26 julho 2006

Ufa! Vetado o projeto burro

Que os leitores me perdoem o azedume, mas o Projeto de Lei Complementar n° 79/2004, que estendia a obrigação do diploma e do registro de jornalista a funções como diagramador, desenhista e comentarista é - não há outra palavra - burro. E muito! Felizmente, o projeto foi recusado hoje, depois que a Associação Brasileira de Imprensa enviou à presidência um pedido de veto, em um texto surpreendente pela liberdade que toma ao lançar mão de bem-feitas ironias.

Em entrevista, o autor do projeto, deputado e pastor Amarildo, pontificou várias vezes que seu objetivo foi "valorizar a profissão de jornalista". Bom, lendo as críticas da ABI, fica difícil entender como e onde as propostas cumprem esse objetivo. Confira alguns trechos:

6. Ao pontificar sobre seara que lhe é estranha, o autor da proposição deixa entrever que desconhece não apenas o cotidiano da vida interna dos órgãos de comunicação, mas igualmente a realidade das faculdades de Comunicação Social, que se pretende sobrecarregar com a obrigação de formar profissionais que prescindem de formação de nível superior, como é o caso, por exemplo, do Arquivista-Pesquisador, do Diagramador, do Assessor de Imprensa ou do Ilustrador. (...)

Se tivesse vivência em redação de jornal, o autor do projeto saberia que há um monte de funções envolvidas na produção jornalística que não precisam nem de diploma nem do conhecimento universitário. Como não tem essa vivência nem se informou adequadamente, ficou sem saber que a aprovação de seu projeto desempregaria um monte de gente. Shame on him.

7. A todas essas inadequações se junta a proposta da inclusão nos textos normativos da profissão de jornalista da figura do Professor de Jornalismo (inciso XXI do art. 6º), atividade que deve ser definida e regulada pela legislação pertinente à organização do ensino superior. Mais que inadequada, é absurda a instituição da figura do Comentarista (inciso XIII do citado art. 6º), novidade que desde logo afasta a possibilidade de os meios de comunicação, especialmente o rádio e a televisão, recorrerem a especialistas para análise de questões que o veículo considere relevantes.

8. Além de impedir que, afora os profissionais já em atividade, cujos direitos adquiridos terão de ser respeitados, pessoas com notório saber em seus campos de atividade, como ex-jogadores, ex-treinadores e ex-árbitros de futebol, sejam chamadas a fazer comentários sobre suas especialidades, o PLC n° 79/2004 ignora a impossibilidade de formação universitária de profissionais sob a denominação genérica de Comentarista. Para se capacitar para o exercício de atividade de tão largo espectro num veículo de comunicação, o profissional teria de contar com uma formação de saber enciclopédico, o que demonstra a inconsistência e o despropósito da disposição proposta.


Hahahaha! De todas as estocadas, "saber enciclopédico" é a melhor. Ou seja, o autor do projeto queria que essa formação bizarra de "Comentarista" substituísse o professor de português que alerta o leitor para erros de redação, o professor de literatura que aborda escritores e obras, o ginecologista que fala na tv sobre saúde da mulher, o economista que trata da situação do país, o filósofo que traz para o grande público o saber universitário em uma linguagem mais acessível... Fosse assim, o jornalista-comentarista teria de ser o Super-Safo, pronto para falar sobre tudo e mais um pouco. Retomo a pergunta lá de cima: em quê isso valoriza o jornalista ou torna melhor a atividade jornalística? Em nada: apenas a rebaixa, impedindo os verdadeiros especialistas de falarem na mídia e promovendo academicamente a superficialidade, mais do que já estamos acostumados a suportar. E por que raios apenas o jornalista tem direito à expressão midiática regular? A Fenaj, que apoiou as propostas, deveria se envergonhar por defender tal abjeção.

Na entrevista que deu à ABERT, o autor justifica as burrices do projeto dizendo "sou pastor, não jornalista". Mas autores de projetos não deveriam conhecer um mínimo daquilo que propõem? Por que o nobre deputado e pastor (é, a igreja tem que agüentar mais essa) não se limitou a falar do que sabe? Em vez disso, pagou mico e gastou à toa o tempo das diversas instâncias por que o texto nefando passou. Agora fica a constatação inevitável: se o Congresso aprova até isso, entende-se por que o País está desse jeito.

Em tempo: até quando os desejos de mudança na atividade jornalística se inclinarão para o cerceamento da liberdade? Será que essas pessoas que se esmeram nesses projetos não pensam além de interesses comezinhos? Não entendem que privar o povo do direito à imprensa livre é condená-lo à morte intelectual? Que Deus os leve ao arrependimento, é minha oração mais sincera.

21 julho 2006

Diálogos (espiritualmente) Irrelevantes III

- Acho que você deveria me pedir desculpas.

- Por quê?

- Porque no dia em que brigamos você disse que eu estava mal espiritualmente e que ia orar por mim!

- E o que é que tem?

- Isso é coisa que se diga, e ainda por cima no meio de uma discussão?

- Foi por causa da sua reação ao que eu falei.

- Mas aquilo que você falou foi horrível!

- Sua reação foi pior.

- Peraí, criatura. O que você está me dizendo? Pensa um pouco. A gente briga, não importa o motivo, e você sai pela tangente com esse argumento sobrenatural?

- Não é um "argumento".

- Ah, então agora você tem um aparelho de medir espiritualidade, é isso?

- Claro que não. Eu sei que só Deus pode julgar Seus filhos. Você pode até não estar mal espiritualmente, mas que parece, parece.

- !

- Opa! Peraí. Deus está me chamando agora. Vou ter que correr. Depois a gente se fala! Tchau.

- ...

15 julho 2006

A batalha pelo corpo de Moisés

Hoje cedo a voz a Guilherme Carvalho, mestre em Teologia e diretor do Centro Kuyper de estudos em teologia e cultura de BH. O texto é lindíssimo e, na contramão de tantos Caios Fábios e Gondins militando bem modernamente não só na antiteologia mas na anti-razão, Guilherme faz uma defesa da teologia de modo bastante poético e heterodoxo. Uma delícia de se ler!

Convocação à batalha pelo corpo de Moisés
do blog Idéia Fiksa

Enjoy!

10 julho 2006

A perfeita liberdade - Jornal Palavra

Publicado no Jornal Palavra

Conversei sobre minhas dificuldades de decisão com um amigo, que buscou me esclarecer de três “peneiras” às quais era útil, para um cristão, submeter suas opções. “A primeira é a normativa”, disse-me, “pois antes de tudo precisamos saber se o que cogitamos fazer é lícito diante de Deus.” Confidenciei-lhe que, de fato, as opções que me restavam já haviam passado por esse crivo. “Ótimo”, respondeu. “A segunda é a circunstancial, que consiste em testar os limites da realidade para o que pensamos fazer.” Ou seja, eu deveria conhecer os trâmites de cada uma de minhas opções, para saber se poderia realizá-las. Deus, nessa segunda peneira, me ajudaria a discernir entre objetivos alcançáveis e inalcançáveis.

Finalmente, a terceira peneira, o coração. “Se o que você pensa fazer está correto segundo os padrões de Deus e é realizável, resta decidir o que você mesma quer mais.” Ponderei que até cristãos costumam pular diretamente para a terceira peneira, com uma impaciência que acaba sendo fonte de muitos arrependimentos.

A igreja evangélica brasileira costuma de fato confundir as três peneiras, aplicando-as sem critério. Limites normativos são impostos em questões de menor importância, enquanto um deslimite subjetivista dilui claras instruções bíblicas. “Por isso é importante utilizar sempre os três critérios na ordem”, concluiu ele.

Toda essa conversa brotou-me à mente enquanto lia um livro sobre Rimbaud, poeta francês que, brigado com Deus, buscava se superar pela palavra. Seus poemas revelam uma luta constante contra uma profunda falta de esperança, o sentimento de fatalidade, o medo da inexistência de um “além” libertador e o risco constante de aniquilamento do eu. Uma luz me atravessou: se a vida com Deus se resume a progressivos “sim” que damos a Ele, paradoxalmente somos mais livres quando a peneira menor – nossos desejos – está contida na maior, a dos desígnios santos de um Deus santo e apaixonado por nós. É quando podemos nos referir com alegria à perfeita liberdade em Cristo, que nos faz exclamar como Sulamita ao rei Salomão: “Eu sou do meu amado.”

06 julho 2006

Diálogos (nada) Irrelevantes II

Fim de culto. O pastor que acabou de pregar pergunta ao visitante, também pastor:

- E então, o que achou?
- Bom...
- Diga.
- Olha, sei que você é um bom pastor e tudo, estudioso e esforçado, mas...
- Pode falar.
- O negócio é o seguinte: tenha paciência, mas hoje não há mais espaço para pregações de uma hora!
- Hã? Como assim, “não há mais espaço”?
- Ah, o povo não agüenta! Fica com sono, com tédio... Fica parecendo aula, conferência...
- Qual o problema de parecer aula ou conferência? O principal no culto é o ensino da Palavra!
- Claro que não! O principal no culto é cultuar a Deus com música, oração, comunhão...
- Veja: qual é a maneira mais devotada de cultuar a Deus, senão com o ensino de tudo o que Ele falou?
- Mas assim o culto fica muito chato! Tem que dar mais espaço para música, teatro, apresentação de dança... Isso é o que todo mundo está fazendo hoje! Você vai acabar perdendo membros, rapaz.

Pausa. O primeiro pastor volta à carga:

- Vem cá, me responda uma coisa.
- Sim.
- Você me disse que uma hora de pregação é demais.
- Exato.
- Dá sono, dá tédio.
- Sim.
- E que hoje ninguém mais agüenta.
- É.
- Mas me responda...
- Fale.
- Quando você diz “ninguém mais agüenta pregação de uma hora”, isso inclui você?
- ...
- Ou seja, essa é sua opinião apenas com relação ao que os membros devem ouvir ou você também acha que a pregação de uma hora dá sono e tédio?

Pausa. A partir daqui, há dois encaminhamentos possíveis para o diálogo.

Primeira resposta:

- (Sem graça) Ah, comigo é diferente...
- Ah é?
- Afinal, eu sou pastor, como você...
- Hum. Então você acha que nós, pastores, somos diferentes?
- Claro! Quer dizer, não porque somos melhores ou mais inteligentes que os membros...
- Sei.
- Mas porque, como somos formados em teologia, nosso grau de atenção e de interesse é maior...

- Você não acha que entre os membros não pode haver graus de interesse e atenção tão grandes quanto os nossos?
- Claro que pode!
- E você não acha que, mesmo que não haja, nós, como pastores, somos os principais responsáveis por aumentar esses graus de interesse e atenção?
- (Corando) Evidente que sim... Mas...
- Então, o que você está querendo dizer afinal? Uma hora é o máximo que uma criança agüenta, não um adulto. Você quer que os pastores tratem os membros como crianças? Ou, quem sabe, como espectadores de programa de auditório, e nós, os apresentadores, precisando variar a atração a cada vinte minutos?
- (Confuso) Não... não foi isso o que eu quis dizer...

Segunda resposta:

- O que estou dizendo me inclui, naturalmente, pois estamos na época da pós-modernidade e na nossa sociedade informatizada a comunicação é muito dinâmica. Por isso eu disse que não há mais espaço para longas pregações tradicionais. Afinal, hoje a troca de informações privilegia a imagem, não o texto, mesmo que seja texto oral. “Uma imagem vale mais que mil palavras.” Imagem ou som, naturalmente. A dança, a música, isso tudo fala mais fundo ao coração do povo que uma explanação bíblica de uma hora. A imagem e o som emocionam, o texto cansa.

O primeiro pastor não responde. O outro insiste:

- O que você acha?

Como resposta, o primeiro faz um meneio negativo com a cabeça.

- Mas por que você acha que não?

Ele levanta os ombros. Em seguida, pega sua Bíblia, as chaves do carro e aponta para a porta da igreja, fazendo um barulho: “Vruuuuum.”

- (Irritado) Que é isso? Você está de brincadeira comigo? Fala alguma coisa!
- Certo: não concordo mas deixa pra lá, preciso ir embora.

- E por que ficou fazendo gestos e barulhos igual a um maluco?
- Ué: entendi sua explicação e parei de falar, para não cansar você.

04 julho 2006

Novo artigo no MSM - Era Marx satanista?

Era Marx satanista?

Segundo Richard Wurmbrand, autor de Marx & Satan (Era Karl Marx um satanista?), Karl Marx não visava em primeiro lugar a tão propalada igualdade comunista, mas sim a destituição de Deus de seu lugar na sociedade e no coração das pessoas. A julgar por uma das mais eficientes devastações que o comunismo empreendeu onde quer que fosse implantado - a da fé (conforme as histórias da Rússia, da Coréia do Norte, da Albânia, da China, de Cuba etc.) - , isso não parece tão longe da verdade. De fato, todas as expressões concretas do comunismo, além de não cumprirem com o que prometiam, combateram a religiosidade de modo tão eficaz que engendraram um povo descrente ou alienado da transcendência divina, além de uma cruel perseguição aos fiéis remanescentes.

Porém, não apenas os resultados diretos da implantação de regimes comunistas atestam a centralidade do combate à fé. Muitos aspectos da vida de Marx demonstram uma consciente intenção de opor-se a Deus e uma direta influência demoníaca, desde sua juventude. O que impulsionou Marx para o comunismo não foi uma inclinação altruísta, conforme reza a lenda. É o que explica Wurmbrand: "Não há evidências para a crença de que Marx mantinha nobres ideais com relação à humanidade e teria adotado uma postura anti-religiosa por ter visto a religião como obstáculo a esses ideais. Do contrário, Marx odiava qualquer noção de Deus ou deuses e estava determinado a ser o homem que ia tirar Deus do cenário - tudo isso antes de abraçar o socialismo, que seria apenas a isca para que proletários e intelectuais adotassem para si esse intento demoníaco." Uma das evidências disso é que o primeiro mestre comunista de Marx, Moses Hess, era também satanista.

Um de seus biógrafos, Robert Payne, endossa as afirmações de Wurmbrand ao mencionar um conto infantil inventado por Marx, relatado por sua filha Eleanor: a história interminável de Röckle, um mago infeliz que vendia relutantemente seus brinquedos ao diabo por ter feito um pacto com ele. Diz Payne: "Sem dúvida essas historietas sem fim eram autobiográficas. Marx tinha a visão do Diabo sobre o mundo, e a mesma malignidade. Às vezes parecia saber que cumpria tarefas do mal."

Impressiona o fato de não se achar em suas cartas a Engels expressões do desejo de justiça social, mas sim preocupações com dinheiro (Engels o sustentava) e com heranças vindouras, acompanhadas de linguagem obscena e maldosas referências à morte iminente de parentes ricos - um tio que ele chama de "cão velho", por exemplo, cujo falecimento é finalmente celebrado pelos dois correspondentes. A mesma frieza é percebida no modo sucinto como relata a Engels a morte da mãe: "Chegou um telegrama há duas horas dizendo que minha mãe morreu. O Destino precisou levar um membro da família. Eu mesmo estou com um pé no túmulo. Pelas circunstâncias, sou mais necessário que a velha mulher. Preciso ir a Trier para ver a herança." É de se notar especialmente esse tom de quem se refere a uma instância superior de decisão - não Deus, mas o Destino - atribuindo-lhe ares de sabedoria cósmica ("sou mais necessário").
Quando novo, suas cartas ao pai já atestavam que, embora tivesse recebido educação cristã, afastara-se resolutamente da fé. Escreveu: "Uma cortina caiu. Meu santo dos santos foi partido ao meio e novos deuses tiveram de ser instalados ali." Enviou-lhe como presente de aniversário poemas de teor bastante anti-religioso:

Por ter descoberto o altíssimo
E por ter encontrado maiores profundezas através da meditação
Sou grande como Deus; envolvo-me em trevas como Ele


Perdi o céu, disto estou certo
Minha alma, antes fiel a Deus,
Está marcada para o inferno


Mikhail Bakunin, com quem Marx criou a primeira Internacional Comunista, escreveu loas a Satanás de modo flagrante, vinculando-o estreitamente aos objetivos comunistas:

"O Supremo Mal é a revolta satânica contra a autoridade divina, revolta em que podemos ver o germe fecundo de todas as emancipações humanas, da revolução. Socialistas se reconhecem pelas palavras 'No nome daquele a quem um grande erro foi feito'."

"Satanás [é] o rebelde eterno, o primeiro livre-pensador e o emancipador de mundos. Ele faz com que o homem se sinta envergonhado de sua bestial ignorância e de sua obediência; ele o emancipa, estampa em sua fronte o selo da liberdade e da humanidade, instando-o a desobedecer e comer o fruto do conhecimento."

"Nessa revolução deveremos acordar o Diabo nas pessoas, estimular nelas as paixões mais vis. Nossa missão é destruir, não edificar. A paixão da destruição é uma paixão criativa ."

A positivação do Diabo como o libertador do homem – que, tal como Prometeu, teria contribuído diretamente para que acedêssemos ao conhecimento que o próprio Deus nos negara – parece ter criado raízes na intelectualidade universitária, de tal forma que esta já é noção comum em alguns círculos. No entanto, é interessante notar que esse "Satanás Prometeu", indissociável dos primórdios do comunismo, não passa de um erro teológico grave, que deixa de considerar que a árvore do fruto proibido não portava o conhecimento tout court, a ciência, mas sim (e basta checar Gênesis 2:17 para confirmá-lo) o conhecimento do bem e do mal. A bela lição judaica desse excerto bíblico é que, ao fazer a escolha de conhecer o bem e o mal sem a permissão (logo, a ascendência) de Deus, o homem não consegue se dominar e praticar sempre o bem – ensinamento que traz luzes inequívocas para a relação entre transcendência e moralidade. Não é por acaso que o tema do mal é tratado com profundidade por dois autores cujos escritos certamente se valem da cosmovisão judaico-cristã: a filósofa judia Hannah Arendt (A condição humana, Sobre a violência) e o romancista cristão Fiodor Dostoiévsky (Os demônios, Irmãos Karamazov), que nos legou por um de seus personagens a máxima: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Se é difícil, diante disso, evitar a conclusão de que o esquerdismo se imiscuiu na vida acadêmica portando em si toda a pulsão destrutiva anticristã que hoje caracteriza o meio, menos ainda se pode mascarar a associação dessa revolta contra Deus, presente nos escritos de Bakunin e Marx, à ausência de freios morais que caracterizou todos os regimes comunistas de que se teve notícia.

A vida de Marx é recheada de comportamentos inadmissíveis e acontecimentos trágicos, assim como ocorre com todos os que se envolvem de perto com o demônio. Vivia às custas de Engels e da herança de parentes, embora pudesse se sustentar com seu conhecimento de línguas e a formação especializada, um doutorado em filosofia. Sua esposa abandonou-o duas vezes, voltando sempre, e ele sequer compareceu a seu funeral. Três de seus filhos pequenos morreram de desnutrição, sendo que pelo menos um deles, segundo a própria esposa de Marx, foi vítima dos descuidos do marido com relação ao sustento da família. Tivera ainda um filho com a empregada, negado e tratado como se fosse de Engels - que revelou o engodo em seu leito de morte a uma das filhas de Marx, com a preocupação de que ela não endeusasse o pai. Tinha, com essa, três filhas, que morreram novas: duas delas, do cumprimento de pactos de suicídio com os maridos (um deles se arrependeu e não cumpriu o ato). Os livros que escreveu, além de trazer uma linguagem vociferante de ódio, vinham recheados de dados inventados e citações falsas de autores como W.E. Gladstone e Adam Smith - distorções consideradas intencionais por pesquisadores de Cambridge, não fruto de displicência. Era dado a bebedeiras e irascível muito além do limite da tolerância: perdia amizades facilmente. Pessoas de sua convivência lhe atribuíram diversas vezes o epíteto "ditador" e um coração rancoroso. O próprio Bakunin no final declara: "Marx não acredita em Deus mas acredita bastante em si mesmo e faz todo mundo o servir. Seu coração não é cheio de amor, mas de rancor, e ele tem muito pouca simpatia pela raça humana." Fiel ao sábio princípio de não separar o pensamento do autor de sua biografia, Paul Johnson comenta de modo dramático as conseqüências da herança marxista na Rússia e na China: "No devido tempo, Lênin, Stálin e Mao Tsé-Tung puseram em prática, numa imensa escala, a violência que Marx trazia em seu íntimo e que transpira em sua obra."

Escrevo sobre Marx e já me vem à mente a história de Stálin contada por sua filha, Svetlana Alliuyeva. Em Vinte cartas a um amigo, ela realiza uma crescente e emocionada catarse ao falar de sua infância e juventude. Presenciou o devastamento de seus entes queridos, alvo das desconfianças obsessivas do pai. Quando não eram assassinados por supostas traições ao regime - parentes próximos, como seus tios, e também amigos íntimos da família -, sucumbiam a gigantescas pressões de morte, seja progressiva (seu irmão alcoólatra) ou imediata (o suicídio de sua mãe aos 30 anos). Na última carta, uma frase sua em especial assusta pela desolação com que constata: "Em torno de meu pai havia uma espécie de círculo negro - todos os que caíam em seu interior pereciam, destruíam-se, desapareciam da vida..." Examinando-se de perto a vida de Karl Marx e o posterior desenvolvimento do marxismo, tem-se a impressão de que o mesmo poderia ser dito dele, sem temor algum de exageros.

Intuindo o quanto a Rússia adotaria seus princípios, pouco antes de morrer Marx manifestava orgulho especial pela recepção de suas obras no país. Décadas mais tarde, o impressionante slogan soviético "Banir os capitalistas da terra e expulsar Deus do céu" não só confirmaria essa intuição, mas, principalmente, tornaria flagrante a missão do projeto marxista desde estados embrionários: destruir a fé em Deus. Em países como o Brasil, essa anti-religiosidade tem sido amenizada para passar a falsa impressão de um comunismo mais conforme à necessidade humana de transcendência, algo indissociável de nossa cultura. No entanto, as duas histórias de Karl Marx – a de sua vida e a de suas idéias – são reveladoras do quanto marxismo e demonismo se entralaçam inequivocamente. É estudar para saber.
Fontes:

Alliyueva, Svetlana. Vinte cartas a um amigo: as memórias da filha de Stálin . Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1967.
Johnson, Paul. Os intelectuais. Rio de Janeiro, Imago, 1988, capítulo 3, p. 64 a 94.
Wurmbrand, Richard. Marx & Satan. Living Sacrifice Book Co, 1986, capítulo 2, p. 20 a 35. Edição brasileira: Era Karl Marx um satanista?, Voz dos Mártires.

Publicado no Mídia sem Máscara