29 janeiro 2006

"Felix Culpa"

Uma vez, preguei todo o plano da salvação a um amigo em uma mesa de restaurante. Comecei pelo significado de pecado original, que consistia no rompimento do homem com Deus, e de como, a partir daí, a morte havia entrado no mundo. Ponderei que, afastado de Deus (que é vida), o homem passou a ser como um morto-vivo, necessitando reconciliar-se com Ele. Falei de como o próprio Deus havia amorosamente preparado essa reconciliação, mandando seu Filho para morrer a morte que nos estava destinada, em nosso lugar – e que era por isso que a Bíblia afirmava que Cristo “morreu por nós” e “matou a morte na cruz”, assim como diz aquela conhecida ladainha católica, “Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”. E que era precisamente nessa reconciliação oferecida a nós pelo próprio Deus, um perdão incondicional de todos os nossos pecados, que consistia o que costumamos chamar “graça”. Bastava o homem assumir seu mal, assumir que sem Deus sua vida orienta-se mais para o mal que para o bem, arrepender-se desse estado-de-ser longe de Deus (que é um estado de falsidade, já que Ele nos criou para sermos com Ele) e receber a reconciliação como um presente de vida eterna – o maior que alguém pode receber.

Foi uma longa explanação e, justiça seja feita, ele me ouviu atentamente. No final, porém, confessou-me com simplicidade:

– Faz sentido e é uma história bonita, mas não me diz nada pessoalmente.

Na hora voltei meus olhos (interiores) para Deus. O que mais posso fazer, Senhor? Fiz minha parte, agora é contigo. Isso faz uns seis anos e esse meu amigo não se converteu.

Outra vez, falei da graça a uma amiga, com quem tinha compartilhado vários anos de crença comum no espiritismo. Eu havia me convertido recentemente e estava louca para conversar com ela sobre minhas descobertas. Quando mencionei a salvação pela graça, ela pareceu de súbito ficar furiosa:

– Que absurdo! E onde ficam os méritos da pessoa? Que Deus injusto é esse?

Calei-me. Não havia mais o que dizer depois dessa. Aquilo que havia sido uma verdadeira libertação, para mim, soava como “injustiça” para minha amiga.

Nunca me vi como uma pessoa boa. Nunca fui capaz de nenhuma maldade intencional ou visível, mas, sempre atenta ao que ia dentro de mim, sabia que, de acordo com as circunstâncias, nem eu nem ninguém estaríamos livres de cometer grandes males. Essa sensação me acompanhava desde criança: a consciência do mal. De modo que, há dez anos, quando pregaram de forma bem simples a graça de Deus para mim – o perdão incondicional de todos os meus pecados pelo sacrifício de Cristo na cruz – , minha reação foi de grande surpresa e alegria. Pensei, na hora: “Por que é que não me disseram isso antes? Então é isso o cristianismo? Se eu soubesse, já era cristã há muito tempo!”

Jesus disse uma vez à multidão que o acompanhava (em Mateus 5:20): “Se vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.” Porque Ele sabia que os escribas e fariseus, apesar de sua erudição religiosa e seu vasto conhecimento bíblico, não se viam como pecadores, mas tinham a si próprios em alta conta. Não enxergavam mal algum em aproveitar-se das viúvas pobres. Não expunham suas fraquezas, mas alardeavam uma falsa piedade orando em lugares públicos. Contentavam-se com a aparência do bem - e, por estarem de olhos fechados para o próprio mal, eram “cegos guias de cegos”. Não sei até que ponto eles estavam conscientes da mentira em que viviam. Porém, a aguda consciência do mal é o primeiro passo para a reaproximação de Deus. A esse abençoado sentimento, os católicos chamam de “felix culpa”: culpa feliz, a culpa que nos leva a Deus para sermos perdoados. É quando sabemos que a nossa justiça, nossos atos, nossas autojustificações nada são diante da Bondade Suprema que é Deus, e nos rendemos a Ele para que Ele nos salve de nossa inclinação sempre perversa e nos guie em Seu caminho.

Sabemos então que esse é o único modo de vida possível: com Ele. É Jesus que expõe da forma mais contundente aos discípulos essa co-participação e dependência de Deus ao afirmar categoricamente “Sem mim nada podeis fazer”, presentificando-se como “o caminho, a verdade e a vida”. Sem Ele não passamos de mortos-vivos fingindo que estamos vivos; com Ele, temos a vida plena e verdadeira, pois Ele é a vida e jamais planejou que fôssemos coisa alguma sem Ele. Essa descoberta é o que nos faz sentir incompletos em nossa humanidade e, ao identificar a causa da incompletude, exclamar como Santo Agostinho no início de suas Confissões: “Tu nos criaste para ti, Senhor, e nosso coração está inquieto enquanto não repousa em ti.”

24 comentários:

Juan de Paula disse...

Lindo Norma!!!!!!!!!!!! Bravo!!!!!

Esse é o evangelho maravilhoso que nos tira das trevas e nos coloca na luz.

Deus seja louvado!!!!!!

Luiz Augusto Silva disse...

Culpa feliz. Ditosa queda. Agradável fraqueza humana, pela qual Deus se nos mostra em toda sua grandeza.
Felicidade

Augustus Nicodemus Lopes disse...

Norma,

O que você escreveu é uma sensação compartilhada por todo verdadeiro cristão, mesmo aqueles que momentaneamente, até por falta de um esclarecimento teológico melhor, acreditam que colaboram de alguma forma para a salvação. No fundo, a nossa consciência nos diz que é tudo pela graça. E quando estivermos diante do trono, naquele grande dia, nos curvaremos diante do Senhor e diremos: aqui estou somente por tua misericórdia. Toda glória é tua. Sou um miserável pecador. Só fui salvo porque assim o quisestes.

Acredito que uma pessoa verdadeiramente salva sabe intuitivamente que é tudo pela graça, muito embora intelectualmente ainda esteja lutando para encaixar na sua cabeça conceitos como liberdade de escolha, soberania de Deus, etc.

Um abraço.

Josaías disse...

Oi norma, compartilho de seus sentimentos nesse post, e muita gente teve reações parecidas com essa quando comentei meu entendimento da graça. Isso sempre me deixa meio frustrado. Certa vez preguei sobre o Filho Pródigo, enfatizando bastante a Graça de Deus e a falta de merecimento do pródigo. No fim do culto, alguém veio me perguntar "Será que, depois de ser recebido em casa novamente, o Filho pródigo fez por merecer?"

Naquela hora me deu vontade de... melhor nem dizer. A gente gasta 40 minutos falando da graça de Deus e o cara vem me falar de merecimentos? É difícil. Isso está muito arraigado na mente dos crentes.

Escrevi muito, mas na verdade, o motivo do comentário era mais agradecer seus esclarecimentos no blog dos Três. Obrigado :)

Deus te abençoe aqui no Flor também.

Anônimo disse...

Graça...maravilhosa graça...maravilhosa misericórdia divina que veio sobre nós.
Entendo que uma das maiores evidências da maturidade cristã é quando compreendemos, em toda sua essência, a plenitude da exposição de Paulo em Efésios 2:8-9: "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie."
Mas não podemos nos esquecer, é claro (e isso também faz parte da maturidade a qual me referi), do contido no verso 10 daquele capítulo, quando Paulo afirma que "...somos feitura Dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nela."
Aleluia!

Norma disse...

Juan e Luiz Augusto: obrigada pelos comentários!

Augustus, essa sua observação foi muito feliz e alerta para que os cristãos não confundam: salvação pela graça com salvação pela consciência da graça, que é coisa bem diferente... :-)

Josaías, eu sempre me lembro de um livro maravilhoso sobre ensino bíblico (esqueci o autor mas prometo que digo depois - está emprestado) em que o autor conta ter dado uma aula onde fazia uma analogia com um pastor alemão. Ele relata que, no fim da aula, tudo o que conseguiu de 'feedback' foi uma senhora que chegou até ele para dizer: "Eu também tive um pastor alemão..." Hehehe! Mas eu sempre penso assim: se UM dos presentes entendeu a mensagem, já valeu a pena! Abração!

Amém, Cláudio! De fato, foi a pregação da graça que fez toda diferença em minha vida.

Cosmovisao disse...

A regeneracao eh uma acao totalmente de Deus...se Ele nao age a pessoa nao tem como entender a mensagem...
Faz parte daquela luta que o Nicodemus escreveu...essas coisas so entenderemos quando chegarmos la no ceu, quer dizer, se Deus achar que deve explicar alguma coisa, claro!!

Moita disse...

Norminha

É tudo uma questão de fé.

Alguém já pregou no deserto, lembra?. Tudo se resume a fé.

Tô sentindo sua falta na Moita

1 beijo

Anônimo disse...

O que você conta já aconteceu comigo mais de uma vez, Norma, mas hoje entendo que problema menor havia na obtusidade e dureza de coração dos meus amigos do que na minha própria abordagem. Hoje em dia não recomendo a quem quer que seja pregação evangelística em mesa de restaurante. Pode ser indigesto.

Recomendo menos ainda empurrarmos o "plano de salvação©" goela abaixo de ninguém, e por inúmeros motivos. Em primeiro lugar, porque (por mais bem intencionada que seja) a noção de "plano de salvação" é árida, mercantilista e artificial. Quando nos propomos a expor numa única sentada o propósito de Deus, explicando tudo por A+B e sem deixar nenhuma ponta solta, acabamos caindo na tentação de reduzir a fórmula o que é, essencialmente, mistério. Fica sempre a impressão de que estamos tentando vender uma [boa] enciclopédia: é lamentável se o cara se não quis comprar, mas já fizemos a nossa parte.

É curioso notar o quão raramente, no Novo Testamento, o "plano de salvação", mesmo em suas linhas mais gerais, é de fato empregado/mencionado em pregações evangelísticas pelos apóstolos (sem mencionar Jesus, que nunca faria tal coisa). O que quer que os apóstolos cressem que era necessário para as pessoas serem submetidas a fim de serem salvas, isso não incluía o plano de salvação sistemático que estamos acostumados a apresentar.

Entendo com isso que a apresentação do reino/graça/salvação requer um rigoroso minimalismo: em geral os apóstolos anunciavam a mensagem todos, pregavam em detalhe para quem estivesse inclinado a ouvir e convidavam para um compromisso definido os que estivessem inclinados a aceitar.

Nos nossos dias, creio, esse minimalismo deve ser acentuado por motivos adicionais: em primeiro lugar, o que temos a dizer não é mais, de certa forma, novidade para ninguém. Todo mundo tem na cabeça algum conceito distorcido do plano da salvação, transmitido por inúmeras fontes e captado com diversos graus de ineptidão ao longo do tempo. Ao contrário dos desavisados gregos e judeus da Ásia Menor que Paulo ia pegando pelo colarinho, a galera em geral já ouviu falar que Jesus é o filho de Deus, que deu sua vida pelas pessoas, que tira o pecado do mundo, que é o único Salvador, the whole enchillada. Podem não ser capazes de distinguir, mas já foram expostos aos fundamentos da verdade.

"Mais um motivo para corrigirmos as noções erradas deles", sei que você vai se apressar em dizer. Pois é aí que discordamos. As pessoas hoje em dia duvidam, e com algum fundamento, das explicações racionais, pré-embaladas e estanques, especialmente em matéria de religião. Elas querem alguma evidência espiritual - um sinal, pode-se dizer - da autoridade do que estamos falando. A mais competente apresentação de vendas não bastará para convencê-las, e creio, não bastaria para mim se eu estivesse no lugar delas. Não estou dizendo que a conversão verdadeira ou a apresentação do evangelho requer algum milagre ou alguma trombeta de anjo, mas por certo requer uma luz que não seja racional.

Não basta dizer à pessoa: "você entendeu? faz sentido a proposição que estou apresentando? não há nada de contraditória na minha teoria? então agora creia." Elas não querem e provavelmente não podem entender (nós podemos?), e o Novo Testamento está cheio de histórias de gente que nunca ouviu o plano de salvação adequadamente exposto e já saiu saltitando sua conversão. Mais justo seria dizer que as pessoas anseiam mais para a "loucura" do evangelho do que pela "sensatez" do plano de salvação.

Creio com sinceridade que a singularidade da sua amizade com seu amigo incrédulo fez mais para apresentar o plano de salvação para ele do que aquela conversa fatídica no restaurante. É por ter sido seu amigo que ele vai poder ser chamado com dureza a julgamento - porque pôde ver em você o quanto a sua mensagem era verdadeira e não fez nada a respeito.

Não sou adepto do "evangelismo por amizade", o que quer que isso signifique, mas sou defendor brutal de um "evangelismo assistemático" - o que quer que isso signifique, também. Embora difícil de descrever e de colocar em prática (um "plano" de salvação parece certamente mais sensato e aplicável a mentes cartesianas e prágmaticas como as nossas), o que posso dizer sobre o evangelismo assistemático é que Jesus (e em menor grau os apóstolos) eram especialistas nele. Não havia teologia sistemática nas palavras dos apóstolos, e nem - possivelmente - em suas mentes. O que eles tinham por certo é que a novidade-pessoa que apresentavam era absolutamente notável e digna de confiança - e o Espírito fazia o resto, como sempre faz.

Um exemplo aleatório de evangelismo assistemático. Certa vez um amigo ateu, para zombar de mim, escreveu no orkut: "Se Jesus me ama, porque ele não me manda flores?"

"É lógico que manda", respondi. "São todas pra você".

Ele apenas riu, mas outro amigo ateu que fazia parte do mesmo grupo foi imediata e absolutamente esmagado pela noção; seus olhos encheram-se de lágrimas, ele desabou diante do caráter absoluto, abrangente e intransigente do amor de Jesus, e hoje repousa em segurança aos pés do Mestre.

Anônimo disse...

Caríssima Norma,

Conheci seu site hoje, através de um artigo seu publicado no MSM. Parabéns pelo blog - estarei conectado e comentando aqui com freqüência. Sobre o texto, acho que reflete bem o sentimento do cristão para com a revelação. Resumiria em uma palavra: gratidão. A alguém, por nos ter iniciado na fé; a Igreja, por nos ter legado a mensagem, e sobretudo, a Deus. No fundo, tudo é ao mesmo tempo tão simples e tão complexo; simples quando nos preocupamos em apenas contemplar a verdade; complexo quando tentamos observar tal maravilha através da lente putrefata do coração carcomido pelo pecado...
Parabéns pelos textos!

Norma disse...

Paulo, que Brabo seu comentário, hem: ;-) Meu amigo não achou indigesto coisa nenhuma, ele gostou, estava aberto intelectualmente, mas não espiritualmente. Na verdade, nós podemos até elaborar mil burocracias evangelísticas, mas Deus age do jeito que quer. Já vi gente se convertendo com evangélico exaltado dizendo assim: "Se você continuar rejeitando Jesus, você vai PRO INFERNO!!!" Essa jamais seria minha abordagem, mas o fato é que a pessoa que recebeu essa gentil recomendação do Evangelho está feliz e muito cristã até hoje, anos depois. :-)

O fato de eu ter pregado racionalmente a meu amigo daquela vez (ele é um cara bastante racional) não significa que eu tenha uma mente cartesiana. Aliás, Paulo costumava fazer longas pregações, bem expositivas e racionais. Outro exemplo é a pregação do autor de Hebreus (um dos livros que mais amo). Quanto a mim, costumo mesmo é contar os milagres da minha vida para os incrédulos, mais até que pregar racionalmente. E aqui no blog há alguns textos que denunciam a mentalidade cartesiana.

De qualquer modo, foi bom você ter pego esse bonde para dizer o que disse, embora tenha sido o bonde errado. :-) E, last but not least, o assistemático pode também, no fim das contas, acabar virando um sistema, bastante conforme à mentalidade de nossa época. ;-)

Norma disse...

Faltou dizer: gostei da história das flores.

Norma disse...

Oi, Luiz! É isso mesmo! Apesar de todos os defeitos da igreja, eu sou muitíssimo grata a ela pela mensagem do Evangelho. Fico triste com o coração de alguns evangélicos, cheio de ressentimentos para com ela. Eu já fui um pouco assim, mas me corrigi. Hoje, ataco posturas e idéias (e procuro ficar atenta às doenças que surgem nas coletividades), mas não o faço com a instituição como um todo, nem com as pessoas. Fica injusto demais, no fim das contas.
Que bom que você veio pelo MSM. Quem dera mais evangélicos o lessem!
Abração!

Norma disse...

Jelson, obrigada pelas palavras tão carinhosas! Abração pra você!

Suênio, eu continuo meio sem vontade de abordar esse assunto, calvinismo X arminianismo... Mas, se alguém aqui quiser, fique à vontade.

Vilma disse...

Norma: gostei muito do que tu escreveste!
quando dizes que desde criança tens consciência do mal e que isso de certa forma, te poderia afligir, era exactamente o que eu sentia. E quando ouvi o plano de Deus achei-o tão maravilhoso, tão libertador, que pensei: mas é só assim???
E quando falo disso com outros sinto pena também por não haver dentro deles a mesma alegria que eu senti, mas é como tu dizes: fazemos a nossa parte..o resto é com Deus!
Um abraço fraterno!

Oswaldo Viana Jr disse...

Norminha,

"Não foi pela dialética que Deus desejou salvar o seu povo" (S. Ambrósio, um dos Pais da Igreja).


O Paulo Brabo descreveu bem, em linhas gerais, o sentimento que eu tive ao ler seu post. A pergunta que eu me faço é: qual era/é a real necessidade daquele seu amigo? Estaria ele verdadeiramente interessado em conhecer a doutrina da Redenção? Ou para ele seria apenas mais uma bela mitologia?

Acho que foi Pascal quem disse que todo ser humano tem no coração um buraco, um vazio que só pode ser preenchido por Deus. Eu completaria dizendo que o formato desse buraco é muito diferente de uma pessoa para outra. É possível pensarmos que aquela rejeição no restaurante fosse a expressão, mesmo que inconsciente, do seguinte: "Ah, estou cansado de conversas de mesa de bar" (veja que estou tentando "salvar" o cara de qualquer jeito! Talvez apenas uma tragédia consiga tocar seu coração, e mesmo assim ele ainda poderá resistir).

Da mesma forma, eu consigo entender sua amiga espírita. A graça é mesmo absurda, só faz sentido quando se a experimenta. Se ela não nos invadir primeiro, como abrir mão dos nossos méritos, conseguidos com tanto sacrifício? Aliás, ela não está nem aí para os méritos que tenhamos ou deixemos de ter.

Infelizmente, racionalismo (que é o pelagianismo em filosofia) e cartesianismo estão sempre se infiltrando em tudo o que fazemos, pensamos e até sentimos. Eu que o diga. Gostei muito da seguinte passagem que li recentemente num boletim católico:

"Ninguém está totalmente convertido, sabemos. Conversão é desejo diário, é necessidade que define o dia-a-dia de cada um de nós, ainda peregrinos. É busca consciente e constante, luta de todos os que almejam a verdade que é o próprio Deus. Ora, a luta pela conversão é, portanto, a luta pela verdade".

No entanto, você exprimiu de forma bela e exata o que é a graça, e que "a aguda consciência do mal é o primeiro passo para a reaproximação de Deus". Parabéns por sua linda capacidade de expressão. Isso é também é graça!

Norma disse...

Vilma, Oswaldo, Luana: que comentários lindos! Muito obrigada!

João Emiliano Martins Neto disse...

Você hoje é anti-espírita Norma?

Norma disse...

"Anti-espírita"? Hum, que termo mais antipático. Não diria isso. Mas diria, com Goethe, que somos os críticos mais ferozes das teorias e crenças que abandonamos.
Abraços!

João Emiliano Martins Neto disse...

Talvez a tese da Graça esposada por Santo Agostinho seja um dos pomos de discórdia entre os espíritas e os cristãos formalistas (católicos e reformados), pois para nós espíritas a máxima de Jesus "a cada um segundo as suas obras" parece ser incontornável prezada irmã Norma. Este aforismo é muito repetido por Allan Kardec no livro "O Céu e o Inferno".
Para vocês formalistas, o receber de um sacramento (Catolicismo), a justificação pela fé (evangélicos já basta, para nós do cristianismo essencial ou espírita seria um começo, mas as provas e expiações são o complemento natural.

João Emiliano Martins Neto disse...

Com exceção do Espiritismo, concordamos no conservadorismo, nas teses liberais, em abominarmos o relativismo e o ceticismo e eu defendo a tese ao lado de outros espíritas de que o Espiritismo ortodoxo desde Kardec defende o liberalismo econômico e é anti-marxista completamente.

Abraços,

JOÃO EMILIANO MARTINS NETO

Norma disse...

É isso, João Emiliano: percebo bem claramente, como você assinalou sobre Agostinho, que a graça é o que mais fundamentalmente diferencia o cristianismo das outras religiões. Sei por experiência própria que o espiritismo kardecista cultiva a moralidade cristã e adota ensinamentos de Jesus. Meu avô, espírita kardecista, amava a figura de Jesus. Mas foi só ao me tornar cristã, lendo diretamente a Bíblia, que descobri que Jesus realmente se presentifica ao homem como o próprio Deus que vem ao mundo para salvar a humanidade pela expiação dos pecados em seu próprio corpo, na morte da cruz. Isso fica claro nas muitas outras coisas que Ele fala sobre si mesmo.

Os religiosos em geral fazem bem em ser conservadores, liberais economicamente e anti-relativistas, pois sabem que o esquerdismo quer aproveitar as energias religiosas intrínsecas no homem para aplicá-las na adoração e obediência cega ao Estado. Falo sobre isso no meu post "O marxismo na genealogia do Anticristo". A única religião que o esquerdismo suporta é a que não se opõe a ele, e que se traduz no fervor com que alguns defendem o aborto e outros itens da agenda politicamente correta.

Abraços e continue por aqui!

Anônimo disse...

Norma. Com todo respeito, é muito cômodo aceitar a graça. Então posso matar alguém e no dia seguinte aceitar a graça e pronto, estou perdoado.

Norma disse...

Anônimo, isso não faz sentido. O perdão requer verdadeiro arrependimento, que não pode ser conseguido dessa forma mecanicista. O cristão sincero não vê jamais a coisa dessa forma. O processo todo é doloroso e muitas vezes tem seqüelas - para a pessoa que pecou, para os outros - , e Deus não isenta a pessoa de confrontar essas seqüelas. Leia a Bíblia e você vai ver que o verdadeiro processo de arrependimento envolve dor e mudança. Abraços.