15 outubro 2005

O silêncio de Deus


Uma vez, li que um pastor estava chateado porque Deus havia parado de falar com ele. Esse pastor havia tido experiências muito fortes com Deus - que se revelava quase audivelmente - e andava se sentindo um pouco abandonado. Então, foi para o monte e clamou a Ele, pedindo uma palavra, uma explicação, um sinal. Vieram-lhe à mente algumas verdades bíblicas sobre a imutabilidade de Deus, sobre a Sua graça - e o pastor entendeu naquele momento que, se Deus estava quieto, era porque tudo o que havia dito estava por ora suficiente, sobretudo a certeza inabálavel que ele agora possuía das maravilhosas implicações da obra de Cristo na cruz. Lembrou-se de toda essa riqueza que lhe tinha sido dada para sempre e, por gratidão, chorou.

Mal sabia eu que essa leitura me alimentaria para algo que seria de minha própria experiência alguns anos mais tarde: o silêncio de Deus. (Mal) acostumada, tal como uma criança que tem satisfeitas todas as suas vontades, eu me senti murchar quando, ao contrário do que acontecia antes, Deus parecia não me trazer nada à mente com a oração - palavras, versículos, insights, visões esclarecedoras, tudo isso agora parecia fazer definitivamente parte do passado. Agora, pensei eu, teria que costurar algumas impressões aqui e ali, de modo confuso, para ter alguma idéia do coração de Deus sobre o que eu havia posto diante Dele.

Foi quando a leitura da história do pastor sobre o silêncio de Deus me fez pensar. Por que não fala mais? Ou, por outra, por que não fala mais destes modos a que eu havia me acostumado? Sim, porque um dos modos (e justo o mais impactante para mim) permaneceu: a organização da mente a que Ele procede através das obras de autores não-comprometidos com o anticristianismo moderno, que não negam a verdade nem a transcendência mas as buscam como aquilo que há de mais importante (Olavo de Carvalho, René Girard, John M. Ellis, Glenn Hughes, Eric Voegelin, Louis Lavelle, Viktor Frankl). Sem essa ação sobre a mente, verdadeira "arrumação de Deus", reconheço, grata, que não poderia viver.

Não que viver sem as intervenções mais diretas (e miraculosas no sentido estrito) de Deus seja um mar de rosas. Mas tenho aprendido algo sobre esse silêncio: quando ele ocorre, é porque não há novidades em especial da parte Dele. Posso seguir em frente com tranqüilidade apenas lembrando-me de tudo que já me foi dito. É quando a exortação do salmista Davi parece ganhar força especial: "Bendize ó minha alma ao Senhor / e não te esqueças de nenhum de Seus benefícios." A memória é nossa grande aliada para trazer ao dia presente aquilo que, para Deus, continua valendo. Pois talvez uma das graças mais lindas que Deus pode nos conceder seja a capacidade de perceber o fio condutor que mantém alinhados a uma rede de sentido nossas ações, nossas decisões e nossos estados de alma. Reconhecer como estamos e entender o que Deus nos tem ensinado é condição sine qua non para a saúde emocional e espiritual do cristão verdadeiro e amoroso para com Deus. Porém, períodos particularmente confusos podem ser férteis, pois algumas questões antigas podem retornar para ganhar profundidade.

E, por causa da angústia, consigo reconhecer por fim que minha revolta com o silêncio de Deus vem do borbulho de um medo irracional: de que Ele tenha mudado com relação a mim; de que Ele não me ame mais; de que Ele tenha parado de perdoar os meus pecados. São momentos em que até o medo de não ser realmente salva pode se insinuar por entre esses pensamentos tortuosos: muda diante de Seu silêncio, penso, teria eu perdido o rumo do coração de Deus? Porém, a verdade é que Suas ovelhas não se perdem - não porque saibam trilhar retamente o caminho, mas porque, sempre que tendem para o lado, Deus as traz de volta. É essa a garantia que nós temos.

Em tempos de silêncio, posso então compreender que a grande revelação que Ele tem para todos nós o tempo todo, sempre nova porque maravilhosa, é: "Há perdão para você, não importa o que tenha feito ou o que ainda faça; há perdão para você em meus braços."

8 comentários:

Oswaldo Viana Jr disse...

Lindo, lindo!

Por falar em medo de não ser salva, você sabe como é a doutrina católica sobre a salvação (pelo menos até antes do Vaticano II)?

Norma disse...

Não sei não. Posta aqui pra gente!

Paula disse...

Olá Norma.
Gostei muito do teu post, pois ilustra bem o que passei há algum tempo atrás: o silêncio de Deus.
Tudo o que aprendi nesse momento é exactamente o que falas.
Um beijinho português!

Norma disse...

Querida Paula,
O silêncio de Deus é duro de suportar. Mas há um grande conforto - e sob esse silêncio ele parece maior ainda - de que, apesar do que sentimos ou do que deixamos de sentir, Deus prometeu (está em Sua palavra) que estaria conosco incondicionalmente, até o fim. Embora não esteja dando mostras claras de Sua presença, eu sei que Ele está comigo - e essa certeza se fortalece na medida em que preciso fincá-la não nas minhas emoções, mas nas palavras de Deus. Isso é maravilhoso, e um momento de grande aprendizado. Porque Ele não nos rejeita jamais: "Os que o Pai me deu, ninguém os arrebatará da minha mão."

Edson Camargo disse...

Isso que é texto. O resto é escrivinhação... Lindo, profundo e brilhante.

Continue brilhando, flor!

Abraço do Eliot.

Norma disse...

Obrigada, Edson e Pizarro, suas opiniões, como cristãos sinceros, são muito importantes para mim.

Grande abraço!

Norma

Vilma disse...

Excelente texto, Norma! Muito real! Um abraço deste lado de cá! :))

Lavrador disse...

Bom dia.
Obrigado pelo texto que nos apresenta.
Continue a escrever-nos assim.

Bem haja!