18 fevereiro 2007

Da série Soco no Estômago II – Amebas que amam

Autores evangélicos da tão popular tendência de auto-ajuda insistem no amor e na compaixão, na abertura de mente, na revisão dos conceitos e preconceitos, na meditação perigosamente próxima às práticas panteístas – Simone Weil diz que “estar atento” para Deus é “suspender nosso pensamento, deixando-o desligado, vazio e pronto para ser penetrado pelo objeto” – e raramente falam daquilo de que a igreja evangélica brasileira realmente precisa: discernimento, espírito crítico, leitura, aprimoramento das faculdades intelectuais. É por causa dessa “abertura” acrítica e cheia de empatia que tantos líderes inescrupulosos têm levado multidões no bico. Enquanto isso, continuam chovendo no mercado as publicações de auto-ajuda que promovem e reforçam um ideal de espírito contemplativo sem a ênfase em sua contrapartida, o conhecimento bíblico e a reflexão, sem os quais toda contemplação se perde no vazio. Não adianta criminalizar a rapidez do mundo moderno, o excesso de informações, a correria do cotidiano, a tendência workaholic, para pregar em seu lugar uma ascese apática com ênfase em um amor sem conteúdo racional, cujo objetivo parece mais a transformação dos ávidos e desatentos consumidores de novidades em sorridentes amebas que amam.

P.S.1 Esse texto é uma homenagem às avessas ao pior livro de auto-ajuda que li nos últimos tempos, de Henri Nouwen. Como a expectativa com relação ao autor era grande – criada artificialmente por recomendações de amigos e conhecidos – , a queda foi revoltante e dolorosa. A linguagem é bem mais apurada do que a que costuma freqüentar o estilo; porém, como uma “pegadinha”, é justamente isso que eleva a potências inimagináveis o grau de irritação do leitor esperando por substância: simplesmente não há. Lugares-comuns e banalidades em um tom pomposo ultrapassaram o limite do que eu podia suportar. Nouwen, nunca mais.

P.S.2 Não me julguem mal. Não sou elitista e também consumo textos populares (embora, confesso, não preferencialmente). No mesmo dia em que terminei o malfadado opúsculo nouweniano, li por diversão o Psico-gato, de Pam Johnson-Bennett, uma “consultora de comportamento felino” que conta suas experiências com os gatos de que tratou. Como gateira assumida, devorei suas páginas em duas horas de puro prazer quase ronronante. Pois o fato, que conto sem o mínimo constrangimento, foi que o livreto me fez chorar de emoção feliz no final. Bom, não vou estragar as coisas: leia e descubra por quê.

14 comentários:

Anônimo disse...

Oi Normíssima, como vai? Eu já tinha lido o Nowen, e já sabia disso que você falou. Ele é influenciado pela mística oriental, como Thomas Merton (aliás, os dois são da mesma tribo). Também o acho fraco, apesar que não entendi muito bem o que quiseste dizer com relação ao amor e à compaixão. Creio que o mundo precisa de valores humanos como estes. A maldade e o materialismo estão imperando. Com relação a rever valores e preconceitos, creio que é isso que nos faz crescer. Mas concordo que devemos buscar o discernimento e mais profundidade na compreensão intelectual dos arcanos da fé. Sendo que o intelecto sem a iluminação, se perde no labirinto de Dédalo. A iluminação e o discernimento espiritual devem ser nosso "fio de Ariadne". Creio, Normíssima, que devemos buscar, numa expressão carismática (pra mim), o casamento da Divina Verdade com o Divino Bem; da Divina Sabedoria com o Divino Amor; da Fé com a Caridade; do entendimento com a vontade. Estas não são só palavras ditas ao vento (como em Nowen), mas realmente ganham sentido por serem elucidadas racionalmente em toda a obre de Swedenborg.

Wander Morínigo Teixeira disse...

Ola
Devemos observar estes (amor e compaixão) sem nos esquecer daquele ( discernimento e estudo da Palavra, assim como os Bereanos).
A falta de amor e compaixão nos faz fariseus hipocritas que pregam mas não vivem, e a falta de discernimento, nas suas palavras, amebas que amam.
Na ausencia de um deles, prefiro ser uma ameba que ama do que um hipocrita crítico. Pelo pouco que sei do Cristo, o primeiro é um bem-aventurado, o segundo alguem que nao entraria no Reino de DEUS.
DEUS seja contigo

Norma disse...

Caro Wander,

Nesse texto, "amebas que amam" é uma ironia. Entenda "amor" aqui não como o verdadeiro amor cristão, mas o simulacro anticristão moderno do amor: a tal tolerância politicamente correta. Você é leitor recente e com o tempo perceberá mais nuances do que eu digo.

Outra coisa muito importante: não dá para separar o amor do entendimento. Entendimento não é acúmulo de informação racional nem erudição, mas sim aquilo que Paulo (em Romanos 12:2) chamou "metanóia" - renovação da mente, que provoca mudança de vida, atitudes, cosmovisão e, sim, relacionamentos - para a conformidade progressiva à vontade de Deus. Lembre-se do que Jesus disse em Marcos 12:33: devemos amar a Deus não só com o coração e a força, mas com todo o nosso entendimento. Não há conversão verdadeira sem metanóia.

Grande abraço!

Norma disse...

André, você também não pescou a ironia. Leia aí em cima meu comentário ao Wander. E dessa vez passa a propaganda do Swedenborg, mas só dessa vez, hein? ;-)

Anônimo disse...

Norma, eu me lembro que uma vez você falou sobre Nouwen no seu blog. Ele era um apoiador da teologia da libertação (ele até ganhou o Prêmio Thomas Merton, na prática, que é dado a quem mais propagou a teoliga da libertação, ou qualquer outra coisa comunista), panteísta, adeptos de metódos de meditação contemplativa, e muitos dizem que ele era homossexual.

Estes autores de auto-ajuda sempre são decepcionantes. Eu mantinha expectativas parecida em relação a Eugene Peterson Jurgen Moltmann e tive decepções parecidas.

Norma disse...

Pois é, Rafael. Eu ainda não tinha lido o rapaz. Foram muitas recomendações positivas. Mas que decepção com a falta de profundidade! Há autores de auto-ajuda que têm uma linguagem mais simplificada e conseguem transmitir mais conteúdo que ele. Isso sem falar nos trechos mais apelativos. É dose.

Gustavo Nagel disse...

O ponto é: não se trata de uma opção entre discernimento e amor. O cristão não cumpre devidamente sua vocação quando despreza um desses dois aspectos. E só reforçando: pra piorar, o amor pregado por esses "apóstolos" da modernidade nada tem do amor cristão; nada.

Abraços.

Paulo Cruz (PC) disse...

Norma, seria muito pedir que me dissesse qual foi o livro que leu?

Abraço e Paz,
PC

Paulo Cruz (PC) disse...

O silêncio significa "não"?

Norma disse...

Hehehe!
Em inglês, You Turn my Mourning into Dancing Again.

Se você disser "ah, mas esse é exceção, você precisa ler esse outro e tal", o que respondo é que realmente não sei se quero me arriscar a repetir a experiência. Foi traumática. :-)

Paulo Cruz (PC) disse...

Não, não direi, porque gostei desse mesmo (se for o "Transforma meu Pranto em Dança")! rsrs

Não achei tão terrível assim.
Achei algumas afirmações tão discrepantes (ou forçadas) quanto as da Simone Weil, por exemplo. Mas não menos brilhantes em seu contexto.

Mas esse pessoal místico é assim mesmo, você não acha?
Eles tentam traduzir em palavras uma experiência extremamente pessoal e, geralmente, são incompreendidos.
Quem consegue captar a dimensão que João da Cruz tem do "Amado", por exemplo? É dificílimo! Soa até meio vulgar (em minha opinião). Mas, ao mesmo tempo, não nos soa extremamente familiar?

Li o último capítulo, que ele fala sobre a morte, no saguão do aeroporto de Brasília, pensando: "Já pensou se estamos lá no alto e esse troço começa a cair? Será que conseguiria tal desprendimento?!"

Eu gostei. E não diria que tem que ler outro, mas que tem que reler o mesmo! (rsrs)

Abraço e Paz,
PC

Norma disse...

Eu li João da Cruz e gostei; não me lembro o quê, infelizmente, faz tempo.

Na minha modesta opinião (hehehe), eu acho que sempre dá para ser pessoal sem cair no sentimentalismo.

Mas o que me irritou mesmo no Nouwen, além do que escrevi, foi a pretensão e o tom do livro, como se seu autor fosse um daqueles personagens de ficção científica que são tidos como sábios e ficam dando conselhos a rodo, sem falar muito de si mesmos. Achei meio superficial, na verdade. Não acredito em conselhos quando a pessoa dá a impressão de jamais ter precisado deles antes. A gente fala melhor e com mais humildade daquilo que já viveu.

Mas é legal ter pelo menos uma opinião discordante expressa aqui. :-)

Abraços!

Paulo Cruz (PC) disse...

Ah, então agora, sem querer ser chato, eu digo que tem que ler outro: "A Volta do Filho Pródigo", da Paulinas. É o mais autobiográfico que eu li.

E o capítulo sobre o Nouwen no "Alma Sobrevivente", do Philip Yancey, é bastante esclarecedor também.

Não desista, Norma! (rsrs)

Abraço,
PC

Anônimo disse...

Henri Nouwen, rogai pela Norma.