10 outubro 2009

Resposta a um comentário não publicado II

Diante do que foi dito no post anterior, vejamos o que a Bíblia afirma sobre os pecados que você, Deborah, deixou de mencionar em sua mensagem: “Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia” (Gl 5.19). Outra versão (Almeida Corrigida e Revisada Fiel) divide o primeiro termo grego, porneia, em adultério e prostituição. Consultando mais alguns comentários e o Catecismo Maior de Westminster, descubro que a linguagem da Bíblia (logo, a mentalidade da época de Jesus) não faz diferença entre adultério e prostituição, ou fornicação, segundo demais versões. Enquanto você condena o adultério apenas quando não consentido pelos cônjuges, a Bíblia é muito mais abrangente.

Consultei pelo menos nove bíblias em linguagens diversas, incluindo mais dois idiomas que domino (inglês e francês), e as traduções diferem muito pouco entre si. Os termos são intercambiáveis: o primeiro, porneia, pode ser prostituição, fornicação, adultério, perversão, libertinagem; o segundo, akatharsia, foi traduzido por impureza (definido por John Stott como comportamento sexual anormal); e o terceiro é aselgeia, lascívia, dissolução, desregramento. Em suma, é justo o “sexo solto” que é condenado como obra da carne, portanto, um dos maus frutos do pecado que habita em nós. Seja em atos, em palavras ou em pensamentos.

Quanto à masturbação, torna-se evidente que é um dos aspectos da lascívia. Dificilmente há masturbação sem a ajuda de imagens mentais lascivas; ainda que houvesse, a dissociação entre o prazer e o amor é própria à impureza. Você se refere à manipulação inconsciente do feto ou do bebê, mas entenda que nenhum adulto se masturba assim, não é? Quando recorremos a imagens mentais para nos satisfazer sexualmente, estamos dizendo a nós mesmos que não podemos alcançar essa satisfação sozinhos, mas preferimos companhias imaginárias que simbolizam relações superficiais, apenas para um prazer físico imediato. E esse procedimento cava dentro de nós um abismo sem fim, pois não podemos distanciar nossa alma do hábito de nossos pensamentos. Posso dizer portanto sem medo de errar que a masturbação é uma espécie de preparação da alma para as relações sexuais sem amor.

Compreendo que afirmar isto é loucura em nossa época fragmentada, em que não só perdemos toda noção do quanto pensamentos, palavras e ações são um todo em cada um de nós, mas sobretudo deixamos de enxergar os pecados sexuais como fragmentadores (nisso, o termo “dissolução” fala por si) – algo que alguns séculos atrás, em sociedades profundamente influenciadas pelo cristianismo, era tão óbvio que não demandava explicações copiosas. Calvino, por exemplo, sempre tão prolixo em tudo o que escreve, não dedica mais de poucas linhas descritivas a esses pecados em seu comentário sobre Gálatas, adicionando-lhes porém uma valiosa observação: “São pecados proibidos pelo sétimo mandamento.”

Qual o sétimo mandamento? “Não adulterarás”, justamente! Ao compreender a Bíblia dessa forma, Calvino imita o procedimento do próprio Cristo, que em seu Sermão do Monte mostrou aos discípulos que a Lei de Deus está muito além de preceitos exteriores.

Diante da enumeração desses quatro pecados como “obras da carne” (“carne”, aqui, não em sentido literal, mas em oposição aos “frutos do Espírito”), é impossível deixar de notar que o sexo sem amor é condenado na Bíblia. Mas esse “amor” não é o laço frouxo do “namoro” (algo que sequer existia nos tempos bíblicos), e sim o amor verdadeiro, profundo e indissolúvel, apenas presente no compromisso matrimonial. Deus criou o sexo para, além da procriação, aprofundar o amor conjugal – amor que não abandona (Jesus o proíbe), mas cuida do outro por inteiro, corpo e espírito, até a morte.

Adão reconheceu em Eva “carne de sua carne”, um só corpo. Nessa monstruosidade que o pecado inventou, o “sexo casual”, não há como reconhecer o outro como si mesmo. Não há como reconhecer nada além do próprio prazer físico. Os corpos no sexo casual são desconectados e fragmentados. Longe de serem apenas pura busca de prazer sem maiores consequências, cada um dos pecados sexuais mencionados nas Escrituras aponta para a mesma atitude interior: o afrouxamento dos laços do amor. É por isso que eles são elencados junto com os demais na lista do apóstolo Paulo: “...idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus” (Gl 5.20-21).

Como você, Deborah, disse em sua mensagem, “o sexo é uma energia muito poderosa”. Concordo: por isso, é destrutivo sem as amarras do amor profundo e responsável. Aprendi tanto na Bíblia quanto na vida (porque me converti aos 24 anos) que sexo entre solteiros é desgosto (ainda que oculto ou inconsciente) pelo amor verdadeiro. Ter sexo com alguém a quem não se ama (e quem ama casa!) é algo que machuca a alma. Entendo hoje que essa “energia poderosa” funciona como um cimento: não dá para “colar e descolar” à vontade, a não ser que consintamos em uma boa dose de desmanche do que somos. Nem a criatura mais romântica do mundo escapa disso, se não passar pela mudança de mente operada pela conversão cristã. No início da vida sexual, os rompimentos de namoros que incluem sexo machucam muito (seja sincera com você mesma e você vai se lembrar), literalmente arrancando partes de nós; mas depois de muito tempo, em nome do prazer sem compromisso fomentado pela cultura, começamos a nos forçar a nos acostumar com o processo. O resultado é que nos tornamos cada vez menos propícios a permanecer em um relacionamento. Casamos já pensando em descasar... porque aprendemos a “colar e descolar” em uma roda sem fim. Hoje é Fulano, amanhã é Sicrano... Todos sabemos que o resultado desse “sexo solto” equivale a divórcios em série (e mágoas, crianças feridas, descrença quanto ao amor...). Culpa da “revolução sexual” dos anos 60? Certamente, mas sobretudo culpa do pecado que jaz em nós.

Que Deus a ajude a compreender e vivenciar o verdadeiro amor conjugal Nele.

Abraços.

10 comentários:

Anônimo disse...

Cara Norma,

É justamente por ser esta "energia poderosa", que o sexo não deve ser desfrutado onde não há uma entrega verdadeira.

Infelizmente, no mundo pós-moderno, os jovens se desnudam com naturalidade, transam insaciavelmente, tudo sem experimentar a verdadeira intimidade.

Transar por transar, pode até satisfazer a carne, mas não preenche o coração. Sexo por sexo pode levar ao orgasmo, mas não traz satisfação.

Abraço fraterno,

Leonardo Gonçalves

Cristiano Silva disse...

Olá Norma,

Que bela defesa sua do amor verdadeiro, não fingido, que se compromete e não abandona, tão defendido na Bíblia e tão deixado de lado nos dias de hoje: uma época onde o prazer parece ser o nosso grande objetivo. Já leu o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley? Pois é, se não estamos totalmente neste futuro distópico, já batemos a casa dos 80% pelo menos.

Que Deus continue te abençoando e usando-a como Seu instrumento.

Hoje tirei o livro A Abolição do Homem de C. S. Lewis da estante, e o li inteiro hoje mesmo, e lá, em meio à toda a sua argumentação, ele usa uma frase que me lembrou muito os debates dos últimos comentários: "a rebeldia das novas ideologias contra o Tao [1] é a rebeldia dos galhos contra a árvore: se os rebeldes pudessem vencer, descobririam que destruíam a si próprios."

[1] No sentido que o autor quis dar: a moralidade verdadeira e objetiva, que para mim é apresentada nas Escrituras, quando Deus se revela à humanidade. A frase de Lewis me lembra portanto de algo (triste) que vejo acontecer dentro do meio cristão.

God bless.

Anônimo disse...

Embora a discussão tenha acabado, acho que vocês irão me perdoar se eu citar este texto:
http://guilhermedecarvalho.blogspot.com/2009/09/impureza-sexual-tem-cura.html

A lei mosaica também trata de sexo e casamento de uma maneira bastante clara, respeitando as autoridades, que foram dadas por Deus, como os pais, e a ordem na sociedade. (Alguns "cristãos" não se importam muito com essas coisas). E como os profetas mesmos sempre apontaram, não fazia sentido cumprir a lei externamente mas não a cumprir de coração, querendo quebrar a lei na imaginação. Dá pra dizer que o NT não é muito inovador nessa área.

Ricardo Mamedes disse...

Olá Norma,
Muito profundo o seu comentário, exatamente porque não relativiza, não contemporiza. É o que você acredita ser, com uma defesa bíblica substancial. Sem grandes delongas, eu diria que o sexo casual, ou sem amor, ao invés de trazer satisfação plena, traz um vazio, uma busca incessante, um abismo. No entanto, seria farisaísmo negar que travamos uma constante batalha em nossa mente contra as fraquezas que teimam em nos tragar, não somente nessa seara, mas em tantas outras do mundo natural.
O amor, entretanto, a meu ver, é o ápice da conquista humana. Maior do que encontrá-lo, somente quando encontramos Cristo - e eis que este é o amor que nos salva, nos resgata, nos reconcilia com o Criador... Amplexos. Em Cristo.
Ps: caso queira, faça uma visita ao meu blog: ricardomamedes.blogspot.com

Anônimo Suplicante disse...

Oi norma, aqui é o Thiago Piza
Eu faço parte da sua comunidade no Orkut.
Recentemente, me converti, e aceitei Jesus Cristo.
Não sabia que estava vivendo no erro, mas agora
toda a minha vida ficou clara!
Acho que os seu blog também me ajudou nisso.
Por isso desejo tudo de bom para você, e fique
com Deus!
Acabei de fazer um blog, e se você quiser dar uma
olhada, será muito bem vinda! O site é
http://thiagopiza.blogspot.com
Louvado seja N.S. Jesus Cristo!

Norma disse...

Olá, Thiago!

Obrigada por suas palavras. Só fiquei curiosa em saber como uma protestante ajudou em uma conversão católica. ;-)

Abraços!

Fernando Pasquini disse...

Olá Norma!

Devo dizer que textos como estes são realmente muito difíceis de se encontrar no meio cristão, talvez porque vão muito contra a visão da maioria das pessoas atualmente (inclusive alguns que se dizem cristãos). Mas é um tema básico (tão básico que C. S. Lewis discorre bastante sobre ele em Cristianismo Puro e Simples), que deve ser muito esclarecido, e com certeza você fez isso muito bem! Parabéns! =]

Também tenho que comentar o trecho em que você diz que "Deus criou o sexo para, além da procriação, aprofundar o amor conjugal – amor que não abandona (Jesus o proíbe), mas cuida do outro por inteiro, corpo e espírito, até a morte". Alguns católicos chegam a acusar bastante os protestantes dizendo que são adeptos da liberdade sexual (e infelizmente alguns realmente o são...), mas esta frase esclareceu muito bem o nosso pensamento. De fato, ainda existem argumentos com base bíblica que confirmam esta frase.

Não sei se já ouviu falar ou conhece um site chamado XXXChurch. É uma fundação criada por vários cristãos nos EUA voltada a ajudar pessoas que de alguma maneira se encontraram viciadas no sexo ou na pornografia. De fato, o site mesmo afirma o sexo pode ser algumas vezes como uma droga - por estimular sensações de prazer no cérebro, pode causar dependência física nas pessoas, e o site busca auxiliar os cristãos tanto novos como antigos que se viram na situação de abandonar este vício. O site passa longe de ser bom, sendo algumas vezes bem medíocre; mas por outro lado, apresenta excelentes artigos explicando porque a pornografia e a "libertinagem" pode causar problemas na vida de um casal ou mesmo de um solteiro e porque vai de encontro com as Escrituras. http://xxxchurch.com/

Grande abraço!

Norma disse...

Oi, Fernando!

Engraçado você ter mencionado essa sua experiência com os católicos! A minha é bastante diversa: um bom número de católicos que conheci me disse que achava bela e desejável a castidade, mas que não conseguia segui-la - mas com uma despreocupação tamanha que duvido que a achassem de fato necessária.

Porém, concordo que hoje tudo está bem diferente da época em que me converti (há uns 10 anos). A lascívia tem angariado muitos adeptos dentro dos muros da igreja protestante e isso é muito triste. Vamos orar para que Deus traga mais santidade para nossas igrejas.

Abração e obrigada pelas palavras amáveis!

Professora disse...

Olá Norma,

Graça e paz!

Sei que não foi seu objetivo maior aqui falar sobre masturbação, muito menos esgotar o assunto sexo. Mas foi o comentário de Calvino citado de leve por você que me chamou mais atenção nesse texto muito bem escrito. Eu acho complicado a gente falar de masturbação sem antes conceituar o termo, tanto é que você não vai ler neste comentário nem uma letra indicando que penso que a masturbação seja ou não pecado. ACHO que depende.

O que eu imagino que a Déborah tenha argüido no post dela seja talvez a teoria freudiana que dá um sentido muito maior à abrangência do conceito de masturbação. Para alguns psicanalistas até o fato de roer unhas, alisar os próprios cabelos, chupar o dedo... seriam formas de masturbação.

O extremo oposto ao que seria o conceito anterior baseado em sensações táteis são algumas mulheres no oriente médio que chegam ao orgasmo apenas via pensamento sem estimular tatilmente qualquer parte do corpo.

Pra piorar, o Caio Fábio também já usou essa palavra num sentido diferente. Ele disse algo como masturbação intelectual, jactanciosa, narcisística – coisa de fariseu (se é que entendi bem o que ele disse).

No meu entender, Norma, Jesus não conceituou nem masturbação nem adultério quando ensinou que “qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura já adulterou com ela”. Nem atrelou uma coisa à outra como Calvino parece fazer. Cristo está apenas mostrando para seus interpeladores legalistas que o Senhor vê o coração onde nasce o pecado. Então pra mim, a coisa não é tão cartesiana como meros professores de EBD como eu gostaríamos que fosse, mas depende do que há no coração.

Não obstante, penso que masturbação é masturbação e adultério é adultério. Uma coisa não necessariamente leva a outra. Afinal, se não houver intenção impura, olhar para uma mulher não é pecado; ter desejo sexual não é pecado; tocar o próprio corpo não é pecado e fantasiar também não é pecado. Como você sabe há fantasias sexuais relatadas no livro de Cantares com alusões e comparações explícitas sobre seios e cachos de uvas, sobre fazer amor numa vinha e muitas outras, porém o amor daquele casal é considerado puro. É palavra inspirada de Deus tanto quanto I Co 13 ou Jo 3:16 e a Bíblia toda. (E foi escrito por Salomão... ainda bem... porque se não, a igreja o interpretaria apenas alegoricamente, método que segundo Calvino, “só afasta os crentes da verdade” - desculpe a brincadeira!).

Voltando... quero pedir a sua ajuda aqui, minha irmã: Será que eu poderia dizer que masturbação só é pecado se for um meio para cometer um outro pecado ou toda masturbação em si já é pecado?

Se toda masturbação em si já é pecado, em que consiste ou qual seria o seu conceito? Onde é que ela começa e onde termina? Esse conceito é bíblico ou estamos indo além do que o Texto Sagrado diz? Será que eu ou o Aurélio, Freud, Caio Fábio, Calvino, o Papa ou a tradição da igreja (calma, isso foi só um exagero retórico) teríamos autoridade pra determinar um conceito BÍBLICO para o “pecado da masturbação”? E se o fizéssemos estaríamos contrariando o princípio do Sola Scriptura? Por que?

Minha querida, peço respeitosamente a você que me mande também a fonte daquele comentário de Calvino, o qual não conhecia, pois da forma como entendi nas suas palavras, o comentário dele me pareceu tão superficial que talvez não seja bem o que estamos entendendo. Gostaria de analisar isso melhor, até porque, não acho que as atitudes e pensamentos impuros que podem advir do ato da masturbação estariam proibidos apenas no sétimo mandamento, mas em vários outros do decálogo mesmo, inclusive.

Já agradeço pela atenção e o carinho em responder.

Rossana

Norma disse...

Oi, Rossana,

Obrigada por seu comentário. São muitas perguntas e todas elas merecem a devida atenção. Assim que puder, escreverem mais detidamente sobre o assunto. Prometo que não demoro.

Abraços!