17 agosto 2006

Frei Betto e a Cidade Perdida

O ano é 1958. Havana está mergulhada em um caos de bombas, assassinatos políticos, incerteza quanto ao futuro. Capangas de Batista caçam freneticamente os opositores do governo, enquanto Fidel e Che armam-se nas montanhas e atraem jovens idealistas de todas as classes para o sonho revolucionário. Desesperançado, o pai do personagem principal comenta:

- Até o próprio Cristo se muniu de um chicote para pôr ordem no caos. Acho que estamos precisando de um Cristo com um chicote.

Que ficasse claro: não era uma apologia da violência. Logo em seguida, cita uma palavra hindu para "resistência passiva". Era seu jeito de ver as coisas: transformação social sim, mas pela via democrática, sempre. Havia ajudado um político influente a elaborar um discurso contra Batista e contra o furor da revolução. O texto começava com um precioso lembrete da história antiga: o sábio Sêneca contra os tiranos Nero e Calígula. "Precisamos de líderes que se inspirem em Sêneca, e não dos Neros deste mundo", dizia.

O Nero que reinaria por quarenta anos em Cuba se preparava nas montanhas.

- Parece que chegou o autoproclamado Cristo - comenta o filho algum tempo depois, lembrando-se das palavras do pai. Seu chicote onipotente, a opressão, a mentira, o silêncio. A uniformização da pobreza, a decadência das belas construções, feiúra por todo lado. A humilhação disfarçada de justiça. Todo um povo impedido de gozar das delícias da própria pátria – cubano, sinônimo de pária no lado rico da ilha. Era o mundo que em 58 estava sendo preparado pelo novo Cristo às avessas.

2006. O que faz com que um homem aparentemente são veja o amor de Cristo em um Nero, mesmo muito tempo depois de atestados seus feitos? Que ignore ou finja ignorar que a revolução é a piada macabra dos últimos séculos – de que a aniquilação física e psicológica geraria vida no final? Frei Betto diz ao pastor cubano Raúl Suárez que "somos irmãos em Cristo e em Castro". Não é mero jogo de palavras. O nome do Nero moderno brilha ao lado do nome do Filho de Deus, que está acima de todo nome. Uma blasfêmia sorridente, publicada como corriqueira saudação entre iguais. Insensatez sem tamanho e sem medida, salão de espelhos que multiplica ao infinito as imagens estéreis da vaidade humana.

A frase de Federico, o personagem de Andy Garcia em Lost City, ecoa em meus ouvidos: "Parece que chegou o autoproclamado Cristo." Até quando usarão o nome Dele para perpetuar a iniqüidade? Valem-se de Seu nome, de Sua fama, de Suas palavras de amor eterno – pouco lidas, pouco compreendidas – para ocupar Seu lugar no coração humano. Amantes de si mesmos, usurpadores daquilo que é devido apenas a Deus: a adoração. Idolatria que gera idolatria e impede o verdadeiro Cristo de habitar em nós. "Questão de caráter", diz o pai logo no início do filme. Sim: pois não há mal que por si produza bem, e crer nisso nos transforma em impiedosas máquinas de matar, conforme queria Che Guevara. Do contrário, aprendemos com Cristo que a única morte capaz de gerar vida foi uma morte livremente consentida. "Dou a minha vida por amor de vós."

Anátema a qualquer simulacro deste que é o maior ato de amor da história. Os Anticristos antigos e modernos receberão a paga por sua loucura, e será feita justiça, pois o sangue dos mártires clama através dos séculos. "Para que saibam que só tu, cujo nome é o Senhor, és o Altíssimo sobre toda a terra (Sl 83:18)." Toda glória seja dada a Ele, somente a Ele.

13 comentários:

Luís afonso disse...

Tu conseguiste ver o filme?? Conta prá gente!!!

Norma disse...

Vou contar tudim! Vi o filme (excelente!!!) duas vezes para escrever uma resenha. Mas vai demorar um pouco, pois estou atoladíssima. Enquanto isso, güenta firme com essa "palhinha" aí. :-)

HelioPereiriano disse...

Vi o filme hoje na sessão das 17:00. Chegei a te procurar entre a platéia mas tive a certeza que não estava lá. Eram todos muito velhos ou jovens demais.

Uma coisa que para mim que foi digna de atenção é que no filme, uma rápida conversa expõe o grau de confusão com que as pessoas interpretavam Castro. "O Castro seria ele comunista ?": isso nos dá o que pensar sobre a o hábito da esquerda em fornecer um perfil ambíguo de si mesma, não assumindo sua identidade ideológica. Este filme tem o mérito de ser a maior crítica aberta ao regime de Castro feita pelo cinema americano. "Fico", o personagem de Andy Garcia, expressa claramente sua oposição a Castro como um dever moral ao ponto de resistir a tentação de viver com sua amada e considerando a situação em Cuba "um perigo para minha alma". É a posição de um homem íntegro que rejeita a oferta lucrativa de Meyer Lansky (o amigo mafioso de Lucky Luciano ), e não de um mero personagem que se sentiu prejudicado.

Norma disse...

Sim, Helio, o filme é tudo isso mesmo. Eu fui na sessão das 20h.

Infelizmente, a alma de quem se envolve com essas posições de esquerda sofre um perigo real. Essa é uma das razões mais poderosas para que eu continue a escrever o meu blog.

HelioPereiriano disse...

A propósito, acho que deixei cair nesta sala minha bombinha de asma. Se você viu alguma coisa por favor me avise ;)

Anônimo disse...

Norma, e essas pessoas tem alma?? rsrs :)
Procurei o filme nos cinemas aqui (Curitiba) mas não achei... em compensação outros dois pró-Castro estão em cartaz.
Frei Betto e caterva me irritam, tentar desmistificar o homem e sua TL exige um esforço quase hercúleo.
Abraço.

Anônimo disse...

Oi, Norma, mais uma vez sua crítica foi pertinente e de corte profundo. Gostei mesmo. Estou curiosa para assistir Lost City... onde moro não passou... será que encontro em DVD?
Abraço.
Em tempo: somente a Jesus toda a Glória! Que os ídolos virem cacos!

Marcelo disse...

Sabe,
Comprei o livro da Alina, a filha de Fidel Castro. Estou pensando em doar meus livros à Biblioteca Central da UFPB. Nela não há os livros indicados pela MSM. Não há "O livro negro do comunismo", não há a Bíblia Sagrada, e até o terrível (!) Dom Quixote de La Mancha, uma obra necessária, a melhor tradução no Brasil, teve o primeiro dos seus 5 números furtado.

Nós temos que investir no que é bom, na verdade, no belo... mesmo que sejam centavos perto do mar de dinheiro que o mal possui.

Mas, Deus é o Senhor da prata e do ouro, não é mesmo?

Marcelo Hagah
João Pessoa-PB

Norma disse...

Lele e Andrea, passou mesmo só no Rio e em Sampa. E dessa forma, uma semana em um cinema grande, outra em um cinemeco, com publicidade perto de zero e quase ninguém na platéia. Uma afronta!

Marcelo, onde você comprou o livro da Alina? Estou doida atrás dele!

Marcus disse...

Olá, sou irmão do Pastor Franklin.

Não se preocupe, a "prova dos 9" é que Fidel não retornará no terceiro dia. =)

Convido a visitar http://eravargas.blogspot.com/

Está só no começo =)

Luís afonso disse...

Hoje, 30 de agosto vi- finalmente - "a cidade não-tão perdida".
É o melhor filme "ruim" que vejo desde, desde...Ah! Lembrei: "A Queda".
"Ruim" por que se nota de longe o orçamento minguado na reconstrução de Cuba pré-Fidel. Perde até para "Os reis do Mambo" na comparação.

Mas tem coração. Tem alma.. Fico não perdeu a sua e o filme vai ganhando alma ao longo de seus 136 minutos.

O que marcou foi que na real é uma ode à família. Um indivíduo, mesmo sozinho e distante ainda fará parte de sua família. Esta fidelidade é maior do que qualquer outra coisa.

A bandeira de Cuba é a representação de sua família, seu estandarte...

É um daqueles filmes que crescem até DEPOIS da sua exibição. Procurar seus significados / leituras é muito rico. Vou escrever sobre o assunto...

Um abração para ti, guria!!

LA

Rodrigo Xavier disse...

Olá Norma,

Assisti ao filme esta semana e prepararei um texto também. Estou com o Luís: achei o filme ruim, mas com méritos.

E sob essa influência, estou buscando mais informações sobre a Cuba castrista.

Prisão perpétua a toda nomenklatura cubana!

Abraços.

Anônimo disse...

Estou preocupado com Frei Betto. Na juventude nutri por ele uma admiração muito forte. sou católico, mas não consigo entender a desmedida liberdade que este homem tem para dizer e desdizer o que pensa. Com toda a sua aura ele pode estar padecendo de vedetismo. Estou sendo muito radical ?