante de Comércio da Casa Branca Susan Schwab, filha de sobreviventes do Holocausto, desabafou: “É um ataque pessoal e baixo”. O Itamaraty chegou a enviar pedidos de desculpas, mas os ânimos ainda estão longe de se acalmar.

Agora, volto à minha análise. Por que o título da matéria do Estadão é perfeito? Pelo seguinte: ali estão expressos os dois lados do mal-entendido. Trata-se de um flagrante exemplo de conflito calcado no mecanismo do bode expiatório. Explico. De um lado, Amorim desenvolve um argumento sustentado pelo bode marxista (os bons são os pobres oprimidos, os maus são os ricos opressores) para enfatizar o que julga uma injustiça. Seu grande erro foi recorrer a um exemplo histórico associado ao bode expiatório supremo, o nazista, para firmar posição. Ele se sairia bem se, com tato, escolhesse palavras que sugerissem apenas o bode marxista – porque os “maus” representados por esse bode ainda costumam aceitar o papel com culpa assumida. Ou seja, o bode marxista “cola”. Porém, ao colocar um bode na pele do outro, o chanceler escandalizou os representantes dos “países ricos” e meteu-se em uma enrascada, porque entre eles havia uma vítima verdadeira do totalitarismo nazista. Apenas sua presença foi suficiente para desacreditar a estratégia.

Enfim, entendi que Amorim não quis trazer o nazismo para a discussão. Mas, ao levantar esse que é o bode mais pesado, feriu susceptibilidades bastante reais. Vai ser difícil sair dessa.

18 julho 2008

Billy Joel - To make you feel my love

"The winds of change are blowing wild and free." Uma das composições mais lindas de Bob Dylan gravada por Billy Joel. Enjoy!

13 julho 2008

Minha pequeníssima história da arte moderna


No poema de abertura de seu livro sobre o mal - e não por acaso meu preferido - , Charles Baudelaire já vai logo avisando: se você acha que esses males todos aqui não lhe dizem respeito, está enganado, hipócrita leitor, meu semelhante, meu irmão. Mas a poderosa assertiva de depravação total se desvia de promessas de salvação ao longo de cada poema seguinte, rumo à construção de uma outra (e bastante particular) teologia: se não podemos evitar o mal, façamos arte com ele. Não há salvação, mas uma espécie de alquimia: “Você me dá lama, eu lhe devolvo ouro”, declararia mais tarde o poeta, enquanto, depois de baixada a poeira dos processos jurídicos, críticos subseqüentes seriam quase unânimes ao declarar que, a partir de Baudelaire, a beleza estava enfim independente da moralidade.

Quando chega Duchamp com sua privada ridiculamente assinada, seu chinelo sujo de sêmen, sua Monalisa de bigode, essa primeira dissociação entre o belo e o bem se desdobra em várias. A arte é declarada independente não só da moral, mas da técnica, da autoria e sabe-se lá de que mais. Torna-se questão de espaço e contexto: afinal, é algo inteiramente arbitrário que desloca a roda da bicicleta para o campo da exposição. A força motriz dsse “algo” (os autodeclarados artistas, os marchands, os donos de galerias) detém o supremo poder de decisão sobre o que será digno do olhar apreciativo (ou depreciativo) do outro. O objeto da estética se pulveriza cada vez mais.

Hoje, não causa espanto a redução desse objeto a uma idéia. Por isso, nunca foi tão difícil, para os espíritos minimamente teoréticos, falar dele de modo ao menos razoável. Sua singularidade, afirma-se, é sempre o que escapa: o “plural”, o “difuso”, o “desconhecido”. Essa vaguidão, ou vaguidade, ou vagueza, pode cansar de morte os estudiosos finos, mas animar em definitivo os prolixos divagadores (algo bastante francês, reconheço – mas não para mim, que busco deles outra coisa) e os carnavalescos (algo mais brasileiro: a mescla dos dois é o que se encontra a rodo nas faculdades de letras). Affonso Romano de Sant'Anna cita muitos exemplos impressionantes dessa arte como idéia (Desconstruir Duchamp), e então vem Bruno Tolentino, que quase conheci em 2003, e publica nesse mesmo ano os poemas de O mundo como idéia. Não pude perguntar-lhe pessoalmente se esse livro não era, em alguma medida, uma resposta ao pontapé inicial dado (ou inspirado) pelo velho Baud.

Se não serve para instruir nem enlevar ninguém, pelo menos essa minha pequeníssima história da arte moderna explica por que, ainda em plena ressaca pós-tese, ultimamente eu me vejo pouco interessada por pesquisas estéticas e me volto para outros assuntos. Mas que o leitor (meu semelhante, meu irmão) não se engane: ainda que eu não trate quase nunca do tema neste blog (viu, Guilherme Carvalho – demorei mas respondi, hein?), a literatura é desde a infância, e continua a ser, minha paixão primeira.

08 julho 2008

Dois antídotos

Jesus Cristo personifica o único real e válido esforço de reintegração do ser humano consigo mesmo, com seu próximo e com Deus. Todos os demais são idolatria – e, dentre eles, a idolatria mais mortífera é aquela que nos faz tirar os olhos de nossas divisões internas para enxergá-las apenas externamente, como fruto de uma cosmovisão esquemática dualista-moralista totalmente arbitrária, composta de uma dicotomia rígida que se distancia da realidade. No cristianismo, o mal está no interior e é intrínseco à natureza humana desde a queda. No esquema dicotômico idólatra, o mal é apenas exterior, encarnando-se e cristalizando-se em todo aquele que não adere à cosmovisão. No cristianismo, todos nós somos opressores ou oprimidos dependendo de cada situação, mas sobretudo pecadores, porque o mal toma múltiplas formas. No esquema idólatra, o opressor tem sempre o mesmo endereço; é culpado por recusar-se à adesão e por toda forma de expressão pública dessa recusa.

O cristão se reintegra em Jesus, confessando-se pecador e recebendo perdão. O idólatra comunista, socialista e/ou politicamente correto jamais reconhece seu próprio mal, mas se sente reintegrado na doutrina que prega: acabem-se os opressores e o mundo será transformado. O cristão morre e ressuscita em Cristo; o comunista mata ou neutraliza o outro. Não há síntese possível entre esses dois antídotos para as divisões humanas. Se você se sente à vontade como cristão comunista, algo está errado. Das duas, uma: ou seu comunismo se resume a sentimentos legítimos mas mal direcionados de preocupação e solicitude com relação aos menos favorecidos – e você precisa compreender que comunismo não é isso – , ou você está usando as instituições cristãs como uma casca religiosa para embelezar aquilo em que crê de fato. No primeiro caso, alguém o enganou; busque informação. No segundo caso, você é um enganador, e terá de prestar contas a Deus naquele dia.

23 junho 2008

O erro de Girard, ou: a profundidade do mal

A Bíblia diz que "não há um justo, um sequer" e que "o salário do pecado é a morte". Diz, também, que a convicção de que somos pecadores só pode vir da parte do Espírito Santo. Isso significa que o homem não-convertido sempre irá se achar melhor do que realmente é. Enquanto o cristão verdadeiro é sempre lembrado de seus pecados pelo Espírito, o não-convertido morrerá sem saber o quanto foi mau.

Embora seja um gênio no que se refere a encontrar e analisar pontes antropológicas entre o mal humano e a cultura evangélica, René Girard erra redondamente na teologia. É impressionante como a verdade bíblica se revela mais uma vez: sem a convicção de pecado impressa pelo Espírito, ainda que mergulhe no fenômeno do mal e revele seus mecanismos - o desejo mimético e o bode expiatório são fatos reais e perceptíveis universalmente - , nenhum autor entenderá o que Cristo veio fazer se não perceber o quanto foi necessário morrer para nos dar vida. Ou seja: nosso mal é tão profundo que apenas a morte do próprio Deus nos faria reviver.

Mas Girard não vê assim, e é por isso que posso indicar sua leitura, mas não como a de um autor cristão: ainda que reconheça a superioridade do cristianismo sobre as demais religiões, Girard pensa que o sentido dos Evangelhos e o próprio mérito de Cristo repousam sobre o desvelamento do mecanismo do bode expiatório - e que a conversão consiste no abandono desse mecanismo. Para Girard, Deus se opõe a todo mecanismo sacrificial (uma compreensão errônea de Isaías 1:11), inclusive o de Cristo. O acontecimento apenas serviu para evidenciar em plenitude a maldade humana, isto é, o mal que mata um inocente.

Por isso Girard costuma ser um autor preferido entre os teólogos liberais. Se o sacrifício de Cristo não foi algo necessário e deliberado, da parte de Deus, para nos livrar de nossos pecados, mas apenas a exposição máxima do mal humano para que nós mesmos pudéssemos nos despojar dele, isso significa que nosso mal não é tão grande: o processo de conversão se limitaria à transformação advinda da contemplação de nosso próprio mal, uma experiência interior, tal como o maravilhamento diante de uma obra de arte. Isso torna a conversão algo puramente humano: se compreendo meu mal, posso abandoná-lo. E, ao situar a questão do mal tão na superfície, tornando o "novo nascimento" algo mais mental e simbólico que espiritual, Girard erra o alvo (uma das definições da palavra grega para pecado, hamartia): nascer de novo passa a ser um fenômeno gnóstico, abstrato, ligado sobretudo à mente e às impressões, e não um verdadeiro novo nascimento, completo, definitivo. Esse é um entendimento que deixa de lado o aspecto fundamentalmente relacional e transcendente da conversão, que não ocorre em um sistema humano fechado, entre as paredes de uma subjetividade soberana, mas sim na entrega sem restrições de um corpo morto para que renasça em Cristo. Assim, reconheço o tamanho e a profundidade do meu mal na medida em que aceito que, para que eu reviva, um justo precisa morrer em meu lugar, e que, sim, esse justo é o próprio Deus em um sacrifício voluntário. Essa é a gigantesca dimensão do meu mal - e os cristãos verdadeiros não adoçam sua situação; não a negociam jamais.

09 junho 2008

Um sonho de conversão


Sonhei uma vez, há pouco mais de dez anos, que estava com minha família em uma autêntica “farofa” na praia, ou seja, um almoço em frente ao que me pareceu o mar plácido e convidativo de Araruama. Mesas postas, comida pronta, o único elemento destoante sob o sol era uma assustadora carcaça de ônibus levada de lá para cá pelas ondas, ameaçando invadir o local onde estávamos. O que de fato acabou acontecendo: tomado por uma onda mais forte, o ônibus ganhou impulso e esmagou um homem, que corremos para resgatar e levar ao hospital. Lembro-me de ter sido poupada por um triz do esmagamento, porque corri em direção a meu pai que estava em um lugar mais alto na areia. A cena seguinte e última do sonho era a do hospital, onde o homem era internado e nós íamos para casa.

Quando me converti, alguns meses depois, impressionei-me muito com o significado cristalino dos elementos do sonho: a carcaça de ônibus simbolizava os caminhos humanos errantes, que terminavam por nos esmagar, dos quais eu só havia escapado por ter corrido para Deus – “meu pai em um lugar mais alto”.

Impressionou-me mais ainda, porém, descobrir justamente na igreja em que me batizei um canto com semelhanças muito evidentes com o que, no meu sonho, havia sido o hospital. O conjunto não poderia ser mais auto-explicativo. Assim, embora não dê importância demais à grande maioria de meus sonhos, recebi esse em particular como um presente de Deus.

24 abril 2008

Porque Ele é bom II: Livramento

Quando eu tinha uns 12 anos, costumava ir à praia na companhia de uma amiga de escola. Apesar de jovens mocinhas, éramos inconseqüentemente destemidas: à tarde, hora sem muito movimento, nadávamos até bem depois da arrebentação, onde já não havia quase ninguém por perto. Eu havia desenvolvido, nessa época, um método bastante eficaz, embora não infalível, de escapar ilesa do efeito caixote: mergulhava o mais fundo possível, tentava ao máximo me postar na horizontal e passava por baixo, arrastando-me por onde a onda permanecia mais estável. Só não funcionava quando eu errava o timing e acabava me embolando um pouco acima; aí não tinha jeito: rolava até a margem e me entupia de água e areia até a alma. Para no dia seguinte começar tudo de novo, ainda que a noção de perigo de morte se afigurasse nítida a cada vez - principamente diante de ondas maiores, que chegavam a ultrapassar três metros de altura.

Hoje de manhã, no entanto, não haveria método que me livrasse das ondas que acometeram o catamarã de Charitas no trajeto Niterói - Rio. Apenas Deus poderia conter a força inédita das águas da Baía da Guanabara, que invadiram a embarcação arrebentando duas portas, quebrando cadeiras e derrubando vários passageiros de uma só vez. Era como se pudéssemos capotar no mar; de fato, a sensação era de estar em um carro que, tendo perdido o contato constante com o solo, corcoveasse perigosamente na pista. Era também como estar em uma montanha russa marítima e nada empolgante, sem saber o que aconteceria depois de cada violenta subida e descida. Quanto às informações visuais, não me perguntem como foi: atrás de uma divisória opaca e sólida, fui bastante poupada, ao abrigo não só da traumatizante imagem das ondas chegando, mas sobretudo dos efeitos da água - que apenas molhou meus pés ao fim da viagem, enquanto havia machucado e encharcado as dezenas de pessoas que se sentaram mais à frente. Do cantinho seguro em que eu estava, sem poder me levantar, acompanhei os fatos pelos movimentos, gritos e barulhos das portas quebradas e, quietinha, apenas clamei por Deus.

Quando chegamos, alguns ilesos (como eu) e outros nem tanto, mas todos vivos, tivemos a certeza de que havíamos escapado de morrer. Mas eu tinha uma certeza maior e bem mais plena de positividade: Deus me queria viva. Apesar de ainda tremer com o acidente - sou do tipo inglesa, fico calma nos piores momentos e passo muitas horas nervosa depois - , não posso evitar um pequeno impulso revigorante depois dessa quase-tragédia: Deus me quer viva, e o livramento de hoje é uma das provas de Sua vontade.

Mais sobre o acidente
Depoimentos de quem viu mais que eu

Comandante: "Graças a Deus não aconteceu nada pior"

26 março 2008

Porque Ele é bom

Convido você hoje, leitor irmão, a exaltar comigo o fato de que Deus nos chama para participar de Seus sentidos ocultos, revelando-nos aspectos de nossas vidas que, de outra forma, permaneceriam para sempre pontos cegos para nós. De um modo tão generoso, Ele permite que mesmo a dor que experimentamos devido a um pecado que demora a ser identificado e debelado por completo seja integrada a uma rede de sentidos, atrelada à experiência, para que compreendamos como Ele faz repousar nossa vida - começo, meio e fim - em Suas mãos, nas únicas mãos que sustentam todo sentido último. É apenas assim que, longe da proeminência das discussões filosóficas intermináveis sobre o problema do sofrimento, poderemos até mesmo cometer aquela loucura genuinamente bíblica de agradecer a Deus pelo mal - "Deus deu, Deus tomou, bendito seja o nome do Senhor".

A Ele toda glória! Mesmo quando não compreendemos, sabemos que um dia tudo se tornará claro, por causa das pequenas luzes que já vislumbramos aqui e ali - e que já são, de fato, demais para nossos olhos.

24 fevereiro 2008

Virilidade

The good, the bad and the ugly, Ennio Morricone

Sinto falta da virilidade. (Não minha, lógico. Nos outros – nos homens.) Sinto que a força masculina é a grande qualidade recalcada de nossos tempos. Mirados pelo dedo dos descendentes ideológicos de Marx, os homens estão fugindo como loucos da pecha de opressores. “A culpa é do macho heterossexual”, bradam os totalitaristas encampadores do pensamento na mídia e nas universidades. Como resultado, os homens estão se tornando... menos homens, mais meninos. E sensibilidade sem maturidade é alijamento emocional: algo que, no relacionamento, obriga a mulher a ser mãe acima de qualquer atributo.

Sim: as mulheres têm sido chamadas, na modernidade, a ser fortes, enquanto os homens, sufocados de culpa, precisam se enfraquecer. O resultado é isso que vemos por aí. Que as leitoras do blog sejam sinceras consigo mesmas: Tiveram quantos namorados realmente adultos, decididos e seguros de si? Quantas foram as vezes em que foram mais mães que namoradas?

Outro dia, assistindo à tv daquela forma totalmente descompromissada – mudando de canal o tempo todo – , eu ri de mim mesma ao perceber que havia parado por alguns minutos em uma mesa-redonda futebolística. Não gosto nem de jogos de futebol, quanto menos de discussões sobre jogos de futebol. Mas me chamou a atenção que talvez um dos únicos sinais de virilidade assim tão flagrantemente exercidos, sem peso nem medo, esteja nos esportes. De assustar, essa conclusão.

Cristãos do sexo masculino, não me decepcionem. Sejam machos, para compensar essa excessiva fragilidade em que os homens modernos têm se refugiado. Jesus chorou, sim, mas era forte e viril quando precisava ser. Peçam a Deus esse equilíbrio.

Quanto a mim, não me isento da responsabilidade quanto a minha própria identidade sexual. Tenho orado a Deus para que não me deixe reproduzir a ânsia por reconhecimento masculino acima da valorização de meus atributos femininos. Tenho orado por plenitude de consciência sobre minha presença no mundo como mulher. Creio que Deus deseja essa consciência para os seus. Se não fosse assim, a diferença entre os sexos estaria tão esmaecida na Bíblia como se encontra em nossos dias. Se não está, é porque há algo nessa diferença que ultrapassa a simples idéia de função social. Para descobrir o que é isso exatamente, precisamos desejar ser homens e mulheres plenos em Deus. Essa reflexão não tem fim, e deve continuar pelos próximos posts.

P.S.1 Não deixe de ler um texto ótimo e sem papas na língua sobre o assunto, traduzido por Julio Severo.

P.S.2 Reativei os comentários para dar voz aos homens sufocados pela modernidade. :-)

28 janeiro 2008

O perfume do socialismo

Essa é praticamente uma piada. Deu no blog da Robin: sim, foi criado um perfume para o socialismo! A notícia é do The Guardian e eu traduzo um pedaço para vocês:

Através dos tempos, campanhas eleitorais têm testemunhado a criação de estratégias políticas no mínimo esquisitas, mas o Partido Socialista Catalão (PSC) inaugurou um novo marco de bizarrice ao lançar seu perfume, que mistura ervas mediterrâneas com bergamota e chá, além de notas orientais de fundo. Diz a propaganda que o aroma promete inspirar "confiança, igualdade, progresso e eficiência". Seu criador, Albert Majós, declarou à imprensa que se tratava da representação aromática dos valores do socialismo.

Estranhamente, o perfume lembra Bom-Ar. Um dos jornalistas que participaram do lançamento disse que o cheiro era tão forte que ele se sentiu sufocado e saiu tonto do ambiente.

Eu ia deixar a reportagem falar por si, mas não resisto. A comparação perfumística é tentadora demais. Então, lá vou eu. Em teoria, o socialismo promete o que veicula a propaganda: confiança, igualdade, progresso e eficiência. Na prática, porém, seus efeitos são os piores possíveis: quando dá de fato as caras, o socialismo é como spray de banheiro, totalmente desprovido de sofisticação, direcionado apenas por ganas de autoritarismo e incremento do poder estatal. Como se não bastasse, as emanações do regime socialista são tão violentas que cortam a respiração (e a fala), obrigando o povo a fugir para não desmaiar - temporária ou permanentemente.

Parabéns a Majós: não há dúvida de que, como “veículo dos valores socialistas”, o perfume é perfeito! Que o digam Fidel Castro, Mao Tsé-Tung, Pol Pot, Lênin, Stálin...

11 janeiro 2008

A deusa Igualdade

Em 1984, romance de George Orwell, os membros do partido único, vigilantes mantenedores da ordem em um sistema cruel, eram cuidadosamente treinados para tal, por meio de programas que violentavam suas consciências e os reduziam a robôs de reações automatizadas. Hoje, a programação é mais sutil e voluntária, porque feita sob o signo do amor — o amor politicamente correto, não o amor cristão. Mas qual a diferença?

Quando estamos firmados no amor de Cristo, não nos iludimos sobre a natureza humana ("Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus", Romanos 3:23). O amor cristão nos faz estar de olhos bem abertos para o pecado, primeiro o próprio ("tira primeiro a trave do teu olho", Mateus 7:5), em seguida o alheio ("Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados", Tiago 5:20). O amor cristão também nos faz cuidar da igreja alertando contra falsos ensinamentos ("Aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância", Tito 1:11). Seu ápice se realiza na vinda de Cristo para que "todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:16).

No entanto, a pregação da religião da igualdade, quando travestida de cristianismo, pede que, por serem todos pecadores, todos os homens sejam considerados igualmente santos; que ninguém seja convertido de erro algum; que os ensinamentos tortos e até de outras religiões sejam expressões de "pluralidade", não desvios do Evangelho; e que a figura de Cristo e o conteúdo da fé sejam suficientemente vagos para que os que não crêem se sintam confortáveis com suas contradições e paralisias argumentativas. A palavra de ordem é: não confrontar, mas acolher, já que, no vocabulário do Novo Amor, confrontar e acolher são noções irreconciliáveis.

Nessa nova religião, que cisma em querer se chamar pelo nome de cristianismo, torna-se impossível fazer como os autores das epístolas do Novo Testamento, que advertiam seus irmãos sobre pecados, buscavam convencê-los de erros doutrinários e alertavam a igreja com relação a falsos mestres. Seus adeptos ancoraram-se dentro dos arraiais evangélicos brasileiros, em púlpitos e espaços virtuais, aproveitando-se da escassez de líderes confrontadores e zelosos da Palavra. Com liberdade suficiente para agir, assumem agradáveis e práticos acordos com o esquerdismo (pregam um Cristo socialista), o multiculturalismo (defendem sincretismos), o relativismo (não ligam para diretrizes morais), desobedecendo aos padrões bíblicos mais básicos. Quem quer que os contradiga em nome do verdadeiro Evangelho é ridicularizado, vilipendiado, acusado de "falta de amor" — e com requintes de crueldade verbal. Afinal, eles tudo amam, menos a verdade.

O maior alvo dessa nova religião é que todos dancem alegres e despreocupados em torno da deusa Igualdade*, em cuja testa se encontra estampado seu único compromisso: anular a cruz de Cristo.
* Definição para os afoitos. A igualdade segundo Deus é um atributo que vem das mãos Daquele que "faz chover sobre justos e injustos" (Mt 5:45). Já a igualdade segundo a autonomia humana é um ídolo que coleciona vítimas ao mesmo tempo em que sobrepõe à vontade de Deus as regras de "um outro mundo possível".

03 janeiro 2008

Philip Yancey entre muros

Ah, que divertido! Chego hoje das minhas aulas e leio a mensagem de um amigo com um link de blog: "Vai lá ver." Era o blog do Pavarini, de quem apenas recentemente havia ouvido falar. Slogan: "Sal da terra, com um pouco de pimenta." Hum. Encontro então, no dia 2, um post inteirinho em minha homenagem. Não era nenhum tipo de análise do que escrevo, como fiz com a dupla Kivitz & Gondim. Era uma simples colagem, nem de post nem de trecho de post, mas de um comment meu, rápido e despretensioso, sobre aquele autor "de que tenho horror", Philip Yancey.

Ao que me consta, é um post natimorto. Meu texto é infeliz para um post inteiro, porque não explica as coisas - por isso, no meu blog, estava em seu devido lugar, em resposta espontânea a um leitor. Já no Pavablog, os comentários ao meu comentário são mais infelizes ainda, uma coletânea de pequenas gracinhas misóginas e pouco adequadas, feitas em sua maioria sob a proteção mui adequada do anonimato. No entanto, o ibope do post é alto: em uma média geral de 0,0000001 comentários (pois a maioria dos posts mostra o contador desalentadoramente zerado), minha singela observação, feita para jamais alcançar os pódios de um assunto principal, angariou até agora 10 manifestações. Convenhamos: para a média do blog, é um número altíssimo!

Agora, depois da diversão, eu me alongo aqui sobre o caso que gerou tamanha avalanche no blog citado: Yancey, afinal. Aos que ainda gostam do cabra, convém mesmo uma explicaçãozinha, porque eu também gostava dele. Li Maravilhosa graça há uns seis anos e me engasguei de tanto chorar. Na mesma época, li Perguntas que precisam de respostas e achei apenas interessante, mas ainda assim presenteei uma amiga com ele. Comecei a ler Decepcionados com Deus logo depois e foi uma experiência esquisitíssima: parecia ter sido escrito por um descrente. Não terminei o livro, não funcionou comigo. Mesmo assim, Yancey ainda era um autor do meu panteão - digamos, em um degrau inferior ao de muitos outros, crentes e não-crentes; afinal, Yancey é um jornalista generalista assumido, e dificilmente se encontrariam nele a mesma profundidade e a mesma erudição de um Calvino, de um C.S. Lewis, de um Jonathan Edwards, de um James Houston ou de qualquer articulista da excelente Fides Reformata.

Mas a minha aversão começou quando, ainda leitora da Ultimato (sim, porque um dia fui esquerdista, meio universalista e meio condescendente com certos pecados - ou você achou, leitor, que até agora no blog eu estava condenando o que não conhecia de bem perto?), prestei atenção no teor de cada cronicazinha de Yancey na última página da revista. Na época, eu já tinha começado a travar contato com escritores conservadores e compreendia algumas diferenças importantes: de um modo geral, enquanto os autores de esquerda costumavam falar de seus próprios assuntos sob uma linguagem peixe ensaboado, mais ocultando que esclarecendo, os textos conservadores traziam uma transparência que, para mim, contou como uma aliviadora honestidade textual. Esse foi o primeiro choque. Para o segundo, contribuiu o autor de Maravilhosa graça: enquanto as críticas conservadoras se concentravam nas idéias e em suas conseqüências, calcadas em fatos e argumentos, os textos de Yancey primavam pelo mesmo tipo de maldade difamatória que funciona como um tijolo no muro do mainstream esquerdista, um muro que procura isolar o ortodoxo e o tradicional das vistas públicas, construído conscienciosamente pelo poderoso lobby moderno de esquerda. Insultos blasés, todos de viés, vinham mesclados a um constante tom enraivecido a cada texto do obcecado articulista de Ultimato e Christianity Today - que, de modo inteligente, achava sempre um jeito de encaixar em qualquer assunto as batidas de seu martelo antifundamentalista. Longe de apontar erros reais, esse procedimento apenas deixava evidente a própria amargura do autor. Aos poucos, Yancey perdeu-me em definitivo como leitora: os "fundamentalistas" americanos que eu conhecia não se encaixavam de modo algum em sua macabra descrição, e essa injustiça me pareceu algo muito impróprio de alguém que se apresenta publicamente como filho de Deus. Isso, para mim, é "viver falando mal da igreja" em vez de amorosamente, como o apóstolo Paulo, oferecer-se para consertá-la.

Não posso aprofundar aqui a crítica textual a Yancey porque não disponho mais daqueles artigos de Ultimato. Estava prometendo a mim mesma que enveredaria por esse assunto, um dia, quando estivesse com mais tempo livre para pesquisar. Do que posso dizer por enquanto, é certo que Philip Yancey dedica-se conscientemente a destruir a imagem da igreja americana conservadora. Tudo indica que, com bastante discrição, também busca promover valores modernosos antibíblicos, tanto nos EUA como no exterior. Afinal, foi Yancey quem trouxe para o Brasil o autor Brennan Manning, que, segundo o autor cristão ex-gay Andy Comiskey, apóia a causa homossexual abertamente, dentro da igreja, negando ser o homossexualismo um pecado. Isso corrobora o suficiente minha aversão: enquanto empareda irmãos comprometidos com verdades bíblicas, Yancey deixa vazar secularismo à vontade do outro lado.

P.S. Preciso apontar algumas correções neste post. A revista que publicava Yancey na última página, pelo que me disseram, não era a Ultimato, mas a Enfoque Gospel. E o Manning não foi recomendação do Yancey, conforme me explicou o pessoal da Mundo Cristão. De qualquer forma, em entrevistas, Yancey parece um tanto confuso com essa questão do homossexualismo desde que seu amigo Mel White se assumiu publicamente e passou a integrar igrejas GLBT. Yancey chega a dizer que encontrou mais fé, fervor e comprometimento em igrejas GLBT do que em muitas outras. Não se pronuncia em favor do homossexualismo, mas parece deixar abertura para isso. Que toda essa ambigüidade seja submetida em definitivo à Palavra, é meu desejo para com ele.