No blog, falo aqui e ali do amorrrrr, neologismo que criei para designar essa tão popular forma de pseudo-amor que nos torna coniventes com os pecados alheios. Mas nunca contei como tive de reconhecer em mim mesma uma imensa dificuldade de posicionar-me com firmeza em situações delicadas. Bom, na verdade é mais que isso. Sempre fui uma espécie de Zelig de saias, personagem de Woody Allen que adquiria a forma e os trejeitos de todos aqueles com quem travava contato. Quando pessoas queridas se abriam comigo, eu tendia a adotar a atitude de uma compaixão derramada e informe, amalgamando-me a suas dores e vendo a vida com seus olhos. Parece bonito? Não é não: como ajudar, se não conseguia confrontar? Resultado: tempos depois, sempre me dava conta de que poderia ter ajudado aquela pessoa se tivesse norteado minhas palavras pela visão correta, biblicamente orientada. Isso acontecia tanto – e ainda acontece, infelizmente – que até já perdi a conta. Sempre me faz sofrer; porque, na maioria das vezes, um ouvido amigo é bom, mas as pessoas precisam de muito mais que isso. (Por essa razão, também, nunca fui uma boa evangelista!)
Então, confesso aqui: sou uma relativista emocional
O relativismo emocional me custou muito. Foi a porta de entrada para pecados, manipulações alheias, confusões mentais. Foi o motivo de meu silêncio bovino quando falavam mal ou de modo enviesado da fé cristã em boa parte das aulas da pós-graduação. Foi a parte mais importante do pretexto para que eu quase me desviasse para sempre, enquanto cursava o mestrado na universidade e enxergava cristianismo nas obras de certos autores da modernidade francesa. Quando "voltei" pela mão misericordiosa de Deus e vislumbrei o abismo para o qual me dirigia, declarei uma definitiva guerra ao relativismo pós-moderno. Declarei guerra ao esquerdismo também, quando percebi que era o terreno comum de onde o relativismo brotava. No início, era uma guerra silenciosa, travada em meu interior na companhia de autores conservadores. E foi na amistosa companhia de amigos também conservadores que, em uma lista de discussão, aprendi a falar pública e livremente da minha fé e das reflexões bíblicas que sempre me ocuparam. Devo muito a eles, a essa lista, ao encorajamento que recebi, para que pudesse começar a me expor com mais segurança.
Poucos meses depois, fundei o blog e, mais fortalecida, transferi minha guerra para cá. As duas pontas se confirmavam mutuamente: no blog eu falava de minhas experiências sem contá-las, ou seja, apresentava ao leitor apenas o resultado do que tinha vivido tão dolorosamente; ao mesmo tempo, essa apresentação esclarecia melhor esses conteúdos para mim mesma, deixando mais "assentado" o que eu havia aprendido. Como afirmava Sócrates: "Uma vida não-examinada não vale a pena ser vivida." O blog passou a ser o espaço do meu reexame, em que cada preciosidade cunhada por Deus a mim, e entregue ao leitor, tinha uma longa história de busca, tristeza e quedas por trás. Um reexame que eu fazia e faço publicamente para ajudar outros, mas, em primeiro lugar, para combater todos os dias a terrível relativista que sou. É meu jugo e meu fardo, parte de minha luta cristã, que resulta nessa bênção miraculosa: ao expor minha transformação, transformo-me mais profundamente e ainda dou ensejo a que outros se transformem também, de acordo com o que tenho recebido e julgo ser da parte de Deus. Um dia eu me deterei mais longamente sobre cada uma dessas histórias. De fato, vislumbro esse encaminhamento, na medida em que tomo por voz narrativa um eu mais confessional, mais próximo ao que sou. Por enquanto, contento-me em deixar, aqui, o acabamento lisinho do que vivi. Os bastidores terão que esperar por enquanto, mas virão, porque sei que podem ser a coisa mais edificante a fazer para a igreja brasileira hoje. Não por meus próprios méritos, mas porque, como cristã convicta, eu sei o que Deus tem feito em mim, e é isso que quero contar. Para Seu louvor somente.
23 comentários:
A conclusão a que chegamos é a seguinte: você é assim por ser mulher. :-)
Querida Norma: Achei que tinha uma câmera escondida no meu cérebro, ligada diretamente ao seu computador...rsrsr. E, Gustavo, querido, que história é essa de "a conclusão a que chegamos..."? Tira esse verbo do plural, nêgo!!
Um abraço (para a Norma, claro)
Carla/Santos
Hahahaha!
Pois é, uma mulher com vocação intelectual: que grande desafio para quem tem horror de confrontar...
Oi, Carla!
Acho que o Gus usou o plural majestático... hehehehehe!
Poxa, adorei essa história de cérebro ligado ao meu computador! A gente sempre sente que está meio sozinha nesses processos interiores. Queria encontrar mais relatos assim, de autores cristãos que ficassem menos preocupados com a santidade dos outros ("faça assim, pense isso, não ache aquilo") e descrevessem seus próprios processos - algo que, no meu entender, pode ajudar bem mais. Na minha lida com revisões, ando meio cansada de autores que, sem muita profundidade bíblica, jogam regras o tempo todo para o leitor. O estilo americano parece ter encampado as editoras. Sinto falta de algo mais profundo e intimista.
Quanto a ser vulnerável emocionalmente por ser mulher... Homens que também passam por isso, manifestem-se! :-)
normitcha...
se eu te disser que hoje de manhã pensei (naquela horinha abençoada da minha preparação pro banho, quando incrivelmente me acontecem os clareamentos mentais): minha identificação com o problema das pessoas é tão íntima e profunda que eu teria dado uma ótima médica, mas por que não me tornei uma? simples... porque teria uns trinta ou quarenta anos de vida somente, esponja que sou.
linda!!!
minha gurôa!!!
amei, amei, amei.
Debitz querida...
Gurôa nada! Você é minha irmã do coração!
As perguntas que não querem calar são: toda mulher seria esponja assim? a que ponto uma mulher, em determinadas áreas profissionais, precisa "recolher" sua sensibilidade para desempenhar seu papel?
Eu sempre me achei de uma sensibilidade monstruosa, defeituosa de tão aberta. Talvez nem seja tanto assim. Sei que a modernidade odeia essas discussões de gênero - porque nossa época quer apagar as diferenças entre homem e mulher - , mas acho interessante tentar compreender o quanto a questão do gênero influencia nesse tipo de sensibilidade pessoal (algo que, afinal, é inerente ao feminino, por conta da maternidade, por exemplo).
Bom, ultimamente tenho vivenciado uma decepção tão grande com a "esquerda", baseado nas coisas que ela tem defendido, que nem sinto vontade mais de votar em candidato a nada no Brasil. E também tento lutar contra o relativismo interior, tentando encontrar um modo de pensar mais coerente com aquilo que a Bíblia ensina. Sinto que antes era ligado a coisas que não valem tanto mais para mim, então, acho que estou indo no caminho certo.
Abraços.
O contrário, Norma: plural de modéstia, hehe. Carla, não se zangue. Passo a me explicar.
Quis dizer apenas que, apesar de todos — homens e mulheres — estarem sujeitos a esse risco, vocês sofrem mais com ele. Algo fácil de se observar. Não se deve a outra razão o pequeno número de contribuições originais por parte de mulheres. A existência de escritoras, até mesmo de eruditas, já é comum. Mas não a de pensadoras originais, etc.
E não estou dizendo que mulheres não devem se dedicar à vida intelectual, nem nada parecido. Só têm que lidar, caso queiram encará-la, com mais esse problema: a dificuldade de se manter emocionalmente afastadas do que e dos que examinam.
Abraços às duas.
Pergunta: sua transformação envolve, por exemplo, sua relação com Philip Yancey? Confesso que da minha parte, sim, apesar de achar ainda Maravilhosa Graça um ótimo livro.
Abraços again.
Oi, Gus!
Invejo tanto a Hannah Arendt por isso... Hehehehe!
Cristiano, não entendi a pergunta. Como assim, "envolve minha relação com Philip Yancey"? Fiquei curiosa. E sim, achei Maravilhosa graça um livro muito bonito quando o li, mas faz anos; precisava ler de novo.
Abraços!
Quis dizer que, por exemplo, sua opinião sobre ele e seu trabalho mudou.
Tá, entendi. Vamos lá.
Justamente, o que me atraiu nos livros do Yancey foi esse caráter mais intimista. Eu sempre gostei disso em conversas e livros, sempre fui assim. É próprio meu buscar a intimidade, o falar sem reservas, a pessoalidade. Mas o que me repeliu em Yancey à medida que o lia foram coisas diferentes: primeiro, o modo irresponsável com que ele denigre as igrejas americanas conservadoras (por conta talvez de um ressentimento mal resolvido com igrejas antigas que frequentou); segundo, as brechas que ele dá ao parecer relativizar a questão do homosexualismo. No entanto, tenho de reconhecer que ele é sincero e de fato bastante pessoal no que escreve, o que é um mérito e tanto no mercado editorial americano mais "popular", cheio de um cansativo "faça isso, não faça aquilo".
Respondi? Hehehe!
Abração!
Ok Gustavo: não me zangarei, apesar de ser mulher (rsrsr)!Vou até mandar um abraço pra você também.
Minha cara Norma,
Para quem te conheceu apenas lendo seus textos (lembre-se que te conheci no Kuyper e já no fim das suas discussões por lá), eu nunca diria que você é assim tão "emocionalmente vulnerável".
Minha impressão a seu respeito (e que ainda mantenho) é aquela que mencionei no meu blog ao Pr. Geremias Couto (ele disse que chegou lá por um comentário meu aqui): "Considero a Norma uma espada afiadíssima"!
E quanto a esta vulnerabilidade emocional, bem, eu sou muito emotivo e sensível, mais do que a maioria dos homens que conheço. Mas acho que não chego perto de qualquer mulher. E se depender de comparação com minha esposa, então eu sou uma pedra! rs
No amor do Redentor,
Roberto
Oi, Roberto!
Obrigada por suas impressões! E obrigada pelo "espada afiadíssima": isso é pura obra do Espírito!
Sempre converso sobre isso com meus amigos: tenho uma personalidade que mescla doçura e firmeza. Difícil, às vezes, é saber dosar. Jesus é que soube fazer isso muito bem (tão carinhoso com a mulher adúltera e tão bravo com os vendilhões do templo). Precisamos aprender com Deus.
Ser emotivo é muito bom! Meu namorado também é bastante e eu adoro isso nele.
Abraços!
Acho que nós mulheres, enfrentamos dois problemas básicos. O primeiro é o excesso de identificação com as dores alheias. Choramos, ficamos sem dormir e coisas do gênero. A segunda questão é essa que você colocou. Por estarmos muito envolvidas, ás vezes não temos a coragem necessária para um benéfico e bíblico confronto. E penso que destas duas, a segunda é que precisa ser mudada. Vamos continuar tendo profunda empatia pela dor alheia, mas precisamos, como instrumentos de Deus,trazer exortação, se for o caso. É um grande exercício para nós, mas a certeza de ter agido pelo bem do nosso irmão é um incentivo! Um versículo que sempre me ajudou nestes conflitos é aquele de Provébios:"Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto. Leais são as feridas feitas pelo que ama..." Pv 27:5 e 6
Este é um precioso aprendizado para as que querem ser mães: o amor não exclui a disciplina, pelo contrário! Paulo diz que Deus nos corrige justamente porque somos filhos, do contrário seríamos bastardos. Confrontar é uma questão de amor!!!
Saudades de vc, Norminha...
Norma
Eu jamais me exporia assim e admiro você nisso. Penso que é útil aos seus leitores saber sobre tais dificuldades, pois muitos talvez se sintam assim e pensam estarem sós.
Quanto àquilo que você falou sobre ficar calado diante dos ataques à fé, o assédio moral é muito grande e a patrulha também. Vivemos num mundo dominado pelos maus, eles são os grandes "moralistas", pois são eles, e não os cristãos que que querem impor seu modo de viver e de pensar a todos.
Essa é, uma das minhas questões contra autores como Philip Yancey. Os cristãos já sofrem assédio moral o bastante dos de fora, mas alguns de "dentro" acham que podem bater um pouquinho mais...
Tenho uma outra questão contra Philip Yancey, mas é bem mais complexa, de modo que não caberia aqui, e não é especificamente contra ele. Recomendo o livro "Faith undone" de Roger Oakland. Esse livro uniu uma série de questões que estavam soltas na minha cabeça, a respeito do que está acontecendo na igreja. As citações, principalmente, são impressionantes. Na mesma linha, recomendo "A time of departing" de Ray Yungen.
Até mais
Ops! Paulo não, o escritor de Hebreus!!!! Beijos!
Adorei, Simone! Assino embaixo de tudo o que você escreveu!
É, eu também, no fundo, acho que o escritor de Hebreus é Paulo... :-)
Morrendo de saudades também!
Prezada Norma,
Fico feliz e grato a Deus pela presença de pessoas como você, que tem como objetivo alcançar ou realizar um ideal, como o descrito em seu esforço, na apresentação de seu blog. Quero deixar claro a minha disposição em ajuda-la no seu trabalho, da melhor forma possível ao meu alcance.
Ass. Jorge
Graça, Paz e Felicidades!
Teu texto veio completar meus pensamentos (de há pouco, inclusive). Também estou numa guerra silenciosa, usando a tua expressão. Quando é respeito a decisões e escolhas do outro e quando é omissão / relativismo? Enfim, é bom te ler. Abraços!
Rs, rs, rs...
Mulheres...
Olá, jovem senhora "espada afiadíssima" (rs rs!) É eu li... Aliás eu li muita coisa aqui hoje.
Mas vim especialmente pra te agradecer pelo comentário feito lá no blog da Alane. Você certamente não imagina como fiquei contente por ler suas palavras ali. Pode acreditar quando lhe digo que significou muito!
Bom... fico meio acanhada em dizer isso porque sei que você não dá a mínima pra essa coisa de selos em blogs, mas é uma tentativa modesta de retribuir o carinho daqueles que me tocaram pela gentileza de deixar um comentário naquela postagem de um texto meu num blog alheio (uma gracinha aquela jornalista!). Então, não repare, mas o seu blog foi indicado como "contemplado" numa distribuição de selos que fiz recentemente.
Portanto, não se sinta constrangida em colocar o selo aqui, por favor... mas receba o meu carinho e reconhecimento através dessa indicação. Ok, linda?
Um beijo pra você e outro para o seu marido emotivo.
: )
Querida Novinha,
Obrigada! Adorei seu comment. Gosto quando as pessoas "ressuscitam" tópicos antigos, porque posso me reler e reler algumas pessoas queridas. OLhe, só não entendo direito como funciona esse negócio de selo, você me explica?
Beijo!
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