29 dezembro 2010

História de minha conversão (II)

Familiarizado com meu blog, o leitor saberá, a essa altura, o quanto a música teve e tem um papel importante na minha vida. No processo de conversão não foi diferente. Antes de me tornar uma cristã evangélica, eu depositava minha confiança em uma divindade que oscilava entre o Deus cristão e o “deus interior” (ou força impessoal), um híbrido mal-ajambrado dominante no meio em que circulava (espírita e esotérico) — alguém a quem eu orava vez ou outra enquanto conservava a certeza de que eu mesma era meu próprio Deus.

Isso começou a ser quebrado através de uma música de David Bowie chamada Quicksand (“areia movediça”). O refrão era anunciado pelas palavras “Não tenho mais o poder”, para arrematar: “Não acredite em si mesmo”. A cada vez em que ouvia essa música belíssima (e um tanto depressiva), sentia um tiro no coração que espatifava o tal deus interior. Mostrei-a para minha melhor amiga na época que partilhava resolutamente de meus conceitos religiosos — e observei: “Mas não é um orgulho imenso esse negócio de acreditar em si mesmo?” Era o prenúncio de que em breve eu conheceria o verdadeiro Deus.

Pouco tempo depois, ainda sem ter ouvido a Palavra, deliciava-me com um cd de Dave Brubeck quando me peguei dirigindo a Deus um pedido singelo: assistir ao vivo uma banda de jazz. Foi um ato impensado, inusitado até para mim, que não costumava proferir orações tão espontâneas. Com 24 anos, eu já trabalhava, mas não tinha dinheiro para frequentar os caríssimos Mistura Fina da época. Amava jazz e queria muito assistir a um show. Deus me atendeu de um modo muito especial: depois do expediente, andando sem objetivo fixo pela principal avenida de Copacabana, fui “fisgada” por Ele com o som inequívoco de jazz tradicional — a formação de que eu mais gostava: bateria, teclado e baixo — para dentro de um... supermercado. Pasmem: havia uma banda tocando jazz ao vivo dentro de um supermercado.

Quando entrei no local e confirmei que de fato as músicas vinham de uma jazz band, não de um cd, e que eu podia ficar ali em pé à vontade, ouvindo, e ainda de graça, exultei. Porém, havia alguma coisa ainda mais especial acontecendo ali. De alguma forma, o ar estava diferente, como se anjos me circundassem. Eu não sabia explicar, mas senti a urgência de abordar as pessoas que estavam ali, em torno do palco improvisado, prestando atenção à música. Entabulei uma conversa muito tímida com uma menina um pouco mais nova que eu. Dali a pouco, chega um rapaz, amigo dela, apaixonado por jazz também, e sou apresentada a ele. Começamos a conversar e eu fiquei empolgada quando soube que ele era cristão. “Estou frequentando um grupo de estudos de Jung e ele valoriza muito os religiosos”, expliquei.

Era a pessoa que me evangelizaria. Eis como Deus me “pescou”: com jazz!

21 dezembro 2010

Dores da maternidade I

Logo no início da gravidez, detectei um sangramento. A médica acusou uma ameaça de aborto espontâneo, recomendando duas doses diárias de hormônio e repouso absoluto — ou seja, cama, cama, cama. Obediente, por mais desconfortável que me sentisse, eu não me sentava nem para comer. Recebemos visitas, os irmãos oraram, amigos e família ligavam preocupados. Foi difícil viver cada dia sabendo que podíamos perder o bebê, mas seguimos confiantes em Deus. O sangramento passou.

Agora, em repouso moderado, com 14 semanas e meia de gravidez, recebo mais uma notícia ruim, desta vez bem ruim: um “edema generalizado” em meu bebê, ou seja, uma hidropsia fetal, doença de altíssima mortalidade e às vezes nenhuma causa detectável. Na internet, encontrei grupos de apoio em que há algumas histórias com finais felizes — os bebês que sobrevivem são considerados “milagres”.

Depois do diagnóstico, fomos à médica obstetra e, descartadas outras causas (contaminação por vírus e conflitos entre meu Rh e o do bebê), sobram defeitos congênitos ou algum tipo de cardiopatia. Por enquanto, nada podemos fazer: o feto precisa ficar mais maduro, pelo menos 16 semanas, para ser examinado novamente. Até lá, o óbito é uma possibilidade nem um pouco remota. O impressionante é a raridade do fenômeno: hidropsia fetal por tais causas acomete um em seis mil bebês!

Diante de tais notícias, o que fazer? A médica comentou conosco que a maioria dos pais, escorados em uma aterradora impotência, costumam decidir incontinenti pela interrupção da gravidez. Sabendo que somos cristãos, no entanto, ela já intuía nossa negativa ao procedimento, e se viu tranquilizada ao confirmar nossa decisão final: aguardaríamos os fatos e confiaríamos em Deus. E nisso nós O glorificamos porque, praticamente “sem querer” — sem intenção deliberada —, demos a ela um poderoso testemunho, por causa do que Ele já realizou em nós.

Saindo do consultório, André e eu conversamos sobre o absurdo raciocínio que subjaz à decisão do aborto nesses casos: se o feto está doente, a solução é matá-lo de uma vez? Por que optar por medida tão drástica, se tudo pode acontecer inclusive a remissão espontânea dos sintomas, sem qualquer explicação? Imagino que, nesses momentos, ocorre algo bastante humano, pecaminosamente humano: se nos sentimos impotentes, melhor controlar alguma coisa, ainda que seja a morte. No final, para consternação e culpa gerais, muitas vezes se descobre que o aborto não era necessário, já que o bebê, ao ser retirado à força do ventre, surge saudável, contra todos os prognósticos. Mas somente o cristão, se de fato desistiu de tentar controlar o rumo dos acontecimentos e se entregou ao Criador e Sustentador de toda vida, pode chegar a tais conclusões.

E no meio da tormenta acontece aquela coisa inusitada que apenas os cristãos podem experimentar: eu e André percebemos com alegria que a fé que Deus nos deu e aprimorou ao longo dos anos nos impede resolutamente que hoje nos torturemos com a clássica e destrutiva pergunta: “Por que nós, Senhor?” Afinal, Jesus lança luzes sobre o sofrimento não respondendo à pergunta “por quê?”, mas sim “para quê”: “para que se manifestem [em quem sofre] as obras de Deus” (João 9.3). E, ainda que nosso bebê não seja curado, sabemos que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8.28). Há propósito no sofrimento, e seu fim é sempre duplo: glorificar a Deus e nos abençoar. Como firmar-se nessa certeza? Não pela força de vontade: tal compreensão não é humana, mas sim um fruto exclusivo de Sua graça.

Que nesse final de ano, leitor, esse seja meu desejo de Natal a você: que contra todas as expectativas negativas, todas as estatísticas e todos os maus prognósticos, você possa colocar sua confiança inteiramente em Deus, dando toda a glória “Àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós” (Efésios 3.20). Amém!

09 dezembro 2010

Você tem que entrar para sair

Se alguém me pedisse para elaborar uma lista com as dez melhores músicas pop rock de todos os tempos, The Carpet Crawlers (do Genesis) seria uma delas. Lembro que a ouvia quando adolescente, bem antes de me converter. Era a versão com Phil Collins nos vocais (hoje acho a do Peter Gabriel mais bonita). Da letra eu entendia pouca coisa, mas cantava o refrão, que enuncia repetidamente: “We’ve got to get in to get out” (Temos que entrar para sair).

Nos meus 16 anos, esse bordão combinava-se muito bem com outro, “toda experiência é válida”, na boca de amigos que acabaram me instigando a fazer coisas de que me arrependi bastante depois. A música ficou como um emblema dessa fase; no entanto, apesar dessas lembranças, nunca consegui deixar de enxergar beleza nela.

E foi bom, porque hoje, com a letra diante dos olhos, percebo que “temos que entrar para sair” não é um convite do compositor para uma desejada abertura a todo tipo de experiência, como eu pensava na minha meninice. Longe disso: é a reprodução hipnótica de uma multidão rastejante que aceita um chamado para a idolatria.

A atmosfera é sufocante e bizarra. Pessoas se arrastam por um corredor vermelho-ocre em direção a uma pesada porta de madeira, atraídas por um ímã. No entanto, “acreditam ser livres”, comenta o observador. Voltados insistentemente para cima, os rostos são ávidos como plantas em busca do sol. Segue-se uma imagem de inversão: super-homens são despojados de seu vigor (“presos em criptonita”) enquanto mulheres virgens acham graça naquilo tudo. Pela porta aberta o observador nos conta o que vê: um banquete à luz de velas e uma escada que espirala para cima, até se perder de vista. A aparição da escada é outra imagem de inversão, remetendo a um vislumbre de falsa transcendência, de falso céu, já que é o homem que sobe a Deus. Para chegar até ali e arriscar-se na escada, é preciso contemplar a inversão, participar do banquete, beber daquele líquido que congela nos cântaros (será que congela a alma?). O bando repete sempre o refrão, como em uma hipnose coletiva, arrastando-se para aquele lugar, e seu ídolo adorado é tão invisível e fugaz como parecem ser os ídolos de nossa época.

O deus pode ser não-identificável, mas a ideia por trás dele é bem antiga. Em seu livro sobre o Apocalipse, Mais que vencedores, William Hendriksen explica que, nos tempos das cartas às igrejas, o cristão era chamado a participar de banquetes tão sinistros quanto o narrado por Peter Gabriel. Na verdade, era praticamente obrigado a participar caso não quisesse ser expulso do comércio e da vida social, pois em Tiatira (Ap 2. 18-29) os negócios “ se associavam com o culto de deidades patronais; cada negócio tinha seu deus guardião” (p. 103). Essas festas continham as famosas “comidas sacrificadas a ídolos” de que trata Paulo em suas epístolas e, pior, sempre terminavam em orgias. O crente de Tiatira que fugisse delas cometia um harakiri social, mas guardava sua santidade. É nesse contexto que surge Jezabel, a “profetisa” que arrumou uma justificativa afiada para que os cristãos não se preocupassem mais com isso. Conta Hendriksen (p. 103):

Ela aparentemente argumentava assim: para vencer Satanás, você precisa conhecê-lo. Você jamais será capaz de vencer o pecado, a menos que se torne experimentalmente familiarizado com ele. Resumindo, um cristão deveria aprender “as coisas profundas de Satanás”. Atendendo, de qualquer forma, às festas das associações e cometendo fornicação... e ainda permanecendo um cristão; tornando-se, até, um melhor cristão!

Em suma, a palavra-de-ordem de Jezabel aos cristãos era: Você tem que entrar para sair!

Adolescente, criada em um lar não-cristão, não tive quase nada que funcionasse como um freio para as situações terríveis que me puxaram como ímã, prometendo libertação e um arremedo de transcendência do outro lado. Mas dentro da igreja esse lema jezabelino pode ainda seduzir a muitos, que tentarão convencer a si mesmos de que não há problema em deixar-se vencer “estratégica e temporariamente” pelo pecado. Não devemos nos deixar enganar, porém: é impossível entrar para sair sem comprometer a alma, às vezes de modo irremediável.

29 novembro 2010

Sobre o recente protesto contra a UP Mackenzie

Em protesto ao pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), publicado desde 2007 no site da Universidade Presbiteriana Mackenzie contra o PL 122/2006 (conhecido como “lei anti-homofobia”), um grupo de ativistas organizou uma manifestação no dia 24 de novembro de 2010, por volta das 18h, em frente à universidade. Com previsão de mais de três mil participantes, o evento contou somente com cerca de 400, que se postaram diante dos portões da instituição, na Rua Itambé. Em seguida, o grupo deslocou-se do Mackenzie para a Avenida Paulista com um número já bastante reduzido, conforme anunciado por diversos veículos de comunicação como a Globo News, a Folha de São Paulo, a CET, o site da UOL e dezenas de outros sites informativos. Na universidade, as aulas transcorreram normalmente.

A oposição da IPB ao projeto de lei se baseia não só no senso comum e em análises jurídicas especializadas (que consideraram o projeto “inconstitucional”), mas sobretudo nos princípios cristãos que norteiam tanto a denominação quanto o Mackenzie. Não há novidade nisso: quando se matriculam na instituição, os alunos assinam o contrato de serviços educacionais, em que há uma cláusula explicando esse caráter confessional. Isso não significa perseguição a quem não subscreve essas bases cristãs, muito pelo contrário: não há registro na história da universidade de casos de discriminação de qualquer tipo, seja contra alunos homossexuais, seja contra alunos que professam outras religiões, ou nenhuma. Todos têm acesso aos mesmos benefícios, como bolsas de estudo.

No entanto, desde o momento em que a publicação do texto da IPB no site do Mackenzie foi “descoberta” pelos ativistas neste ano, a igreja, a universidade e a pessoa de seu Chanceler têm sido duramente atacados e acusados de “homofobia”. Filmados em vídeo, os manifestantes pediam a demissão do Chanceler, cuja foto foi estampada em diversos sites homossexuais acompanhada de palavras de ódio. A virulência que caracterizou essas expressões de indignação, mesmo antes da aprovação do projeto, confirma o quanto é perigoso que a sociedade se veja refém de uma minoria militante, que procura impor seus pontos de vista por meio de pressão e difamação, não admitindo que pessoas, igrejas e organizações cristãs simplesmente afirmem ser a conduta homossexual um pecado.

Para detalhar melhor sua postura bíblica — que se fundamenta no amor, não no separatismo, e prega o respeito a todos —, cristãos que partilham da mesma visão sobre o homossexualismo se uniram para elaborar o manifesto “Universidade Mackenzie: Em Defesa da Liberdade de Expressão Religiosa”. O texto foi reproduzido em cerca de oito mil sites cristãos e conservadores, recebendo mais de 36mil citações na internet. Traduzido para idiomas como alemão, espanhol, francês, holandês e inglês, foi postado em sites de diversos países estrangeiros, como Estados Unidos, França, Alemanha e Portugal. Centenas de manifestações de solidariedade à postura do Mackenzie foram veiculadas em diversos meios, inclusive no conhecido blog de Reinaldo Azevedo (articulista da revista Veja), um dos comentaristas políticos mais lidos e respeitados do país. Respondendo às acusações de “homofobia” com argumentos sólidos e bíblicos, os cristãos creem que sua postura contribuiu para que a manifestação de repúdio ao documento da IPB tenha recebido tão pouca adesão do público.

Nós, cristãos, estamos alegres e gratos por todo o apoio recebido e pelas orações do povo de Deus em favor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de seu Chanceler, o Rev. Augustus Nicodemus Gomes Lopes. Instamos o povo de Deus a que se una também em súplicas e intercessões para que o Deus todo-poderoso derrame seu Espírito Santo sobre a igreja evangélica neste país. Necessitamos com urgência de um avivamento, de forma que o Cristo crucificado seja exaltado, os crentes sejam santificados, a Escritura Sagrada seja pregada com liberdade, pecadores se convertam e nosso país seja transformado, para a glória do Deus trino da graça.

Este pronunciamento é uma criação coletiva com vistas a representar o pensamento cristão brasileiro. 
Para ampla divulgação.

19 novembro 2010

UNIVERSIDADE MACKENZIE: EM DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA

A Universidade Presbiteriana Mackenzie vem recebendo ataques e críticas por um texto alegadamente “homofóbico” veiculado em seu site desde 2007. Nós, de várias denominações cristãs, vimos prestar solidariedade à instituição. Nós nos levantamos contra o uso indiscriminado do termo “homofobia”, que pretende aplicar-se tanto a assassinos, agressores e discriminadores de homossexuais quanto a líderes religiosos cristãos que, à luz da Escritura Sagrada, consideram a homossexualidade um pecado. Ora, nossa liberdade de consciência e de expressão não nos pode ser negada, nem confundida com violência. Consideramos que mencionar pecados para chamar os homens a um arrependimento voluntário é parte integrante do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Nenhum discurso de ódio pode se calcar na pregação do amor e da graça de Deus.

Como cristãos, temos o mandato bíblico de oferecer o Evangelho da salvação a todas as pessoas. Jesus Cristo morreu para salvar e reconciliar o ser humano com Deus. Cremos, de acordo com as Escrituras, que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Somos pecadores, todos nós. Não existe uma divisão entre “pecadores” e “não-pecadores”. A Bíblia apresenta longas listas de pecado e informa que sem o perdão de Deus o homem está perdido e condenado. Sabemos que são pecado: “prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, rivalidades, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias” (Gálatas 5.19). Em sua interpretação tradicional e histórica, as Escrituras judaico-cristãs tratam da conduta homossexual como um pecado, como demonstram os textos de Levítico 18.22, 1Coríntios 6.9-10, Romanos 1.18-32, entre outros. Se queremos o arrependimento e a conversão do perdido, precisamos nomear também esse pecado. Não desejamos mudança de comportamento por força de lei, mas sim, a conversão do coração. E a conversão do coração não passa por pressão externa, mas pela ação graciosa e persuasiva do Espírito Santo de Deus, que, como ensinou o Senhor Jesus Cristo, convence “do pecado, da justiça e do juízo” (João 16.8).

Queremos assim nos certificar de que a eventual aprovação de leis chamadas anti-homofobia não nos impedirá de estender esse convite livremente a todos, um convite que também pode ser recusado. Não somos a favor de nenhum tipo de lei que proíba a conduta homossexual; da mesma forma, somos contrários a qualquer lei que atente contra um princípio caro à sociedade brasileira: a liberdade de consciência. A Constituição Federal (artigo 5º) assegura que “todos são iguais perante a lei”, “estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença” e “estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Também nos opomos a qualquer força exterior – intimidação, ameaças, agressões verbais e físicas – que vise à mudança de mentalidades. Não aceitamos que a criminalização da opinião seja um instrumento válido para transformações sociais, pois, além de inconstitucional, fomenta uma indesejável onda de autoritarismo, ferindo as bases da democracia. Assim como não buscamos reprimir a conduta homossexual por esses meios coercivos, não queremos que os mesmos meios sejam utilizados para que deixemos de pregar o que cremos. Queremos manter nossa liberdade de anunciar o arrependimento e o perdão de Deus publicamente. Queremos sustentar nosso direito de abrir instituições de ensino confessionais, que reflitam a cosmovisão cristã. Queremos garantir que a comunidade religiosa possa exprimir-se sobre todos os assuntos importantes para a sociedade.

Manifestamos, portanto, nosso total apoio ao pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil publicado no ano de 2007 e reproduzido parcialmente, também em 2007, no site da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por seu chanceler, Reverendo Dr. Augustus Nicodemus Gomes Lopes. Se ativistas homossexuais pretendem criminalizar a postura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, devem se preparar para confrontar igualmente a Igreja Presbiteriana do Brasil, as igrejas evangélicas de todo o país, a Igreja Católica Apostólica Romana, a Congregação Judaica do Brasil e, em última instância, censurar as próprias Escrituras judaico-cristãs. Indivíduos, grupos religiosos e instituições têm o direito garantido por lei de expressar sua confessionalidade e sua consciência sujeitas à Palavra de Deus. Postamo-nos firmemente para que essa liberdade não nos seja tirada.

Este manifesto é uma criação coletiva com vistas a representar o pensamento cristão brasileiro.
Para ampla divulgação.

13 novembro 2010

História de minha conversão (I)

Em uma série de posts, pretendo contar a história de minha conversão.

Eu fazia Faculdade de Letras (Francês) e costumava, junto com outros alunos, pegar carona para casa na saída do estacionamento. Era a época em que o transporte público ali era escasso e lotado. Entre um carro e outro, um amigo me apresentou a um colega que cursava Russo, A.R., a quem logo enderecei a pergunta de costume:

Qual o seu signo?

Ele me olhou um tanto espantado e, para minha surpresa, respondeu:

— Eu não tenho signo.

Fiquei furiosa. Naqueles tempos dogmáticos, quem não partilhava de minhas convicções — reencarnação, astrologia, sortes — era irremediavelmente burro ou tapado. Como, não tinha signo? Todo mundo tem signo!

Eu não tenho — insistiu ele, e aquilo anuviou a conversa. Mais tarde, vim a saber que ele era “crente” e a antipatia se cristalizou mais ainda.

Durante meses, eu até o cumprimentava pelos corredores da Letras, mas de muita má-vontade, diga-se. Ele sempre acenava para mim polidamente.

Três anos se passaram. Um amigo me evangelizou (essa será a História de minha conversão II) e recebi a Palavra com alegria.

No mesmo estacionamento, voltei a encontrar A.R. e fui direto ter com ele.

— A.R., você pode me ajudar? Eu comecei a ir à igreja e estou com algumas dúvidas em relação à Bíblia.

Ele abriu um imenso sorriso. Depois, contaria que andara orando por minha conversão desde nosso primeiro (e inamistoso) contato, todos os dias. Lembrando-me hoje de sua lealdade, penso que naquele momento seu coração deve ter ido até o céu, fazer festa com os anjos.

08 novembro 2010

Ainda sobre Ortodoxia (II)

“Toda verdade proclamada referente a Cristo é completamente paradoxal pelo prisma do juízo humano.” João Calvino

Começo a pensar que um dos maiores problemas dos pensadores católicos worthwhile é nunca terem lido Calvino, ou nunca o terem lido devidamente. No Capítulo 5 de Ortodoxia, com seu jeito predominantemente intuitivo de abordagem teórica, Chesterton escreve:
(...) precisamos não de um amálgama ou de um compromisso [ou seja, acordo em que as duas partes recuam e se ajustam], mas de ambas as coisas no apogeu de sua energia – amor e raiva, ambos ardentes. (...) O paganismo declarou que a virtude estava em um equilíbrio [ou seja, na moderação] e o Cristianismo veio declarar que ela estava em um conflito: a colisão de duas paixões aparentemente opostas. De fato, elas não eram, realmente, inconsistentes, mas eram tais que se tornava difícil manterem-se simultaneamente.

Ele começa a explicar essa aparente oposição em trechos anteriores, citando o paradoxo na pessoa de Cristo, verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, sem que o lado Deus precise se ajustar ou ser diminuído para abrigar em si o lado homem (como alguns ainda tímidos proponentes de noções heterodoxas querem nos fazer acreditar). Apenas porque não se trata de lados, justamente, mas de duas ideias “exageradas”, inteiras, plenas, em comunhão. E os exemplos se multiplicam também na realidade humana, como na humildade e no valor próprio: “Considerado como Homem, sou a maior criatura; considerado como um homem, sou o maior dos pecadores.” Ele tem razão: temos nossa dignidade única face a Deus, pois somos “coroa da criação”, e, ao mesmo tempo, por causa do pecado, estamos diante Dele com a boca no pó. Assim como a natureza de Cristo não inclui uma oposição entre o ser de Deus e o ser humano, saber-me a maior das criaturas e ao mesmo tempo a maior das pecadoras não é um dualismo irreconciliável ou coisa de doido, mas sim a expressão de duas verdades que apenas parecem se contradizer, mas que convivem pacificamente no todo da teologia. O mesmo pode ser dito e tem sido dito repetidamente sobre um dos binômios mais importantes da doutrina cristã, a falsa oposição entre soberania de Deus e responsabilidade humana.

Essa relação dual é chamada, no campo teológico, antinomia ou paradoxo lógico. São verdades distintas, porém não opostas: andam de mãos dadas e não podem ser isoladas uma da outra. O autor calvinista J. I. Packer escreve que existe antinomia quando “dois princípios se mantêm lado a lado, aparentemente irreconciliáveis, mas ambos inegáveis” (Evangelism and the Sovereignty of God, tradução minha). E inúmeras personalidades também calvinistas, conhecidas e respeitadas no nosso meio, como Spurgeon, Packer, Piper, Beeke e muitos outros, demonstram a mesma compreensão acerca da soberania divina e os atos humanos (você pode ler citações sobre o assunto, traduzidas por mim, aqui). De fato, é em Calvino que encontramos várias expressões do funcionamento dessa dinâmica, que talvez possa ser considerada parte de um princípio essencial que permeia toda a sua teologia: o distinctio sed non separatio. Em A vida de João Calvino, Alister McGrath afirma com muita propriedade:

Repetidamente Calvino apela para a fórmula baseada na cristologia, distinctio sed non separatio, significando que as duas ideias podem ser distinguidas, mas não separadas. Assim, o ‘conhecimento de Deus’ e o ‘conhecimento de nós mesmos’ podem ser diferenciados, mas não podem ser alcançados de forma isolada, um em relação ao outro. Da mesma maneira que a encarnação representa uma manifestação paradigmática dessa complexio oppositorum, o mesmo padrão é assim repetido e deve ser percebido através das várias manifestações do relacionamento entre Deus e a humanidade.
E me ocorre que é por falta de uma compreensão mais profunda do princípio Distinctio sed non separatio falta de uma leitura acurada de Calvino, novamente — que muitos não conseguem admitir como podemos ser livres, ao mesmo tempo em que estamos debaixo da mão firme e compassiva Daquele que conhece todos os dias de nossas vidas. Mesmo intuindo o distinctio ou a antinomia, Chesterton não conseguiu desembaraçar Calvino da pecha de “determinista”. Certo, um bom número de protestantes também não consegue. Porém, no caso do pensador inglês, há um (monstruoso) obstáculo adicional: como bom católico, confiado na instituição, preferiu enxergar (e louvar) processos de um custoso equilíbrio antinômico na Igreja, não na Palavra. Além disso, sua visão do distinctio é corrompida: em Calvinismo, Kuyper já demonstrara que há um separatio realizado pela própria Igreja Católica, que se arvora em mediadora entre o homem e Deus. Esse deslocamento do divino para o terreno (pois a instituição atribui a si mesma qualidades que pertencem a Cristo) lhe custou o ponto primordial do princípio, a dinâmica correta do par e obras — que, por sustentar que as boas obras decorrem da fé (dada por Deus) e não o oposto, glorifica maximamente a Deus, como deve ser, sem isolar da dinâmica a participação (não o mérito) do homem. Paulo e Tiago não se opõem, complementam-se. Sem a primazia reservada à glória de Deus — que foi como Calvino trabalhou em sua teologia, sendo por isso tão mal compreendido —, o princípio distinctio sed non separatio é esvaziado de seu sentido maior. Afinal, ele se origina em Deus, que era antes que nós fôssemos e nos criou distintos Dele, para glorificá-lo e amá-lo acima de todas as coisas, vivendo junto a Ele por toda a eternidade.
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Leia também:
Sobre Chesterton: Primeiras notas sobre Ortodoxia
Sobre a antinomia: “Eu não sei”, de Augustus Nicodemus (e não deixe de ler também o excelente comentário de Herminsten Maia na mesma postagem)
Sobre os oponentes cristãos da ideia da antinomia: “O direito ao mistério”, da minha cara-metade André Venâncio, Parte 1, Parte 2 e Parte 3

03 novembro 2010

Temos motivos para comemorar

Em post recente, observei que deveríamos ficar alegres, fosse qual fosse o resultado das eleições. Vejo que de fato continuo alegre, pela graça de Deus (em outros tempos, eu teria posto energia demais nesse evento e não estaria bem; louvo a Ele por isto!). Mas, além da certeza de que Deus está no comando de tudo, temos motivos para comemorar: creio que essa esquerda mítica, divinizada, está perdendo força na mente dos brasileiros. E isto é algo recente. Como? Vejamos.

Já escrevi aqui várias vezes sobre um dos assuntos de destaque na agenda conservadora, em contraposição às forças do globalismo estatal (conservadores costumam sempre atuar em reação): o aborto. Defender a vida contra a ideia comum do “feto não é gente” sempre me pareceu algo difícil, espinhoso. Em conversas, o defensor da vida arriscava-se a perder o amigo. E eis que, nessas eleições, o assunto ganha uma atenção inédita no panorama político. O que ficou claro para todos é: Dilma podia perder a disputa por causa da postura obsessiva do PT pela descriminalização do aborto. E, de fato, diante disso o partido se viu apavorado o bastante para divulgar mentiras sobre a opinião da então candidata sobre o tema. Mesmo assim, mais de 40% dos eleitores deram seu não nas urnas – se contra o aborto ou não, jamais saberemos. Mas os números foram eloquentes: quase metade dos votantes não queria Dilma. Podemos afirmar que a Vida foi a grande vencedora dessas eleições: se o tema pesou, é porque o aborto prêt-à-porter no Brasil já não se afigura uma unanimidade. O abortista já não é um libertário, um porta-voz dos direitos da mulher; é questionado à luz do dia. Trata-se de uma extraordinária mudança de cosmovisão, e seus propagadores, não mais envergonhados, estão visíveis em jornais de grande circulação, como, na Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé. Foi serrado o mastro de uma das maiores bandeiras do partido no governo, às mostras há pelo menos vinte anos.

Outro dado importante é o que nos informa Reinaldo Azevedo:

Até a sua biografia já começa a ser reescrita com zelo. Ontem, no Jornal Nacional, um companheiro de militância de Dilma assegurou que ela nunca pegou em armas, embora tenha feito parte de dois dos grupos terroristas mais violentos que praticaram atentados  durante o regime militar.

Qual a outra bandeira decepada? O ideal da guerrilha, tão decantado nas salas de aula da universidade! Novamente com medo da perda de apoio popular, o partido recorre a mentiras para reconstruir a história da presidente. Ora, se chegou a esse ponto, novamente, é porque a militância das guerrilhas na época da ditadura já não é mais uma unanimidade. Seus “heróis”, hoje revisitados por historiadores não-comprometidos com o ideário da esquerda, perderam o brilho. Certo, foram torturados, sofreram o diabo. Mas estavam longe de serem os santos cantados em prosa e verso por professores, pesquisadores, propagandistas do socialismo. Eram violentos e chamaram violência para si. E queriam de fato instalar uma ditadura no país, uma ditadura de esquerda. Hoje há mais informação sobre esse lado da história, embora seja geralmente veiculada fora dos bancos escolares. E por que digo que tudo mudou há pouco tempo? Porque há cinco anos – somente cinco anos! –, a revista Época publicou uma entrevista com Dilma Rousseff totalmente laudatória, em que o jornalista responsável chega a parecer extático de tanta admiração pela personagem, oferecendo ao leitor generosas fatias de seu passado como terrorista:

Ajudou na infra-estrutura de três assaltos a bancos, assinou artigos no jornal Piquete e chegou à direção do Colina. Nessa condição, planejou o que seria o mais rentável golpe da luta armada em todo o mundo: o roubo do cofre de Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo.

E o texto termina com uma fala da própria Dilma:

Só pra saber que nunca fui uma menina cândida: eu sei montar e desmontar, de olhos fechados, um fuzil automático leve. Tinha que ser rápido, muito rápido. E, se você quer saber, eu sei atirar.

Sabe atirar e nunca pegou em armas? Não pode, né?

Exulto porque percebo que, agora sim, uma verdadeira oposição parece prestes a se firmar no Brasil contra os ditames socialistas. Se tudo dará certo e se conseguiremos nos manter longe do destino de Cuba e Venezuela, só o tempo dirá. Mas me alegro por oferecer minha contribuição para a desmitologização do socialismo e a afirmação de valores cristãos neste país.

Dito isto, e já um tanto cansada do assunto, repito o que declarei antes, e que serve também como um aviso para mim mesma:

O problema do cristão que se concentra em demasia nos assuntos políticos é ocupar demais a mente com os pecados alheios. Isso corrói o coração. Agora que a Dilma entrou, eu quero mais é me ocupar com assuntos que prefiro – teologia e filosofia – , mas sem esquecer, claro, na medida do possível, de ajudar os cristãos a se livrarem da idolatria socialista.

As fontes sobre Dilma foram compiladas por Tiago Abdalla T. Neto

26 outubro 2010

Bravos, Ferreira Gullar!

"Não estou dizendo que o Serra é perfeito. O Serra tem mais que mostrar do que ela [Dilma]. Eu tenho mais confiança nele porque ele tem trabalho feito, e ela nenhum! A Maria da Conceição e o Chico Buarque só votam nessa coisa porque têm nostalgia da esquerda! Têm de abrir a cabeça para um mundo novo! O comunismo já era, acabou! Sem contar que foi uma besteira. O que é que é Cuba? Eu defendi Cuba, fiz poemas sobre Cuba. É um fracasso completo! Como podem defender uma sociedade em que as pessoas não têm o direito de sair de lá? Em troca de quê? Terá por acaso riqueza lá? Não. É miséria, subdesenvolvimento económico e falta de liberdade. Eu não vou defender isso, meu Deus. Quero ter o direito, se acho que o país é uma m****, de sair daqui na hora que eu quiser. Compro uma passagem e vou para Lisboa! Agora! Não tenho de pedir licença a ninguém! E o Chico e a Maria da Conceição defendem isso! Que moral têm essas pessoas para defender alguma coisa justa? Aí fica o Serra de direita? É de direita porque não concorda com isso. Ser de esquerda é o quê? Achar que as pessoas não têm o direito de sair do seu país quando quiserem? É isso que é ser de esquerda? Isso é uma besteirada. Tem de acabar com essa conversa."

Adorei. :-) A entrevista completa está aqui.

16 outubro 2010

“Conservadorismo, não!”

Fabio Blanco, do blog Discursos de Cadeira, chama a atenção dos leitores para um “Manifesto Evangélico” que circula na internet sob a forma de abaixo-assinado. Logo de primeira, o leitor atento pode verificar que o texto não especifica o alvo de sua revolta, mas é salpicado de expressões vagas como “alguns líderes evangélicos”, “exercício equivocado da fé”, “boatos e inverdades” etc. Isso pode funcionar com algumas pessoas, mas de forma geral deixa a péssima impressão de escamoteação linguística. (Não dá para ser muito explicadinho em um manifesto, mas também não vamos exagerar.) Além de não detalhar suas posições, o Manifesto confia no uso ideológico (mágico) da linguagem — costume disseminado pela academia pelo menos desde os anos 1960 — para reclamar de uma “onda de conservadorismo” que “se abateu sobre o país” e estaria “desviando o foco das propostas dos candidatos”. Como diria o Didi: Cuma? Desvia como, cara-pálida, se é o próprio conteúdo dos projetos que está sendo questionado? Na verdade, trata-se de pura tergiversação: o que o Manifesto quer é, em nome da conquista protestante do “Estado laico” (por acaso há algum conservador pregando a volta de um governo religioso para o Brasil?), mostrar descontentamento com a tal “onda” e, claro, elogiar o governo (no finalzinho) pelo “avanço das conquistas sociais”. Mais que anticonservador, percebe-se que o documento é antioposicionista, logo, situacionista. Porém, seu (pretenso) trunfo é usar o termo “conservador” para construir seu Judas e, surrando-o, dar razão a si mesmo.

Vamos lá. Há muito tempo, o termo “conservador” é utilizado ideologicamente, como xingamento, sinônimo de “retrógrado, cafona, fora de moda”. O bom é ser “progressista”. Em primeiro lugar, é espantoso um manifesto que se diz “evangélico” identificar-se com o progressismo. Afinal, todo evangélico tem (ou deveria ter) como base de sua fé um Livro que ficou pronto há dois mil anos — um livro que prega posturas antiquadas como submissão às autoridades (Rm 13.1) e submissão da mulher ao marido (Ef 5.24), que considera o sexo fora do casamento e o homossexualismo como pecado (Pv 6.32, Rm 1.27) e vê o feto dentro do ventre como um ser que Deus conhece desde o início da concepção (Sl 139.15-16, Sl 22.10). Isso tudo contraria fortemente a cultura atual dos bem-pensantes (e, por isso, nada mais contracultura que ser, hoje, um verdadeiro evangélico). A bandeira da revolução dos costumes fica mal no religioso cristão, a não ser que estejamos falando de uma revolução no sentido bíblico — e claramente não é o caso. Em geral, quem é progressista defende tanto o fim do governo tal como o conhecemos nas sociedades democráticas (mas não se engane: o questionamento das autoridades só serve como porta de entrada para um temível autoritarismo) quanto o feminismo, o aborto e o casamento gay, tão energicamente como se fossem pontos de fé (quem já esteve em uma reunião do PT sabe do que estou falando). Ainda que não se declare abertamente, o progressista sempre dará um jeitinho de relativizar essas questões — seja por medo de perder popularidade nos meios religiosos, seja porque de fato não atribui valor social algum à moralidade cristã, como quem diz: “Nada mais importa, só o bolsa-família” (que aliás, o próprio Lula admitiu que foi ideia do PSDB!).

Mas vamos usar as palavras como devem ser usadas: se progressismo é mudança, pura e simplesmente, enquanto conservadorismo é manutenção do que existe (claro que estou falando de modo esquemático), é preciso haver equilíbrio. Nada pode mudar totalmente, nada pode permanecer o mesmo para sempre. É preciso que o debate público seja contrabalançado por propostas progressistas e conservadoras. É necessário que haja lugar para todo mundo; se não, é caos ou estagnação. Se o socialismo costuma ocupar o primeiro posto, o segundo também deve ser ocupado por instâncias não-socialistas. Mas o tal Manifesto se trai, demonstrando indignação com a simples existência de uma “onda conservadora”. E ainda se opõe à “demonização” de candidatos e partidos. Ora, se o uso que é feito do termo “conservador” não é demonização, o que mais poderia ser? E se essa demonização, aliada à falta de precisão do texto, não é manipulação, o que seria?

O que a tal “onda de conservadorismo” está fazendo de tão grave, a meu ver? Enxergando fantasmas? Claro que não: os mais argutos denunciam, analisam e insurgem-se contra projetos bastante concretos do PT para o Brasil. (Embora também seja de esquerda, o PSDB ainda não deu tantas mostras da mesma verve, do mesmo frisson totalitário.) Em vez de lançar mão de objeções difusas, essa “onda conservadora” está fazendo oposição ativa e inteligente à candidatura de Dilma Rousseff e ao que ela representa em termos claros e precisos: cristãos ou não, esse mar de gente (onda é mar, não é?) não quer o aborto legalizado, não quer a imprensa amordaçada, não quer a sexualização precoce das crianças, não quer que o Estado se aproprie da educação infantil, não quer a Gaystapo, não quer as igrejas com medo de pregar a Palavra, não quer as instituições públicas aparelhadas por um partido autoritário, não quer corrupção em larga escala. Tudo isso já foi mais que evidenciado por meio de iniciativas, projetos e escândalos, e fico feliz porque não nos mantivemos calados a cada novidade macabra do partido.

Assim, esse “Manifesto Evangélico” (que de evangélico não me parece ter nada), em uma linguagem que afirma sem afirmar e explica sem explicar, continua a caminhar nas passadas do velho esquerdismo ao lançar mão das estratégias demonizadoras de praxe (insultando os conservadores de “moralistas”, por exemplo) e de chavões wishful thinking como “erradicação da pobreza”, “equidade” e “justiça social”, como se isso bastasse para o Brasil que se levanta, hoje, nessa época de eleições. Bom, não basta! A pobreza é um problema real, mas o socialismo não é solução. Chega dessa esquerda vazia, de dedo sempre apontado, com suas bandeiras rotas de “igualdade social”. O que significam essas bandeiras diante de uma falida ex-URSS, de uma China cheia de desigualdade, de uma Cuba-prisão, de uma Alemanha oriental cuja igreja foi devastada e que teve de se levantar com muita ajuda de sua contraparte ocidental? Vamos abrir o debate. Vamos falar do que realmente funciona para governar nosso país, para promover o bem-estar e o crescimento dos brasileiros. Vamos encostar cada uma dessas propostas na parede. É o que estamos fazendo. Mas, claro, os velhos esquerdistas não querem nada disso. E reclamarão a cada vez em que forem questionados, recorrendo a estratégias desesperadas de contra-ataque, ainda que sob uma linguagem mansa. Meu amigo Fernando Pasquini, do blog Em busca de um nome, fez um esquema que resume muito bem o teor difamatório desse Manifesto: “Conservadorismo = Mentiroso + Malicioso + Ignorante + Desvia o Foco + Não Pode Aparecer + ‘Demonizador’ + Intolerante + Estado Teocrático”.

Na verdade, é com grande alegria que vejo essa “onda de conservadorismo” tomando o país. Vejo as pessoas comentando que Dilma pode não ganhar porque a população brasileira é contra o aborto — luta ferrenha do petismo há pelo menos vinte anos. Como fico feliz! Porque isso significa que não nos rebaixamos moralmente (e isso é ser moralista?) ao ponto de permitir que um crime receba o carimbo estatal de lei. Isso é maravilhoso e deveria ser consenso entre os cristãos. Se não é, há algo muito errado. Como um cristão pode compactuar com o que o PT representa? Esse tal “Manifesto” não me parece ser a voz dos verdadeiros evangélicos. Nossa voz é de coragem, não pusilanimidade diante do pecado. É de discernimento e exortação, não de adesão apaixonada a desmandos governistas, a projetos que institucionalizam o crime e instauram a supressão da liberdade. Nossa fala precisa ser clara e bíblica, não vaga e discriminatória. Não queremos dividir a igreja, mas também não podemos deixar de chamar o pecado pelo nome. Mesmo que isso nos custe socialmente. E, se Dilma ganhar, certamente custará. Mas não nos acovardemos. Há conservadores, cristãos ou não, que se encolhem de medo e tristeza ao pensar nessa possibilidade. Não sejamos desses. Se o pior acontecer, Deus nos dará graça e força para ser oposição. Fiquemos alegres, seja qual for o resultado dessas eleições! Esse tem sido meu espírito nesses dias.

E, para quem quer saber qual é meu voto, basta ler as posições de Solano Portela no blog O Tempora, O Mores. São as minhas, sem tirar nem pôr.

10 outubro 2010

Persona

Em que momento o nome de uma pessoa não mais é seu nome, íntimo e exclusivo, mas sim o nome que apresenta qualidades para o mundo, nome exterior apenas, portador de imagens coletivas que colaram naquela pessoa como um terno?

Sai-se melhor nisso a pessoa pública que escolhe um pseudônimo?

Ou seria melhor jamais ser famoso? Recusar-se a ter amigos superficiais? Recusar a mídia? Viver recluso?

Como não permitir que esse eu coletivo, espécie de caricatura elogiosa, tome o lugar do eu inesgotável? Do eu que, acima de tudo, é filho de Deus?

A fama moderna é uma das mais difundidas idolatrias. Não é à toa que muitas celebridades se desumanizam, e dizem delas que chegam a ser cruéis em sua egolatria.

Invejar o famoso – o próprio cerne da publicidade – é cavar um buraco em si. Qualquer coisa pode preenchê-lo. Mas adorar a Deus é deixar que o Espírito tome conta. No primeiro caso, sou o que dizem que sou, pobre feitura de homens. No segundo, sou o que Deus idealizou, o produto de Seus inescrutáveis pensamentos. Só Nele há plenitude.

23 setembro 2010

De interessante por aí

Alguém já disse que três mudanças equivalem a um incêndio. Se é verdade, três mudanças para outro estado são um incêndio de fato devastador. Ainda não cheguei a tanto: estou em minha segunda mudança para Salvador, cidade linda e acolhedora, onde o sol queima bem mais que em São Paulo. Entre as mil e uma tarefas que constituem o processo todo (como achar casa e levar três gatos para lá de avião - vocês não imaginam o trabalhão que deu!), tive pouco tempo para traduzir e nenhum tempo para postar. Mas, quando posso, dou uma olhadinha pelo Orkut, pelo Facebook e pelos blogs amigos, só para me inteirar do que anda acontecendo. E, sem dúvida, o mais interessante do que tenho visto por aí é o abaixo-assinado contra o autoritarismo do Partidão que está no poder. O Manifesto em Defesa da Democracia, como é chamado, já conta com mais de seis mil assinaturas até agora. Se você também teme que o Brasil se transforme em uma Cuba ou uma Venezuela, assine aqui.

12 agosto 2010

Sentidos do casamento (I)

Eu me converti aos 24 anos, já tendo vivido vários insucessos amorosos. Nascido em família cristã, André nunca pôs o pé para fora da igreja e, apesar de diversas tentações, nunca havia namorado. Estávamos em situações bastante díspares, quase opostas, do ponto de vista mais superficial — e alguém poderia facilmente dizer que eu pequei muito mais que ele nesse campo. Mas, graças a Deus, não é assim que nos enxergamos, nem eu, nem ele. Porque a verdade é que o pecado não é o que fazemos, mas o que nos constitui, e André recebeu sabedoria do Senhor para achar-se “o pior dos pecadores”, mesmo com sua experiência praticamente zerada em relacionamentos. Nunca se sentiu superior a mim por isto, e eu louvo ao Pai por nunca ter me sentido inferior também (embora muitas vezes me considerasse indigna da importância e da responsabilidade implicadas em tamanho amor). Nosso Pai trabalhou pesado tanto em mim quanto nele para que nos encontrássemos já com a perspectiva correta de pecado e necessidade — igual — de santificação mútua.

Desde que estamos juntos, temos percebido com progressiva clareza que a relação entre homem e mulher, com seu ápice no casamento, é um meio privilegiado de dispensação da graça de Deus para a santificação. Não há intimidade maior que aquela partilhada por um casal, e esse contato íntimo e contínuo, quando vivido com intensidade e na presença de Deus, é a chave que, ao possibilitar o aprofundamento do amor, também se desdobra na descoberta das maiores torpezas ocultas. Se na Bíblia há uma correlação “misteriosa” (segundo Paulo) entre o homem e a mulher, de um lado, e Cristo e a igreja, de outro (sendo a igreja a “noiva de Cristo”), tenho para mim que preciso desenvolver a transparência absoluta com meu marido, assim como busco desenvolvê-la com Cristo. Assim, André sabe de todos os meus pecados, passados e presentes, ou pelo menos de todos aqueles que eu mesma tenho na consciência; sabe também de meus medos e tristezas mais profundos, que até então só tinha exposto (em toda a sua crueza) a Deus. É um processo edificante em todos os aspectos: partilho com ele os sentidos que Deus produziu em minha vida através das várias histórias de pecado, arrependimento, confissão e perdão; e, ao mesmo tempo em que conhece melhor minhas fraquezas — as vencidas e as que ainda restam por vencer —, André pode dividir comigo a alegria de louvar ao Senhor por tudo isso.

29 julho 2010

Miscelânea alheia e último post

- “Em algum lugar em meu diário — 1890? — escrevi: ‘Baseei tudo na bondade essencial da natureza humana.’ [Hoje, 35 anos depois, percebo] quão permanentes são os maus impulsos e instintos do homem e quão pouco se pode contar com a mudança de algum deles — por exemplo, o apelo da riqueza e do poder — por alguma mudança na máquina [social]. Nenhum acúmulo de conhecimento ou ciência será útil a não ser que consigamos conter o mau impulso” (Beatrice Webb’s Diaries, citado em Timothy Keller, Idolatria, a sair pela Thomas Nelson).

- “Tendo sido um adepto da teologia arminiana na maior parte de minha vida cristã, percebi que eu rejeitava o calvinismo quase que por completo por causa de suas implicações, de que eu não estava no controle da minha vida como queria pensar. Estava saturado de noções iluministas sobre o livre-arbítrio e o potencial humano. Mesmo depois de ter vindo para Cristo como meu salvador, ainda estava apegado a uma predileção mundana pela autonomia e pela independência. Com meus lábios confessava Cristo como meu Senhor, mas de fato ainda não tinha me submetido a Ele como meu Senhor. Felizmente, por sua graça, Ele acabou me trazendo para essa submissão” (Citizen Grim, da caixa de comentários do blog Pyromaniacs).

- “O século XXI não será um tempo fácil para o cristão. Não era mesmo para ser fácil. Mas não estamos abandonados. O tema central da Bíblia é Cristo crucificado, ressurreto e reinante. A Escritura está cheia de promessas para cada crise, e a história da igreja de Deus está cheia de exemplos poderosos daqueles que provaram que a graça de Deus é suficiente para nos fazer perseverar até o final e nos salvar” (John Piper, As raízes da perseverança, a sair pela Tempo de Colheita)

- Vai ter o I Encontro Hagnos em Atibaia. Ainda dá tempo de se inscrever!

- Hoje publico meu último post… como solteira. :-) Caso-me esse sábado com André Leonardo Venâncio e, além de completamente incapaz de escrever por causa dos preparativos, do trabalho acumulado e da expectativa, estou muito feliz.

11 julho 2010

Garfos a postos!

Recebi essa semana, por mail, uma história muito bonita. Vou contar para vocês.

Uma jovem, diagnosticada com uma doença terminal, conversou com seu pastor sobre seus desejos para o enterro: a música que seria cantada, os versículos bíblicos a serem lidos, as roupas que vestiria. No final, sem hesitar, revelou um desejo inusitado:

- Gostaria de ser enterrada com um garfo na mão direita.

Questionada pelo pastor, abriu um sorriso e começou a contar:

- Quando eu era pequena, em todas as refeições em família alguém sempre se levantava e exclamava: “Mantenham seus garfos a postos!” Isso acontecia quando já estávamos terminando o prato principal. Era a parte da refeição de que eu mais gostava, um sinal de que o melhor estava por vir: uma deliciosa sobremesa! Comíamos um maravilhoso bolo de chocolate, um suculento e enorme pedaço de torta de maçã. Então, quero que no meu velório as pessoas olhem para mim no caixão, vejam esse garfo e fiquem espantadas, ao ponto de perguntarem ao senhor: “Mas por que ela está com um garfo na mão?” E quero que o senhor responda: “Mantenha seu garfo a postos, o melhor está por vir.”

E assim foi feito… Naquele funeral, muitos souberam o que a morte significava para essa moça.

Também recebi, no mesmo dia, a notícia de que Christopher Hitchens está com câncer no esôfago. Hoje, é claro, o câncer não é mais uma sentença de morte. Muitos pacientes se recuperam com o tratamento correto, principalmente quando descobrem a doença mais cedo. Porém, li que o câncer no esôfago é o sexto tipo de câncer mais mortífero que existe. Certamente Hitchens não está conseguindo evitar que pensamentos de morte ocupem boa parte de seu tempo.

Essa é a tristeza que sinto quando penso em um ateu “militante” como Hitchens: não há, para ele, a esperança de que o melhor está por vir. Apenas um anúncio sem graça de que a brincadeira acabou mais cedo do que deveria. É nesses momentos que eu gostaria de poder falar como uma criança diria a outra: “Não acabou não, vem aqui comigo, a brincadeira continua muito melhor ali na frente!” O mesmo sentimento que tive quando me converti: vontade de gritar a todos que não, não acaba, fica melhor! Jesus torna tudo muito melhor aqui e ainda garante que será infinitamente melhor depois. Mas, que pena, nem sempre podemos falar a todos de coração para coração. Mas podemos orar: que Deus possa atingir esse ateu empedernido para que ele receba o presente da vida eterna. Amém!

O dia está agora surgindo: quão bela é sua aparência! Quão bem-vinda é a expectativa do sol que se aproxima! É esse pensamento que torna o amanhecer encantador: o presságio de uma luz mais brilhante; de outro modo, se não esperássemos que o dia continuasse além deste minuto, reclamaríamos das trevas em vez de nos alegrar nas belezas da manhã. Assim, a vida sob a graça é o amanhecer da imortalidade: bela além das palavras, se comparada à noite escura e sombria que anteriormente nos cobria; mas ao mesmo tempo é fraca, indistinta e insatisfatória se comparada à glória que será revelada.

(John Newton, trecho citado por John Piper em The roots of endurance [As raízes da perseverança], a sair pela editora Tempo de Colheita)

22 junho 2010

A ideologia é má leitora (II)

Esses dias, na internet, vi uma citação de texto bíblico assim:

“Observe a formiga, (...) reflita nos caminhos dela e seja sábio! Ela não tem chefe, nem supervisor, nem governante” (Provérbios 6.6-7).

Como eu podia responder ao autor da postagem, assim o fiz:

Olá, X, tudo bom?

Desculpe, não pude deixar de comentar: você citou o texto bíblico pela metade. O correto é:

6 Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio.
7 Não tendo ela chefe, nem oficial, nem comandante,
8 no estio, prepara o seu pão, na sega, ajunta o seu mantimento.

Isso muda totalmente o sentido da sua postagem. No trecho completo, a formiga é louvada por trabalhar duro mesmo sem a pressão de uma autoridade sobre ela. Há muita gente que só trabalha sob pressão (é o caso do preguiçoso). O que está em questão, aqui, é a iniciativa da formiga no labor, não a autoridade em si. Na sua citação incompleta, parece que a Bíblia endossa a ausência de autoridade sobre nós, o que não é verdade, pois contradiria várias passagens que falam da importância da obediência, às autoridades não só espirituais, mas seculares também. Não só Romanos 13 (cuja leitura do anarquista Jacques Ellul carece, a meu ver, de fundamento), mas da ideia geral de autoridade, presente em toda a Escritura. De acordo com a Bíblia, a autoridade não é negativizada - pois isso colocaria em cheque a autoridade do próprio Deus, em primeiro lugar, e, em segundo a autoridade dos pastores, do governo etc. - , mas sim colocada em seu devido lugar. Enquanto a autoridade de Deus é absoluta (sendo o próprio Deus infinitamente superior aos seres humanos, chamado pela Palavra de Criador, Pai, Rei etc.), a dos homens é relativa e funcional, não ontológica. Não nos cabe ensinar a ausência de autoridade como um ideal, mas sim questionar suas práticas, quando são absolutizadas (com a vontade do líder equiparando-se à vontade de Deus, como ocorre nos regimes totalitários) e quando há abusos (com a quebra do princípio da liberdade de consciência).

O autor da postagem discordou polidamente, afirmando que conhecia meu blog e que de fato se sentia mais afinado com o pensamento de Jacques Ellul. Antes mesmo de ler sua resposta, eu já sabia dessa afinidade e conhecia o livro (tendo traduzido Anarquia e cristianismo para a Editora Garimpo). Essa obra de Ellul é interessantíssima: em alguns momentos, sua defesa da liberdade se assemelha muito à luta dos conservadores, quando sugere ações efetivas para a oposição aos abusos de poder. Gostei muito desse aspecto. Apreciei também sua crítica ao socialismo e ao santo pop Gandhi, que teria recorrido à não-violência somente “para instalar na Índia o poder opressor do Estado”. No entanto, é na teologia que a coisa “pega”: sua leitura da Biblia, principalmente de Romanos 13, é bastante controversa. De modo reiterado em todo o livro, chega a negar o senhorio divino, enfatizando demais o que concorda em chamar de “humanidade de Deus”. Apresenta ao leitor uma explicação confusa para suas posições, demonstrando uma apreensão fragmentária e seletiva da Bíblia com o objetivo de negativizar por completo toda noção de autoridade, terrena ou espiritual. Não preciso citá-lo, a obra fala por si.

Quanto a mim, creio que a Bíblia nos mostra que Deus é ao mesmo tempo, e em igual medida, Pai (que ama seus filhos e se relaciona intimamente com eles) e Criador (que pode dispor de suas criaturas como bem lhe aprouver, pois tudo lhe pertence). Como filhos, amamos o Pai, mas como criaturas tememos, pois conhecemos seu poder. Isso pode parecer um tanto esquizofrênico à primeira vista, mas é impossível dissociar o Pai do Criador, a não ser se negamos a soberania e o senhorio de Deus para nos sentir mais confortáveis ou para justificar alguma ideologia com a qual nos identificamos. Acredito ser este o caso de Ellul em relação à anarquia, assim como é o caso dos esquerdistas em relação ao socialismo ou ao comunismo. Porém, o único que pode nos confortar e nos fazer sentir seguros em relação ao Deus Todo-Poderoso é Jesus Cristo, que nos apresenta santos e imaculados perante o Pai. Nenhuma ideologia é capaz de fazer isso: vencer o pecado. Nem para romper as barreiras entre nós e Deus, nem para nos regenerar, pois a resposta para o poder abusivo (nosso e dos outros – aliás, por que será que o anarquista nunca pensa no próprio eventual abuso de poder?) está, novamente, em Cristo. Além disso, se o senhorio divino não existe, estamos entregues a nossa sorte – algo que, a exemplo do post anterior, invalida o plano da salvação.

Agora, enquanto escrevo, outro aspecto da citação mencionada acima me salta aos olhos: o termo “preguiçoso” é retirado. Por que será? Uso politicamente correto das palavras? Pode ser, mas não só: o destinatário do texto bíblico original, sob a forma de vocativo, é de fato o preguiçoso, para que, observando o exemplo das formigas (que trabalham mesmo sem chefe!), possa se arrepender e mudar. Sem o “ó preguiçoso”, a citação se transforma, aplicando-se a todos os leitores; mutilada, vira uma regra geral – no caso, uma regra geral anarquista. Isso é manipulação textual, espelho de mais um exemplo de leitura encampada pela ideologia.

14 junho 2010

Transferência de poder (II)

Por trás das palavras do artigo de Gondim eu consigo entrever um processo parecido com o descrito por Lytta Basset (parte 1), algo que certamente ocorre com todo aquele que se deixa mergulhar na cosmovisão esquerdista para explicar (reinventar) a teologia cristã. Todos nós já tivemos ou alimentamos uma culpa difusa; no entanto, parece-me que o esquerdismo é essencialmente manipulador desse sentimento. Assim, os esquerdistas cristãos embarcariam nesse mecanismo de controle da seguinte maneira: diante da angústia por essa culpa difusa à qual não conseguem associar uma razão específica, aplicam uma “capa”, uma falsa concretização, sob a forma do problema da pobreza: tenho culpa por não participar da miséria do mundo. (Não é por acaso que o esquerdismo alcança sobretudo os mais abastados da sociedade. Escaparam da miséria por motivos desconhecidos, que logo assumem como metafisicamente aleatórios; precisam ter deixado de repousar na sabedoria divina para valerem-se dessa compensação autopunitiva.) O mecanismo cobra seu preço: iniciando-se em uma “gambiarra afetiva” (preciso conhecer minha culpa) e na ausência de convicção quanto à soberania divina (eu não devia gozar de privilégio algum), essa precária solução toma o lugar do próprio núcleo da fé cristã, moldando o restante, irradiando suas conclusões para toda a teologia. Tudo porque se prefere controlar os sentidos da fé com falsas afirmações a render-se ao Deus soberano, que tanto faz chover sobre bons e maus quanto atinge com tragédias até os seus queridos. Desse Deus, que é o Deus da Bíblia, nem sempre saberemos os motivos, mas podemos contar com sua bondade para que todo mal resulte em bem certeza que somente a cruz pode dar, já que Cristo foi o homem mais amado por Deus que já passou por esta terra, mas também foi Seu maior afligido (Mc 10.45), não tendo culpa alguma, nem real, nem imaginária (Hb 7.26). Deus não poupou Seu próprio Filho, mas O entregou — em meio a grande sofrimento — para que tivéssemos vida. Eis a resposta suprema para o problema do mal no mundo, a única (e suficiente!) que o cristão tem a dar.

Mas voltemos ao artigo. Essa frase de Gondim é reveladora:

Não consigo imaginar-me falando: “Deus é soberano e decidiu que eles viveriam assim; e os porquês da Providência, só saberemos na eternidade”.

Imagino que não consiga porque prefere uma fé que possa controlar, uma culpa à qual possa atribuir um sentido unicamente humano, abordável imediatamente pela razão (e nisso Gondim seria talvez um “neorracionalista”), cujas causas possam ser minadas com as próprias obras, ainda que apenas no plano mental. Em reação às manifestações mais terríveis das desordens da natureza e da maldade humana, é claro que o cristão sofre, mas não se inquieta com causas transcendentes à parte do próprio pecado original, nem com falsos méritos atribuídos ao homem: em primeiro lugar, aprendeu a confiar nas palavras de Jesus quanto a pensar no para quê do mal, e não no porquê (Jo 9.1-3); em segundo, vai a Jesus para “alívio” de todo mal (Mt 11.28); em terceiro, sabendo que a resposta definitiva para o mal já está dada (Hb 9.26, 1Pe 1.20) no sacrifício de Cristo, faz tudo o que estiver a seu alcance para minorar o sofrimento alheio, com a graça de Deus, esperando pacientemente pela redenção final de toda a criação (Rm 8.18-25), quando o mal já não existirá em nenhuma de suas formas (Ap 21.4). Já quem se vale do mecanismo de apaziguamento de culpas prefere voltar as costas para o desconhecido (abrigado em Deus) quanto às razões específicas para determinado mal, carregando o peso de suas mazelas, concentrando-se em si somente. Quando um esquerdista vocifera contra a teologia tradicional com todo aquele ódio e aquela indignação que o caracterizam, como quem brada “Como vocês podem ficar aí, tranquilos, enquanto há tanta pobreza no mundo?” (não que de fato fiquemos tranquilos, mas, não esqueçamos, ele colocou todo o peso sobre si mesmo, logo nos vê como os “descansados” — e de fato o somos, não em nossas ações, pois há muitos cristãos conservadores que evangelizam o perdido e agem pelo pobre, mas interiormente), acredito que o faz sobretudo do alto de sua cátedra de culpa irresolvida: a culpa fundamental, ampla, do pecado original, que, inconfessada, não foi depositada aos pés de Cristo para o perdão, mas sim reduzida a uma culpa pelos “males sociais” para que esteja ao alcance da utopia socialista, que promete “um dia” acabar com ela de modos bem concretos. Claro, isso não significa que o cristão esteja isento dessa culpa difusa, mas fará muitíssimo bem se não utilizar a ideologia para lhe atribuir um nome. Deus nos livra pouco a pouco, em nossa caminhada cristã, de nossas falsas culpas, ajudando-nos a nos conhecer mais acuradamente, se depositamos nele toda confiança quanto a esses processos.

Porém, se o cristão não abre mão do controle sobre seus abismos, não há descanso possível em Cristo. O que resulta disso é um pseudocristianismo, quando aquele que se sente culpado (sem confessá-lo) precisa militar incessantemente para convencer-se de que o ser humano tem em mãos o sentido da história, acreditando ter transferido o poder de Deus para si — como se isso fosse algo bom, quando não passa de um retorno às eras pré-cristãs, um paganismo revisitado. E não há nada mais triste que valer-se de um deus inventado para confirmar logros interiores.

10 junho 2010

Transferência de poder (I)

A leitura desse artigo de Ricardo Gondim suscitou algumas reflexões. Vou compartilhá-las com vocês em mais de um post, deixando de lado os três primeiros parágrafos (que me parecem autolaudatórios ao gosto pós-moderno: “vejam como eu não tenho medo de mudar” e “vejam como eu não tenho medo da crítica”) e concentrando-me no restante do texto.

Um tanto acusadoramente, Gondim parece esboçar através de um formato negativo (a rejeição, expressa através do futuro do pretérito) o que ele crê ser o Deus da teologia tradicional — uma imagem feia e simplista como uma caricatura. Nessa caricatura gondiniana, a ira de Deus se manifesta sobretudo na miséria econômica (os que “vivem em monturos de lixo”, os “miseráveis do Haiti”). Há menções a algumas tragédias (estupro, assassinato), mas é a miséria que abre e fecha a descrição dos males do mundo que compõe a parte principal do artigo (o trecho em itálico). Isso é espantoso: todos os demais pecados estão ausentes do quadro. Altivez, vícios, cobiça, ira, ingratidão, lascívia, autoindulgência, angústias interiores, famílias destruídas, nada disso entra na conta dos frutos gondinianos do pecado; os males que costuma nomear são sobretudo os que afetam os pobres (como, em outras ocasiões, o tsunami).

Os prolongamentos lógicos de suas vindicações são: nesse mundo injusto, em que os pobres são alvo preferencial dos males do mundo e vítimas por excelência (quase diria: bons, em contraposição aos abastados maus), não é possível que Deus seja soberano, ordenando ou permitindo tudo isso. É quando o dedo acusador se faz presente: o Deus dos cristãos conservadores e fundamentalistas odeia especialmente o pobre. Logo, é preciso outro Deus...

Isso tem nome e se chama esquerdismo. Ao contrário do que Gondim quer fazer parecer, é velho como o diabo e nada inovador. Desde Marx, a estrutura do cristianismo (criação, queda, redenção) é assumida e reproduzida sob moldes materialistas. Por isso, muitos consideram acertadamente o marxismo como uma “heresia religiosa” (cf. Nancy Pearcey, Verdade absoluta, Rio de Janeiro, CPAD, p. 153 a 156), com sua própria versão de criação (em vez do Deus criador, a matéria, que é autocriada), queda (em vez do pecado original, o surgimento da propriedade privada) e redenção (em vez do sacrifício de Cristo, a revolução socialista). Assumir a cosmovisão de esquerda e encaixá-la em uma estrutura cristã equivale a absorver concepções bíblicas mutadas, sendo a principal delas a transformação do tratamento teológico do mal em um mecanismo simplista: primeiro, a redução do mal a tragédias visíveis, materiais; em seguida, o maniqueísmo que enxerga o pobre como vítima e o rico (na verdade, só o rico conservador, pois o rico esquerdista está “redimido”) como carrasco, sem cores intermediárias possíveis.

Mas outra coisa me vem à mente. Na Enciclopédia do protestantismo (a sair pela editora Hagnos) há um verbete enorme chamado Culpa, de Lytta Basset. Em uma interpretação do Livro de Jó, a autora observa que, inconscientemente, quando consumidas por uma culpa que não conseguem explicar, as pessoas preferem rejeitar essa culpa desprovida de uma causa específica, trocando-a por uma culpa com causa, qualquer que seja ela, com a exclusiva finalidade de tomar para si as rédeas da situação e enxergar uma solução mais próxima. Esse teria sido um dos problemas dos amigos de Jó, que, angustiados pela situação dele, buscaram aliviar seu fardo tentando convencê-lo de que havia algum pecado oculto em sua vida, bastando-lhe confessá-lo. O estratagema recebeu a desaprovação de Deus, pois o mal que afligiu Jó tinha uma finalidade precisa (um conhecimento mais acurado de Deus, cf. Jó 42.2-6), mas não uma causa definida. Isso está em estreita correlação com a questão do controle: em vez de centrar-se no mérito humano (Jó era justo e não “merecia” aquilo tudo), o Livro de Jó é o grande manifesto do poder e da liberdade de Deus, que parece exclamar: “Assim como minha graça não corresponde à bondade humana, o mal que faço sobrevir à humanidade também não corresponde necessariamente à maldade humana.”

A autonomia divina passa totalmente despercebida por Gondim, que diminui Deus à exclusiva posição de criador e, em seguida, mero espectador, tal como os deístas o fizeram séculos antes (e coerentemente a maioria deles abandonou por completo o cristianismo após algum tempo). Mas esse Deus “esvaziado” não é o Deus da Bíblia. Enquanto Gondim chega à conclusão de que Deus teria renunciado voluntariamente a seu senhorio, entregando o mundo a seu próprio mal, Jó exclama: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). E não precisamos nos limitar a Jó: o próprio Jesus nos assegura de que nada pode nos sobrevir fora da vontade divina, nem mesmo o mais ínfimo acontecimento: “até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mt 10.30). Tanto a edificação quanto a destruição estão debaixo do senhorio de Cristo, e nisso reside a centralidade da Palavra, de Gênesis a Apocalipse, além de nosso consolo maior: o sentido da vida e da história está em Deus. Deslocar essa verdade é adulterar toda a fé. Explico: se Deus não é livre para responder o bem com o mal, segundo seus propósitos inescrutáveis, também não é livre para responder o mal com o bem, pois está preso às ações humanas (de fato, esse seria o Deus das religiões reencarnacionistas, não o Deus cristão); logo, a graça redentora que nos resgata do pecado também não é possível. Se o mal resulta de nossos atos em vez de ser parte dos propósitos de Deus, não há perdão para os homens, nunca houve.

Mas, se Basset está correta quanto à culpa autoengendrada para fins de controle das angústias existenciais, que profunda culpa seria essa, capaz de mutilar do cristianismo seu próprio cerne, a saber, o perdão divino? (continua na parte II)

31 maio 2010

Construtivismo e ensino de idiomas

Recentemente a revista Veja veiculou dois artigos bastante críticos sobre o construtivismo. Não posso opinar muito profundamente sobre o tema, pois a pedagogia não é exatamente minha “praia”, mas sei que hoje a ideia de conhecimento como uma “construção inacabada” está presente por toda parte. É claro que o conhecimento é um processo sempre em aberto. Porém, a maior crítica da Veja a versões radicais do construtivismo se refere à excessiva responsabilidade que costuma ser imputada aos alunos nesse processo – algo que é posto em prática de um modo pouco inteligente e pouco produtivo. E é sobre essa ideia, quando aplicada ao ensino de idiomas, que posso falar com propriedade.

Alguns de meus leitores sabem que sou professora de francês. Na Faculdade de Letras, felizmente, tive contato com professores que desacreditavam métodos baseados em construtivismo. Mesmo assim, sempre encontrei estudantes e professores que se orgulhavam de "nunca traduzir" em sala de aula, o que eu acho uma bobagem sem tamanho. Quem adota esse procedimento acredita que o aluno precisa sempre deduzir os significados das palavras a partir do contexto. O problema é que, na maioria das vezes, o contexto não é óbvio! Além disso, muitos professores evitam a língua materna em sala como a própria peste e preferem fazer mímica do sentido da palavras: por exemplo, imitam uma galinha em vez de responder “galinha” ao aluno do primeiro ano que pergunta o que é poule. Só que, em 100% das vezes, o professor faz papel de palhaço à toa, pois os alunos compreendem a imitação e escrevem no caderno: poule = galinha. De que adiantou evitar o português?

Da mesma forma, encontrei profissionais e donos de cursos de idiomas que insistiam em que nunca se deveria explicar gramática em sala de aula, como se, de novo, o correto fosse o aluno deduzir. Mas por que deixar essa dedução (gigantesca!) para o aluno? Afinal, a grande maioria dos alunos não tem a mente analítica típica de quem se interessa por regras gramaticais. Além disso, explicar a gramática é nossa tarefa como professores; a deles é treinar e interiorizar as regras, e isso já dá um trabalhão danado. Nesse ponto, sou muito categórica: a gramática precisa sempre ser explicada o mais didática e esquematicamente possível. Às vezes você dá uma aplicação primeiro, às vezes dá depois, mas a regra precisa ser explicitada. Eles agradecem e, na minha experiência, sempre manifestam preferência por um professor que explica tudo direitinho. Ainda mais no ensino de uma língua tão organizada e cheia de regras como o francês.

Outra bobagem bastante prejudicial (em todas as áreas do aprendizado, na verdade) é o desprezo que se devota ao ato de decorar. Quando gostamos muito de uma música, de um poema, de uma peça de teatro, acabamos decorando alguns trechos por puro prazer. O prazer no aprendizado de um novo idioma também se manifesta dessa maneira, quando decoramos regras para que nosso uso de seus aspectos linguísticos se torne imediato. Aos poucos, o que decoramos passa a fazer parte de nós, tão intimamente que não precisamos mais pensar para falar ou escrever. Saber de cor é saber com o coração (a expressão francesa manteve-se mais fiel à latina: apprendre par coeur). O que estamos dizendo aos nossos alunos quando pronunciamos diante da turma a feia palavra “decoreba” em um tom de escárnio? Que existe tal monstruosidade: amor sem dedicação. Estamos fazendo pouco caso não só da memória deles, mas também do amor verdadeiro ao estudo, que pede necessariamente tempo, paciência e labor. Não há aprendizado efetivo sem esse esforço.

Há um ponto comum entre todas essas práticas, tão difundidas ainda hoje: enxergar o adulto que aprende um novo idioma como uma criança que aprende seu idioma materno. Como se o aprendizado devesse ser feito somente de espontaneidades. O problema é que essa é uma idealização do aprendizado da primeira infância, em primeiro lugar. Em segundo, uma situação difere totalmente da outra. O adulto irá referir-se a seu idioma de origem, ou ao último idioma estrangeiro que aprendeu, quando entra em contato com um novo idioma. Invariavelmente. Por isso, sempre oriento minha aula a falantes do português, comparando as dificuldades do francês com as dificuldades de nossa língua materna e dando mais ênfase naquilo que é diferente, portanto, mais difícil para os alunos brasileiros. Isso dá um resultado excelente. Para que gastar tempo com aquilo que o aluno fará de modo intuitivo? Mas para o que difere muito do português é preciso gastar mais tempo, mais explicação, mais exercício. Porém, para variar, essa linda "teoria", aplicada à linguística, foi recebida com louvores por volta dos anos 60, como “libertária”, e muitos professores ainda a consideram e a aplicam como uma grande novidade. E o mesmo ocorre em muitas outras áreas: de certa forma, todos os novidadeiros modernos ainda vivem nos anos 60... Enquanto isso, o construtivismo só vem mostrando, na prática, que não dá muito certo, e que como filosofia pode ainda ser bastante danoso para nossos filhos. Sobre o aspecto mais propriamente filosófico do tema, indico esse ótimo artigo de Solano Portela. Sobre o construtivismo e a “neopedagogia”, também indico o artigo bastante esclarecedor de José Maria e Silva. E que Deus nos ajude a contestar com mais propriedade as burras unanimidades de nosso tempo.

10 maio 2010

A ideologia é má leitora

Uma definição condensada e bastante fiel de ideologia foi dada por Corinne Marion (Quem tem medo de Soljenitsin?, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1980, p. 66, nota 59) como “um saber absoluto que fornece, em princípio, a chave da história humana e permite conhecer, a cada momento, a atitude justa a seguir”. Trata-se assim de um núcleo de ideias pré-fixadas que engendram em seu detentor uma ilusão de onisciência, certamente não reconhecida, já que inconsciente. Isso se correlaciona com as excelentes explicações fornecidas por Jonas Madureira em seu blog (recomendo vivamente a leitura completa do post) para o termo ideologia, de acordo com Paul Ricoeur e Hannah Arendt:

Segundo Ricoeur, “toda ideologia é simplificadora e esquemática”. (…) nesse caso, Arendt concordaria com Ricoeur, uma vez que, para ambos, o pensamento ideológico tende a arrumar os fatos sob a forma de um processo absolutamente simples e esquemático; processo este que se inicia a partir de uma premissa aceita axiomaticamente e tudo o mais sendo deduzido dela. Outra congruência reside no fato de que ambos os pensadores veem nas ideologias um código interpretativo que incita os seres humanos a tomar a imagem pelo real, o reflexo pelo original. (…) Em suma, para Arendt, todo pensamento ideológico vai contra a realidade na medida em que a lógica de uma ideia tem o mesmo status do real. (…) Uma vez que as ideologias possuem a pretensão de explicação total, ou seja, tudo é explicado a partir de uma ideia, elas inibem automaticamente o pensamento da experiência e da realidade.

Isso significa que a ideologia é uma péssima leitora, na medida em que, ao sobrepor-se à realidade, obstaculiza o conhecimento verdadeiro. Assim, fatos e argumentos são sempre lidos através das espessas lentes dessas ideias primordiais que contaminam todos os dados apresentados ao sujeito leitor. O que chamamos de “língua de pau” no esquerdismo, por exemplo, nada mais é que a apropriação da linguagem pela ideologia, quando as palavras perdem seu significado comum e passam a pertencer exclusivamente a esse núcleo pré-fixado, geralmente oculto na comunicação, impedindo que o esquerdista compreenda seu interlocutor quando este fala do lado de fora do âmbito da ideologia. (Experimente conversar sobre democracia com um admirador de Hugo Chávez. O termo precisará ser redefinido de antemão para que haja alguma esperança de diálogo e, mesmo assim, é pouco provável que ele compreenda você, embora você o compreenda.)

É precisamente isto que ocorreu com Joanildo Burity, autor de artigo de opinião no site da revista Ultimato, ao pronunciar-se contra meu texto Por que não sou de esquerda, publicado na edição passada. Este pequeno post apenas assinala o fato e antecipa a resposta que escreverei nos próximos dias.

22 abril 2010

Perguntas e respostas

Estou tentando sair do assunto “esquerdismo”, mas está difícil. :-) Tinha um post fresquinho aqui sobre um tema totalmente outro, que ainda estou burilando, mas um leitor me pediu para responder a algumas perguntas. Como o blog precisa de atualização e as dúvidas dele representam as de muita gente, vou ordená-las aqui, com as devidas respostas.

Anderson: Pode ser rotulado "de esquerda" quem sai da inércia e procura fazer algo diante do sofrimento alheio?

Norma: Claro que não. A rotulagem, na verdade, costuma funcionar no sentido contrário: para a esquerda, quem é de direita necessariamente NÃO faz nada diante do sofrimento alheio. O que, evidentemente, é julgamento e difamação política.

A: É de esquerda quem tenta colocar em prática o mandamento cristão do amor ao próximo?

N: O amor ao próximo se manifesta de mil e uma formas. Não damos apenas dinheiro, mas principalmente nosso tempo, nosso amor, nossas palavras de consolo, nosso testemunho, nossa disposição para ouvir etc. etc. E nosso próximo pode ser rico também, não pode? De novo, aqui, a rotulagem é no sentido inverso: a esquerda sempre acha que o próximo é o pobre, nunca o rico, reduzindo os necessitados do amor de Deus (todo mundo) aos necessitados de bens materiais, "materializando" a fé. A Bíblia afirma que todos pecamos e todos carecemos da glória de Deus. Reduzir o problema do mundo a seu aspecto apenas material (como faz a Teologia da Libertação) é um acinte à fé cristã.

A: Se eu participar de movimentos que ajudem crianças em situação de risco, dependentes químicos e mendigos, significa necessariamente que eu concordo com as atrocidades dos regimes comunistas?

N: Claro que não. Mas se você se sente um cristão melhor que seu irmão por participar desses movimentos, sem saber o que seu irmão faz de seu tempo, estará incorrendo no pecado do julgamento e do orgulho. Não é preciso aderir a um movimento para servir a Deus. Podemos servi-Lo em nossas vidas cotidianas, de acordo com as situações que se apresentam a nós, como o bom samaritano ajudou o judeu caído no chão.

A: Ser a favor da reforma agrária, do acesso universal à educação, à moradia, à saúde, ao transporte urbano, à alimentação adequada é desconforme à cosmovisão cristã?

N: Depende. Reforma agrária através de vandalismo e roubo de propriedade, como é o caso do MST, definitivamente é algo desconforme à cosmovisão cristã. Tomar as coisas à força do braço jamais será algo aprovado por Jesus. Quanto ao restante, é evidente que direita e esquerda não discordam da necessidade dessas coisas, mas sim dos métodos para alcançar sua acessibilidade. Se o método for "através de um Estado que mande em tudo", discordo, pois o Estado forte faz mais mal que bem - inclusive para a igreja.

A: Sou a favor da distribuição de renda, da erradicação da pobreza, da sustentação do meio ambiente e da democracia. Os conservadores podem dizer, por isso, que contrario os princípios cristãos?

N: Depende. Vamos por partes.

Primeiro, “distribuição de renda” é um termo-pegadinha. É claro que a ideia parece muito bonita. Mas veja: para a distribuição de renda, é preciso alguém que distribua. A quem cabe essa tarefa? Esse que distribui não será o mais rico de todos (o Estado)? E a história não mostra que, uma vez de posse de toda a riqueza, o Estado NÃO a distribui? Fidel Castro riquíssimo não me deixa mentir. Assim, o cristão que confia de todo o seu coração em um Estado que, uma vez tendo angariado poder suficiente para acumular toda a renda de um país, irá distribuí-la com justiça, está esquecendo um ponto básico da fé: o pecado original. Isso nunca funcionou e nunca funcionará, pois o coração do homem é mesquinho e egoísta. Sem Deus e com poder nas mãos, os governantes apenas se sentem licenciados para oprimir mais e mais o povo. (Mas, se você tem outra ideia quanto ao que significa “distribuição de renda”, gostaria de ouvi-la.)

Justo por causa do pecado original, a “erradicação da pobreza” é um sonho, uma utopia. Fazemos o que está a nosso alcance para diminuir o sofrimento dos pobres, mas não podemos, como cristãos, crer em uma erradicação total da pobreza para este mundo, nem delegar essa responsabilidade a governantes com poder máximo nas mãos. Eles não irão cumpri-la e ainda desejarão mandar em nossas consciências para garantir a continuidade desse poder máximo (vide os projetos do atual governo – que no entanto está ainda longe de ser um autêntico governo totalitário!).

Quanto ao meio ambiente, é preciso tomar cuidado com algumas falácias pretensamente científicas, como o aquecimento global, usado para pressão política. Fora isso, a causa é válida.

Já “democracia” é uma palavra que vem sofrendo abusos há muito tempo. Há quem afirme, por exemplo, que “Cuba é uma democracia” (como faz Chávez). Na verdadeira democracia são preservados o direito de expressão, o direito de ir e vir, a liberdade para formar partidos políticos e contestar o governo. Em Cuba há prisões por delito de opinião, ninguém pode sair do país sem autorização e só há um partido, que se perpetua no poder há meio século. Dessa democracia eu não quero, obrigada!

A: Por fim, será que a dicotomia direita x esquerda já não foi superada?

N: Acho que não. A dicotomia ainda é muito útil para precisar posições quanto ao socialismo (contra/a favor). Porém, como no Brasil o pensamento esquerdista obteve o status de um aprovado lugar-comum (inclusive na igreja!), tem muito esquerdista ou semi-esquerdista que não se diz de esquerda, como falei em post anterior. (A linguagem que você usa para elaborar suas perguntas demonstram um tanto essa confusão.) Isso se deve em grande parte à passividade geral diante de estratégias educativas espúrias, quando professores socialistas destilam seu socialismo em sala de aula sem nomeá-lo ou sem explicitá-lo devidamente. Os estudantes “compram” essas ideias gerais e mal digeridas – distribuição de renda, fim da propriedade privada, demonização de toda autoridade etc. – sem conseguir integrá-las a uma cosmovisão. Quando essas ideias invadem a igreja, então, é o caos: discípulos de Jesus depositam sua esperança (transcendental) na política (imanente e composta em grande medida por homens sem Deus) e, levados por um sentimento sincero de compaixão pelos pobres, podem aos poucos deixar que seja pervertida a fé libertadora. Por me preocupar com isso é que falo tanto do assunto – não por gostar de política. Também não quero saber daquele tipo de conservadorismo (comum nos EUA) que transformou a fé cristã em um pretexto para mudar a sociedade através de leis. Meu conservadorismo é essencialmente antissocialista.

13 abril 2010

Ufa! Por que falo tanto da esquerda afinal?

Alguns leitores podem perguntar-se: “Mas por que ela fala tanto da esquerda?”

Que bom, tenho teólogos para responder por mim! Veja o que diz Michael Horton sobre a ação transformadora da igreja:

Precisamos parar de nos acomodar à cultura que confrontamos e objetivamos transformar. Porém, para fazer isso precisamos não apenas conhecer nossa própria teologia, mas também conhecer os ídolos e compreender os modos com que nós mesmos acabamos tomando a forma do espírito deste século em vez da forma do Espírito de Cristo.

É precisamente por isso que denuncio a esquerda como um ídolo parasita do cristianismo, um dos obstáculos mais comuns à cosmovisão genuinamente bíblica. Mas o principal, evidentemente, não é o não que o cristão precisa dar à inversão política (confusão entre o Reino de Deus e o paraíso socialista), mas o sim (entusiasta!) da mente e do coração para o reforço teológico nas Escrituras, com a ajuda de pregações fiéis e obras de nossos irmãos do passado que organizaram a doutrina. Teologia frouxa equivale a mente enfraquecida, que por sua vez gera uma vida de pecados não-identificados e inconfessados. Por isso, siga o conselho de Horton: estude teologia reformada!

Quer ler o restante da citação? Dê uma olhada no Tamos lendo!

08 abril 2010

Cristãos conservadores do Brasil, uni-vos!

Percebi que meu artigo publicado na Ultimato está cumprindo uma função bastante interessante na blogosfera e além: uma espécie de espanação geral do armário. Socialistas antes enrustidos se colocam de modo claro e conservadores até então tímidos resolvem expor sua indignação com os onipresentes e opressivos lugares-comuns socialistas.

Pois é, as tentativas de resposta a meu artigo na Ultimato têm sido reveladoras. Primeiro, salta à vista o mote geral “não sou de esquerda” (ou “não sou comunista”), pronunciado tão-somente como preâmbulo para a defesa de uma cosmovisão inegavelmente montada em cima de pressupostos esquerdistas. Segundo, é sempre impressionante constatar o uso do mecanismo do bode expiatório (Girard, again) em lugar de contra-argumentações (um bom exemplo: “se não dar [sic] para conciliar as idéias socialistas aos [sic!] princípios bíblicos, então o que dizer do capitalismo monstruoso que acumula fortunas em poucas mãos plutocratas enquanto dois terços da população mundial morre [siiiiiiic!] de fome nas raias da exclusão total?”): o capitalismo desculpa todos os erros do socialismo, inclusive o genocídio. Uau! Na mesma linha, perguntam desafiadoramente o que eu acho da Ku Klux Klan e dos cristãos alemães, demonstrando com isso quão longe chegou a demonização dos opositores do socialismo.

Como sou boazinha, deixo aqui explicitamente: não sou nazista, não sou a favor da KKK (a não ser para rir na internet), não sou entusiasta da ditadura militar, não sou contra os pobres nem indiferente à pobreza. Não acredito que o socialismo seja a solução para o problema da pobreza, a não ser que o objetivo seja empobrecer todo mundo logo de uma vez, material, mental e espiritualmente. Aí, o socialismo dá certo. A propriedade privada é bíblica, senão o Oitavo Mandamento não faria sentido algum. Não é “coisa de capitalista”. E, se você acha que a Bíblia defende o socialismo, um post excelente do Helder Nozima me poupou muito trabalho argumentativo e uma bronca do Roberto Vargas também dá conta do recado direitinho.

Alguns ficaram horrorizados porque eu disse que o conceito de “classe dominante” é vago. Tratei disso aqui.

E muitos reclamaram do meu uso de Girard. Pois é, Girard também foi cooptado pela esquerda, assim como Calvino e Kuyper. No entanto, minha alusão está perfeitamente correta. Só para constar, Girard coloca tanto o nazismo quanto o comunismo debaixo da mesma etiqueta: “totalitarismo”. A diferença? O comunismo seria um “totalitarismo da vítima”. Vejam o que ele declara:

Nazismo: "Os nazistas diziam: 'Vamos mudar a vocação do mundo ocidental, anular o ideal de um universo sem vítimas. Vamos fazer tantas vítimas que reinauguraremos o paganismo."

Comunismo: "Vivemos hoje em um mundo em que existem poderosos lobbies da vítima, em que só se pode mais perseguir ou exercer violência através de um discurso vitimário, de uma defesa das vítimas. O comunismo, por exemplo, na URSS, pretendia falar apenas em nome das vítimas, e fazia vítimas em nome das vítimas. O fracasso do comunismo soviético é um fracasso desse segundo totalitarismo que não chegou de modo nenhum ao fim. Penso que esse segundo totalitarismo irá reaparecer sob outras formas, e que já está reaparecendo, ainda está bem vivo. Como o terrorismo, que sempre fala em linguagem vitimária e exerce violência em nome da defesa das vítimas.

Politicamente correto: "É a religião da vítima, desprovida de toda transcendência, a obrigação social de empregar uma verdadeira 'língua de pau vitimária' que vem do cristianismo, mas que o subverte mais insidiosamente ainda que a oposição aberta."

Tá vendo? Queimou a língua quem reclamou do Girard no meu texto, né? Ah, mas se lessem meu blog saberiam! Falei disso muitas vezes: aqui, aqui, aqui, aqui.

Quanto aos conservadores que elogiaram minha coragem, penso o seguinte. Hoje em dia, é preciso menos coragem para declarar-se homossexual (e a recepção festiva ao novo gay assumido Ricky Martin não me deixa mentir) que para sair do armário do conservadorismo. Agora, tem muito líder cristão que também continua trancado no armário do socialismo, principalmente quando fala desse bicho esquisito que é a Missão Integral. E o pior é que muitas vezes fica lá não por falta de coragem (esquerda é mainstream, é chique), mas por ignorância ou desonestidade. Não pode! Se você, pastor, gosta de Marx, é contra a propriedade privada, acha que a igreja primitiva é um exemplo de distribuição de bens e usa Isaías 5.8 para defender o MST, faça um favor a suas ovelhas: diga claramente a elas que você é socialista. Porém, faça um favor ainda maior a suas ovelhas e a você mesmo: pare de confundir socialismo com Reino de Deus.

Por tudo isso, minha conclamação é: conservadores cristãos do Brasil, uni-vos! Todos para fora do armário, já! Vamos mostrar ao mundo do que é feita a cosmovisão calvinista e reformada de verdade.

01 abril 2010

Sobre o artigo da Ultimato

Sobre meu artigo na Ultimato, cabe um esclarecimento. Conforme a Carta Aberta das páginas 38 e 39, não é de hoje que a revista tem sido acusada de um esquerdismo quase militante, embora nem sempre em termos explícitos. A veiculação dessa carta na mesma edição de meu artigo suscitou em alguns leitores e não-leitores meus (hehe) a hipótese de que Ultimato, preocupada com essas acusações, tenha decidido publicar meu artigo somente para rebatê-las, dando mostras de pluralidade. Mesmo que o editor da revista tenha mencionado meu artigo como prova de que não segue uma linha antiamericana (o que aliás não entendi, pois os EUA estão ausentes do texto), não posso negar nem afirmar a veracidade dessa hipótese, pois não quero correr o risco de pecar ao emitir julgamentos acerca de motivações ocultas.

O que posso dizer com toda certeza é o seguinte: seja como for, a publicação de meu artigo não configura, de modo algum, pluralidade. Meu texto é um evento isolado em uma seção dedicada a opiniões femininas (“Deixem que elas mesmas falem”). A “pluralidade”, se limitada a uma seção de opiniões, não me parece algo significativo. Assim, o que dá identidade à revista são os articulistas de sempre, cuja maioria, de fato, é bastante conhecida do público, seja por suas posições à esquerda, seja por seu antiamericanismo, seja por manifestar apreço por certo feminismo: René Padillha, Paul Freston, Robinson Cavalcanti, Ricardo Gondim, Valdir Steuernagel, Bráulia Ribeiro. Isso é o que posso dizer simplesmente ao olhar o sumário da nova edição que tenho em mãos. E nisso não vai nenhum julgamento de valor. Apenas a constatação: sim, a grande maioria dos autores fixos da revista Ultimato tende a demonstrar posições de esquerda.

Mas e daí? Nosso país não conhece variedade política. A grande maioria dos formadores de opinião no Brasil é de esquerda. A revista apenas espelha esse fato no mundo protestante evangélico.

Tudo isso para, fundamentalmente, dizer o seguinte. No Brasil, as pessoas acham bonito o socialismo, aprovam ou não se incomodam com a ditadura cubana, odeiam os Estados Unidos, andam com camisetas do Che Guevara, veem no governo a solução de todos os problemas, xingam o “neoliberalismo”, abominam o capitalismo como o próprio Mal e não se dizem de esquerda. Claro, há os que o declaram mais abertamente, mas são minoria. A maioria sequer reconhece que existe, de fato, esquerda. Há ainda os que se denominam “socialdemocratas” embora continuem apoiando ditadores consumados como Fidel Castro e Hugo Chávez... Depreende-se disso que, neste país, o pensamento de esquerda se tornou a Opinião Comum Isenta e Racional. A explicação é simples: basta lembrar que desde o Brasil Colônia somos a somatória do Complexo do País Oprimido com a histórica expectativa de um governo que atue como um Grande Pai. Além disso, os ideais socialistas, onipresentes, nunca são questionados por leituras ou ensinamentos diversos, pois autores conservadores e liberais são ilustres desconhecidos no Reino dos Doutores do MEC. Ideologicamente, estamos quase tão fechados quanto a ilha-cárcere cubana...

Como conservadora, uma de minhas tarefas é denunciar o apagamento de todo um leque de opções (e isso não significa que eu seja uma adoradora dos EUA, uma entusiasta do capitalismo, uma elitista que não se importa com a pobreza etc. etc.). Outra, como cristã, é mostrar que a afinidade do socialismo com o cristianismo é, em grande medida, falsa, apontando para os perigos dessa convergência forjada. Isso significa afirmar que crente esquerdista não é crente? Claro que não! Mas se você, crente, por causa do seu esquerdismo, abre exceções ao aborto, cede ao relativismo (epistemológico, moral, cultural) e ajuda na perpetuação de um pensamento político autoritário por meio de um Estado forte e centralizador, quero contribuir para que você se desesquerdize, desconformando sua mente em relação ao mundo e submetendo-a cada vez mais ao senhorio de Cristo.

Dito isto, nos próximos posts procurarei responder às várias objeções que foram levantadas contra meu artigo, aqui ou acolá, indicando as leituras em que me apoiei para escrevê-lo.

P.S. É significativo que a publicação desse texto se dê no Dia da Mentira. Esquerdistas que não se dizem esquerdistas, mentindo conscientemente ou não: assumam suas posições! :-)