14 abril 2007

SHOW DE HORRORES

(O apresentador entra correndo e sorrindo no palco. Música de abertura.)

- Senhoras e senhores! Bem-vindos ao nosso SHOOOOW DE HORROOOREEEES!

(Aplausos entusiasmados. O apresentador espera pacientemente o ruído baixar, ainda sorrindo. Encaminha-se para seu posto no canto direito do palco.)

- Boa-noite, amigos da platéia!

- Boa-noiteeeeee!


- Que platéia maravilhosa temos aqui hoje! São estudantes universitários de teologia e ciências da religião, vindos de todos os cantos do país. Obrigado pela presença! A participação de vocês no Show de Horrores é fundamental! Como sabem, vocês têm o poder das multidões: aprovar ou desaprovar o que será dito no palco.

(Barulho ensurdecedor. O apresentador espera.)

- Para quem ainda não conhece o programa, o Show de Horrores tem como símbolo o monstro Frankenstein. (Mostra no canto oposto um boneco gigante cheio de escaras e cicatrizes.) A cada semana, promovemos uma competição ao vivo entre profissionais da área acadêmica. O ganhador é aquele que demonstrar a maior discrepância, a maior incoerência, a maior esquizofrenia entre suas idéias e sua vida!

(Aplausos e urros.)

- O tema de hoje é: Bíblia. (Um letreiro brilha acima dele.) Os profissionais que se inscreveram para esta competição são professores de seminários protestantes que também têm cargos de liderança em suas igrejas. Todos eles cumprem essa jornada dupla: ensinam a futuros pastores e pregam na igreja, orando em público e cuidando de suas ovelhas. Veremos o quanto são capazes de assumir posições conflitantes nas duas funções. Recebam agora nossos candidatos!

(Aplausos. Entram os professores de seminários, alguns tímidos, outros gesticulando animados para a platéia, com suas Bíblias debaixo do braço. Já instalados no canto oposto do palco, os jurados do programa colocam seus óculos e abrem suas pastas. Um deles pede ao apresentador para fazer uma observação sob a forma de pergunta.)


- Os professores costumam fornecer aos estudantes a base teórica do conteúdo veiculado em sala de aula?

(O apresentador parece confuso, e pede a um dos professores que responda. Antes de se levantar, o professor menos tímido olha para os demais colegas, certificando-se de que a resposta é unânime.)

- Não costumamos fazer isso.

- Ótimo. (O jurado parece satisfeito.) Excelente dado para a esquizofrenia.

(Todos parecem contentes, e o apresentador decide começar a competição.)

- Vocês sabem as regras: os estudantes fazem uma pergunta para cada professor. Se a resposta não for suficiente, o estudante pode fazer ainda mais uma para complementar. E não se esqueçam: ganha quem demonstrar mais esquizofrenia entre idéia e vida, teoria e prática!

(Candidatos e jurados assentem, ansiosos. O primeiro estudante se adianta.)

- Professor, quais as diferenças entre o que o senhor diz em sala de aula e o que o senhor ensina na igreja?

(O candidato sorri.)

- Na igreja, eu sou confessional e ensino a Bíblia como a Palavra de Deus. No seminário, sou acadêmico, científico, crítico. Posso questionar tudo que preguei na igreja, inclusive se a Bíblia é mesmo a Palavra de Deus.

(Ovação. O professor une as mãos em sinal de vitória. Satisfeito, o estudante retorna a seu lugar. Outro toma a palavra e se dirige ao segundo professor.)

Continua...

16 comentários:

Unknown disse...

Santo Jesus, Norma. Eu riria com sua excelente história, se ela não fosse a horripilante verdade em tantos seminários hoje.

É fácil demais saber porque esses professores ensinam o evangelho "burro" em suas igrejas; o evangelho natimorto no qual eles verdadeiramente crêem, e com qual contagiam mentes despreparadas, não é o evangelho de Cristo; e só o evangelho de Cristo pode salvar pessoas, e mante-los na igreja. Uma igreja na qual se prega Bultmann ao invés das Escrituras é logo uma igreja vazia- e de igreja vazia não sai dízimo.

Não é somente incoerência e esquizofrenia, é ganância, hipocrisia, e arrogância injustificável contra o Cristo que eles negam ao mesmo tempo em que elogiam.

Vitor Coelho disse...

Norma, sempre venho até aqui para concordar e elogiar e acabo nunca escrevendo. Justifico. Como leio com dias depois da postagem já tem tento comentário e tanta resposta tua que penso se valeria a pena escrever apenas para que você soubesse o que todos já disseram: Que você aponta o dedo na direção da ferida e cutuca ela com tanta vontade que chega a doer até na gente. Mas então hoje, quando pude ler no dia seguinte e com apenas um comentário venho para trazer uma discussão e não para tecer apenas todos os elogios que desejo. Desculpe, ok. Vamos lá?
Você propôs uma verdade pungente no nosso meio. Pessoas mascaradas de líderes que agem difrerente do que pregam e até mesmo cristãos de igreja, como se diz, que não são cristãos em suas casas, isso existe aos montes, infelizmente e o show de horrores não para por aí é bem verdade, mas então você nos confronta com o professor do fim e eu quase não posso discordar dele. Uma coisa é a Escola Bíblica, pela qual luto por profundidade por contundência, mas nas atitudes devocionais requer-se a devoção, entrega e adoração. Acreditando, tendo fé, buscando acreditar quando necessário. Existe o momento para ciência e existe o momento para a adoração e devoção. Existe o momento onde cada um de nós podemos confrontar nossas crises e buscar entender cientificamente Deus (Consigamos ou não) e existe o momento onde devemos nos entregar a esse Deus de coração. Existe o local para se fazer reflexões teológicas, sistemáticas, filosóficas e científicas sobre Deus e sua existência e existe local para reforçar tal existência, ainda que com reflexões teológicas, filósoficas etc. O Primeiro lugar é o seminário, o segundo é a igreja. Não vejo discrepância na atitude do professor que busca instigar seus alunos (Futuros líderes pensantes), mas apascentar as ovelhas.
Abraços. Espero nos vermos mais. Ah. Como não vi proibições nas regras, convido a você e a todos que visitem meu Blog, ele fala também sobre assuntos cristãos e atuais, coloquei inclusive um link para o seu lá. É um blog novinho em folha. Aguardo a todos. (www.vitorcoelho.blogspot.com)

Vitor Coelho

Norma disse...

Pois é, João. É triste que líderes evangélicos entendam como única forma de "inclusão" nas discussões acadêmicas a modalidade subjetivista e relativista de cristianismo, que não é cristianismo nenhum.

Oi, Vitor! Você tem razão ao dizer que a igreja não é propriamente o local para reflexões acadêmicas. Porém, o professor de EB que tem as duas características primordiais para desempenhar seu papel - conhecer bem o Evangelho e ser cristão verdadeiro - acabará sabendo incluir em seu ensino algumas questões "teológicas, sistemáticas, filosóficas e científicas", em uma proporção saudável e de acordo com o que seus alunos puderem receber, sem deixar ao mesmo tempo de apascentá-los como ovelhas. De fato, esse é o professor ideal: o que não separa nem razão e fé, nem teoria e prática, levando os alunos a amar a Deus "com a mente, a força e o coração".
Grande abraço!

Norma disse...

Ah, Vítor, esqueci de dizer: até agora, ninguém me falou que no blog eu "aponto o dedo na direção da ferida e cutuco ela com tanta vontade que chega a doer até na gente". Adorei! :-) Algumas pessoas me disseram isso pessoalmente (pessoas muito próximas), mas não leitores do blog. Fico feliz! Bom, foi um comentário elogioso, não foi? :-D Parece que essa é uma das minhas funções no mundo, "sacudir" as pessoas. Que Deus me ajude a sacudi-las na direção do que Ele quer para elas, é tudo que posso desejar e pedir quanto a isso.

Anônimo disse...

Norma:

o mesmissimo acontece nos seminarios catolicos. Esses "pastores" sao lobos vestidos de pastores, sao moedeiros falsos. A eles se aplicam as duras palavras de Jesus aos fariseus.No dia do JUIZO FINAL eles descobrirao que a eles se aplica a pena dos traidores: eles sao JUDAS que vendem Cristo por 30 dolares.Discordo do que Vitor. Coelho disse no final. O que a Igreja de Cristo necessita nao e' de sabios doutores, mas de APOSTOLOS, de novos Paulos e novos Pedros. Mas quem quer ser martir, hoje em dia?
Hereticus.

Anônimo disse...

Cara Norma,
Saudações calvinistas. Acho que não entendi direito o João Lemos quando disse que "Uma igreja na qual se prega Bultmann ao invés das Escrituras é logo uma igreja vazia- e de igreja vazia não sai dízimo". Ora, o que é mais incoerente, pregar Rudolf Bultmann e esvaziar a igreja ou enchê-la para angariar dízimos? Se for para levantar dízimos, correto está o Bispo Macedo pregando uma mensagem tão corrompida quanto a dos liberais. Contudo, pelo que entendi, o João Lemos não está errado, pois sua afirmação é sintomática da preocupação com as formas de arrecadar recursos financeiros, presente não só no coração de todo e qualquer pastor, mas unanime em todo o meio religioso.

Anônimo disse...

Hereticus clamando no deserto:

nao sou calvinista, mas retribuo cordialmente as saudacoes do Kilmer. A preocupacao com as formas de arrecadar recursos financeiros, que eu saiba foi manifestada primeiramente por Judas. Segundo Kilmer, essa preocupacao esta' presente nao so' no coracao de todo e qualquer pastor, mas [e'] unanime em todo o meio religioso. NAO e' isto o que Cristo ensinou. Pelo contrario Ele mandou seus discipulos abandonarem toda preocupacao terrena e se aterem com as coisas do alto, e tudo o mais seria dado por acrescimo. Mas quem acredita em milagres, hoje em dia?
Saudacoes hereticas,
Hereticus.

Gustavo Nagel disse...

Parece até um lugar que eu conheço.

Anônimo disse...

Cara Norma,

Embora seja a primeira vez que deixo um comentário aqui, sempre visito o seu blog, que é um dos melhores que conheço. Não sei por que, mas costumo pensar que você é o Pedro Sette Câmara versão feminina e... evangélica. Estranho. Talvez seja porque os dois escrevem com simplicidade e clareza, sem qualquer pedantismo.

Aliás, com quem você aprendeu a escrever? Há alguma gramática ou manual de redação que você indique? Algum romancista?

Abraço,

Davi

Unknown disse...

Kilmer,

saudações arminianas ;) O que eu digo é que os que se professam liberais nas universidades e seminários muitas vezes ocultam o seu ensinamento na igreja (com medo de espantar os irmãos) e apresentam um evangelho no qual eles próprios não acreditam, mas que é familiar aos membros, para que assim o fluxo de dízimos e ofertas não diminua. Não estava falando da incoerencia de se pregar um evangelho não-lucrativo (ao contrário, muitas vezes é falando a verdade- abrasiva e dolorosa- que pastores e obreiros afastam potenciais doadores), mas da ganância de quem esconde suas verdadeiras cores para receber dinheiro de igreja.

A questão do dinheiro existe não apenas na igreja, mas em todo grupo que chega a um certo tamanho e nível de organização- e a necessidade do dinheiro para manter a infra-estrutura da igreja e sustento dos que para ele trabalham não denigre ou desvaloriza o trabalho que ela faz. A igreja não deve trabalhar pelo dinheiro- deve trabalhar para Deus- mas o dinheiro é um instrumento para esse fim, e em algumas situações (trabalho social, contas de luz, alimentação de obreiros) é um instrumento necessário. Existe uma diferença grande entre o trabalhador que toma seu sustento de seu trabalho e os Macedos que fazem fortunas explorando a fé alheia.

Hereticus, as preocupações do alto são (ou pelo menos devem ser) a preocupação central (única, até) de quem segue a Cristo, mas não nos esqueçamos de que as preocupações do alto, do Reino dos Céus, tem tudo a ver com o que acontece também aqui na terra. A igreja deve estar ativa entre a sociedade, ajudando os que necessitam, e trazendo a eles a luz do evangelho. Cristo fazia o bem da maneira que podia- curando enfermos, expulsando demônios, e ao fim morrendo para nos dar vida eterna. De igual forma, a igreja tem que fazer tudo o que pode para ajudar curar o mundo, e usar tudo o que pode- e isto inclui o uso do dinheiro. Não devemos nos obcecar com nossa própria situação financeira, isto Cristo nos ensinou, mas como agentes do reino, é nossa obrigação nos importarmos com a situação do próximo, e o combustível que move quase todo movimento de assistência aos que precisam- de comida a roupas a tratamento médico- é o dinheiro. E como Paulo nos lembra (e quem afirma Cristo enquanto nega Paulo?), é direito do trabalhador da igreja tomar o necessário para seu sustento. O errado não é a igreja buscar formas de arrecadar dinheiro para obras sociais e pagamento de despesas, mas fazer dessa busca o coração, o centro, a motivação maior de suas missões. O centro é Cristo, e é obedecendo as ordens de Cristo que corremos para resgatar a dignidade dos que o mundo pisoteou; mas é fútil ficar de lado fazendo "tsc tsc" ao ver a igreja buscando os instrumentos com os quais pode (e deve) fazer essa obra.

Anônimo disse...

Norma, gostei desta historinha sobre os seminários. Ainda bem que você percebeu a velhacaria dos "eruditos" do mundo cristão protestante. Um é o discurso deles na academia; outro, o dos púlpitos. Corcordo com quase tudo, pois eu creio que a Bíblia é a Palavra de Deus, e é um livro revelado e diferente de todos os livros. Creio na sacralidade da Bíblia Sagrada, e toda essa dessacralização dela, tratando-a como um livro de literatura vulgar, vem do fato de que a reforma destruiu a noção de sagrado, enquanto aquilo que é distinto do mundano e temporal. A única coisa que poderia comentar é que, a despeito de crer na historicidade dos fatos narrados nas Sagradas Escrituras, a santidade da Palavra não residade na historicidade de suas narrativas, mas das verdades que são por elas veiculadas. O histórico é aquilo que está no tempo, portanto, é o temporal e o profano (o oposto do sagrado). Pois a Bíblia fala do que é Eterno, e a Eternidade é a negação do tempo, portanto, o oposto da história. A função das Escrituras é comunicar a sabedoria que está no espaço do sagrado, isto é, para além do tempo e da história. Mais importante que a história é a sabedoria espiritual. Um exemplo disso são as parábolas de Jesus (como a das dez virgens, por exemplo), que não são necessariamente históricas, mas comunicam a sabedoria espiritual que é a chave do Reino dos Céus, e é por isso que as Palavras do Senhor Jesus são Espírito e Vida. Essa é a visão dos Escritos da Nova Jerusalém.

Anônimo disse...

Andre Figueiredo

Infelizmente um "outro evangelho" é pregado tanto nos seminários protestantes quanto nos cátólicos (vide "teologia da libertação" e outras coisas que tais). Conheço pessoas ligadas a seminários de tradição protestante, e sei que há muitos professores que defendem um teísmo clássico e rejeitam as ideologias da moda disfarçadas de erudição. Há muitos que não se dobram ao espirito da época.
A idéia original protestante era trazer o sagrado para o dia a dia e não levar o profano para dentro da religião. Neste sentido, é uma proposta correta, conforme ensinam as Sagradas Escrituras "fazer tudo para a glória do Eterno".

Renato Ulisses de Souza

Anônimo disse...

Nada a ver com o assunto, mas vejam o artigo:

http://la3.blogspot.com/

Experiências com bebês abortados


Renato U Souza

Luís afonso disse...

Norma: O freak show teológico para mim é uma desagradável surpresa. A apostasia tomou conta? Como eles se sentem no papel de "pastores"?
Existem realmente pregadores que acreditam na palavra?
No mais o post é excelente. Como tudo o que tens escrito.
A tua capacidade de escrita criativa, metáforas é sensacional!

Anônimo disse...

Norma, me desculpe más eu nunca concordo com voce quando passo pelo seu blog. O objetivo do seu artigo parece que é demonizar os professores dos seminários que apresentam uma compreensão diferente da sua, até parece que no Brasil os seminários estão dominados por professores liberais. Voce acha isso? Lamento que as tentativas de ''pureza teológica'' ainda esteja presente nos meios fundamentalistas evangélicos . julio cesar

Norma disse...

Amigos,

A situação dos seminários, de forma geral, é preocupante, pois parece que o secularismo acadêmico tomou conta, digamos, de pouco mais da metade dos cursos oferecidos. Mas é claro que há professores sinceros, fiéis e honestos. Só não é o caso dos que se inscreveram para participar do Show de Horrores. ;-)

Julio Cesar,

Defina "pureza teológica" e "fundamentalistas evangélicos". Antes disso, pouco ou nada posso fazer por você.