21 janeiro 2006

A teologia da modernidade

A politização de todas as teorias, principalmente nas áreas de humanas, é uma das mais fortes marcas da modernidade, quase invariavelmente comprometida com o esquerdismo. Na literatura, a vertente "Estudos Culturais", inspirada em Foucault, reduz todos os movimentos, estilos e autores a expressões de "minorias"; é assim que surgem os inacreditáveis rótulos como literatura feminina, literatura gay. Seus adeptos elegem o grau de comprometimento político como critério máximo de valor litérario e até Shakespeare é julgado negativamente por não pôr em suas peças palavras libertárias na boca de criadas e demais “oprimidos do sistema”. (Quem não acredita, leia Literature Lost, de John M. Ellis.) Fora dessa vertente, há outra linha falsamente rival, também toda embebida de Foucault. Seus partidários fingem uma postura mais blasé e cospem de lado ao mencionar os Estudos Culturais como "redutores da literatura", mas acabam adotando a mesma politização ao proclamarem, foucaultianamente, que todo discurso sobre a verdade é uma tentativa de dominação política - e com base nisso não só negam a existência da verdade, mas condenam com vigor doutrinas que a defendem, principalmente o cristianismo. Não admira, diante desse quadro, que a academia seja predominantemente anticristã.

É quase tedioso verificar o quanto essa tendência uniformiza os discursos nas salas de aula e nos corredores das universidades. A mim só não me entedia porque sofro há anos com essa situação. Porém, tenho sofrido muito mais ao ser obrigada a reconhecer que a politização esquerdista, com seus irmãos naturais imanentismo e relativismo, enraizou-se – e há muito! – no ambiente em tese menos propício a ela: igrejas e seminários, mesmo os que se confessam, de boca, ortodoxos.

Sobre isso, o abençoado blog O Tempora O Mores tem trazido análises acuradas sobre a infiltração desse amálgama de política, imanentismo e relativismo na teologia, que é a nova forma que muitos encontraram para se dizerem protestantes – “nova” para quem não conhece a história, plena de mistificadores. Em teologuês, esse caldeirão funesto se chama liberalismo, ou neoliberalismo – que é o liberalismo mais sutil e mais esperto, travestido não só de alta intelectualidade e liberdade de pensamento, mas, muito pior, de fé verdadeira. É assim que pastores e professores de seminários têm estragado a fé sincera e simples de muitos estudantes e, graças a Deus, indignado a outros que não caem em suas armadilhas verbais. Um dos leitores do blog citado, Josaías, trouxe nos comentários a um post de Solano Portela um impressionante exemplo do quanto o (neo)liberalismo e o esquerdismo estão intimamente associados ao contar a história de professores que gostam de tratar o Antigo Testamento como ficção, reduzindo-o a irrelevantes manifestos sociopolíticos. E ainda o fazem de forma profundamente desonesta, ao posarem de verdadeiros convertidos.

Diante disso tudo, dá até para brincar de matemática:

esquerdismo = relativismo = imanentismo = anticristianismo = desonestidade intelectual = fingimento = enganação do povo = NEOLIBERALISMO TEOLÓGICO

Precisamos orar muito para Deus tocar esse pessoal para longe dos seminários e trazer para dentro os cristãos verdadeiros. Um grande movimento de denúncia na internet, nas igrejas e nos seminários também seria uma ótima opção. Não suporto mais a idéia de que o ensino da Bíblia esteja vinculado a ideologias do Anticristo. Isso se chama prevaricação. E seus autores não sairão disso impunes se deixarem de se arrepender, pois, como diz a Palavra cuja verdade eles desprezam, nosso Deus é fogo consumidor.

12 comentários:

Lata Mágica Recife disse...

Agradecemos a visita e os comentários a nossa exposição de fotografias.O apoio dado nos dá força para continuar.
Odilene&Willam

Anônimo disse...

Norminha,

enquanto os autores do tempora-mores denunciam o neo-liberalismo no seu campo teologico e eclesiastico-prático, você faz uma excelente denúncia no campo da literatura que nos faz enxergar a verdadeira epistemologia dos liberais.

Li um texto de Foucalt, sobre analíse e origem do discurso, uma aula magna na França representando um resumo do seu pensamento, vi isso mesmo, todo discurso tem interesse político por trás o que relativiza a verdade , sendo uma tentativa de esvaziar o cristianismo de seu caráter absoluto.

Como você é especialista em literatura francesa, tem também o estruturalismo que é um determinismo secular em que a sociedade molda o que o individuo pensa totalmente.

Essas vertentes tem influênciado o campo da interpretação bíblica, consequentemente o fazer teológico e finalmente faz estragos com a fé e a devoção do povo de Deus.

Continuemos denunciando os falsos ensinos!

Que Deus te abençoe!

Norma disse...

Odilene e Willam, continuem contando com meu apoio! O trabalho de vocês é muito lindo.
Juan, essas vertentes são perniciosas porque aleijam de seus adeptos toda noção de realidade fora deles, já que no meio acadêmico repetem sem parar que "toda verdade é uma construção". Para eles, o mundo não é um lugar dado de antemão, do qual eles humildemente aprendem algumas coisas. Eles são tão viciados em pensar que verdades não são verdades (ou seja, que a objetividade não existe) que chegam a duvidar da possibilidade mesma do conhecimento. Ora, não obstante, produzem conhecimento adoidado, sob a forma de copiosas obras. Diante disso, dá para confiar no que dizem? Não dá, né?
Houve um anônimo que escreveu assim: "Ô fundamentalismo doentio!" Dá-me vontade de rir! O que é mais doentio: a indignação contra os que dizem que não há verdade e com isso condenam o ser humano a patinhar eternamente no terrenos de suas "sensações" ou essa profunda hipocrisia que faz o sujeito estudar e lecionar teologia sem crer, e ainda se divertindo em deixar os estudantes perplexos e confusos? Mas a gente sempre tem a opção de orar pelos (neo)liberais, enquanto eles são cegos guias de cegos, igualzinho aos fariseus, que também estavam no meio intelectual-religioso por todas as razões possíveis e imagináveis - menos por amor a Deus.

Anônimo disse...

Norma,
Fiquei preocupado com o conceito de neo-liberalismo teológico.
A transposição acrítica e a ressignificação de termos construídos em um campo epistemológico, no caso o das Ciências Econômicas, e seu uso em outro campo, no caso a Teologia, são bastante complicadas como operações conceituais.
Se a gente não se cuida, a coisa acaba virando um "samba do crioulo doido".
Só um pequeno exemplo para esclarecer: No seu esquema de neo-liberalismo teológico, a primeira categoria é esquerdismo. Agora se você vai para um neo-liberal mesmo, que nega peremptoriamente qualquer intervenção do Estado na economia, e os mais radicais negam até o Estado em prol do mercado, você está nos pondo diante um conflito de significados.
Eu creio que a tentação de usar uma boa expressão não deve sacrificar o rigor conceitual. Isso vale para a maioria das características que você elencou como componentes de seu conceito de neo-liberalismo teológico.
Desculpe, mas isso não existe. É como o neo-liberalismo econômico. Um rótulo para dar modernidade ao arcaico, que o velho liberalismo, tanto em economia quanto em teologia, ambos, aliás, bastante daninhos. Ou será que dá prá ser liberal em economia e não ser em teologia?
Marco Aurélio

Solano Portela disse...

Caro Marco Aurélio:
Interjeitando-me no diálogo acima, pergunto - liberal no conceito norte-americano, ou liberal no conceito euro-brasileiro? Apesar do mesmo rótulo, incrivelmente, identificam correntes opostas e isso gera uma confusão daquelas...
Solano

Norma disse...

Olha, Marco, como simpatizante do liberalismo econômico eu também não gosto desse uso de "liberal" para a teologia. Na verdade, o termo é impróprio mesmo: teologia "liberal" dá a entender sutilmente que a "outra" teologia (a dos que crêem) é escravizadora ou impositiva, fechada. E é essa mesma a idéia deles, assim como o que subjaz ao termo "teologia da libertação". As duas vertentes vieram desbancar o conservadorismo e nada melhor, para os relativistas e esquerdistas, que vestirem a capa de "liberdade" - estratagema usado pelo menos desde a Revolução Francesa, em que o ateísmo foi elaborado como doutrina intrinsecamente libertária pelos intelectuais enciclopedistas para enfrentar a Igreja e a monarquia então unidas. Na modernidade, que em grande parte se nutre da Revolução, é preciso desconfiar sempre da palavra "liberdade" e seus correlatos, pois via de regra não passam de disfarces para pretensões de tomada de poder, seja acadêmico, seja político.

Agora, o termo na economia não tem a mesma raiz ou pretensão, e sugere uma real liberdade na medida em que o mercado se regula por si, sem o intervencionismo do Estado. O liberalismo econômico defende a livre iniciativa e um Estado com um poder mínimo. Isso remete a liberdade mesmo, e não as pseudo-religiões ou as pseudo-correntes teológicas que, de braços dados com o esquerdismo, têm na fachada libertária apenas um grande apelo de publicidade.

Para finalizar, não fui eu quem inventou esses termos todos... Se eu pudesse, deixava o liberalismo econômico como está e mudava "teologia da libertação" para "teologia marxista" (ou "esquerdista", ou "revolucionária", ou "da luta de classes"), bem como "teologia liberal" para "teologia descrente" (ou "simbólica", ou "subjetivista", ou "só de brincadeira"). Isso, é claro, se eu quisesse apenas ser justa, sem a intenção de ofender. :-)

Norma disse...

É isso, Solano.
Meu comentário aqui ficou muito grande, logo transformei-o em post.
Abração!

Anônimo disse...

Prezada Norma;

Gostei muito do seu blog. Cheguei até ele pelo O Tempora O Mores. Parabéns por seus posts. Sua abordagem sobre o liberalismo é consistente. Em minha opinião, o ponto é o mesmo estabelecido há anos por Abraham Kuyper: o liberalismo é Filosofia e não Teologia. Escrevi algo sobre isso hoje, em meu blog.

Coloquei ainda um link para seu blog. Se houver algum problema é só entrar em contato, que providenciarei a retirada.

Fique na paz de nosso Senhor.

Norma disse...

Opa... Vou precisar pesquisar melhor para escrever um post sobre o assunto. Parece que há, sim, uma correlação histórica entre o liberalismo econômico e o teológico. Não gostei muito de saber disso, mas faz sentido, visto o número de liberais ateus que existem até hoje. O post ainda vai demorar para sair. Vivendo e aprendendo. :-)

Rev. Misael, imagine! Ter meu blog indicado por seu site é uma honra para mim. Farei o mesmo aqui. Visitei-o rapidamente, só para passar uma vista d'olhos no post sobre o liberalismo (estou trabalhando agora), e gostei muito. Logo logo estarei dando passeios mais prolongados por lá. Abraços!

Anônimo disse...

Tenho minhas dúvidas de se o termo "liberal" é uma propriedade da Economia. Palavras de mesma raiz (ao menos quando traduzidas para nossa língua) são profusamente encontradas na Bíblia, tanto positivamente (liberdade e liberalidade) quanto negativamente (libertinagem).

De mais a mais, uma vertente teológica importante no nosso continente usa o nome "Teologia da Libertação". Será que deveríamos chamar seus participantes de "libertistas" ou "libertarianistas", ao invés de "liberais"?

Por fim, já ouvi bastante o termo "liberal" como expressão usada por alguns calvinistas mais engajados para enquadrar pessoas menos afeitas a suas crenças em predestinação e soberania de Deus, categorizando aqueles que optam pelas passagens sobre amplitude da salvação falando de "todos", ao invés da preferência calvinista daquelas que falam de "muitos" (ou "poucos"), como uma deliberada atitude de afronta à autoridade da Escritura; nem é preciso relativizar o Velho Testamento ou politizar os profetas ou o Cristo.

Oswaldo Viana Jr disse...

Eita, que assunto complexo! Gostaria de indicar para vocês os verbetes "Liberalismo", do Dicionário de Ciência Política do Norberto Bobbio, e o da enciclopédia Mirador. O liberalismo é multifacetário, sim. Porém, a raiz dele é filosófica e teológica, e acha-se no séc. XVII.

Coincidentemente, hoje mesmo eu reli o seguinte trecho de uma nota do final da "Apologia" do Cardeal Newman (c. 1870), intitulada, precisamente "O liberalismo":

"Têm-me pedido que explique mais desenvolvidamente o que entendo por liberalismo, porque chamar-lhe simplesmente o princípio antidogmático é dizer muito pouco sobre ele. (...)
Sempre que há homens capazes de agir, corre-se o risco de a ação ser extrema e desmedida; por isso, quando há exercício do intelecto, é também possível o capricho e o erro da sua ação. A liberdade de pensamento é em si mesma um bem, mas dá azo à falsa liberdade. Ora, por liberalismo eu entendo falsa liberdade de pensamento, ou exercício do pensamento em matérias em que, dada a constituição do espírito humano, o pensamento não pode alcançar qualquer resultado satisfatório e está, portanto, deslocado. Entre essas matérias contam-se os princípios fundamentais de toda e qualquer espécie; destes, as verdades da Revelação devem ser consideradas especialmente como os mais sagrados e momentosos. O liberalismo comete, portanto, o erro de submeter ao juízo humano aquelas doutrinas reveladas que por natureza o ultrapassam e são independentes dele, e de pretender determinar em bases intrínsecas a verdade e o valor de proposições que para a sua aceitação assentam simplesmente na autoridade externa da palavra divina". (p.317-19)

Norma disse...

Paulo, eu também achei que não tinha associação, mas descobri que tem. É histórica, por isso a convergência da nomenclatura. Vou estudar mais e depois posto sobre isso.

Excelente citação, Oswaldo!