Se um interlocutor se imiscuísse no artigo de um autodenominado filosófo do qual não quero dar o link – quanto menos divulgado, melhor – , qual seria o diálogo resultante? Confira.- Eu acho um absurdo essa recente "caça às bruxas" de nossa sociedade ocidental contra o que chamam de "pedofilia".
- Ah é? Por quê?
- Ora, para começar, a nossa história está repleta de exemplos de uniões com êxito entre pessoas de idades diferentes.
- Ah, por favor, que conceito fluido de "pedofilia" é esse? Você não vai comparar "uniões entre pessoas de idades diferentes" com pedofilia, vai?
- Espera aí. Relações entre adultos e crianças não precisam ser traumáticas. Existem casos em que as relações sexuais, até mesmo com certa violência, não deixam marcas físicas e psicológicas nas crianças. Você se lembra da sua infância?
- Minha infância? Cara... Acho que até mesmo o mais leve olhar sexualizado de um adulto deixa marcas. As crianças são muito sensíveis e eu me lembro de cada momento de minha infância. Não se brinca com isso. O fato é que a criança tem mecanismos adaptativos muito fortes, pois ainda não desenvolveu proteções psicológicas adequadas. O adulto pode conseguir os pactos mais esdrúxulos com uma criança, se conseguir ganhar a confiança dela. Se esse pacto for o abuso sexual, ela vai se tornar alguém problemático com relação ao sexo, perpetuando o abuso por sua vez.
- Não é bem assim. Existem muitas crianças que até fantasiam experiências com adultos e que, uma vez perguntadas se foram "abusadas" sexualmente, dizem "sim" com orgulho, de acordo com a expectativa dos que perguntam.
- Não acredito que isso seja tão constante assim. (Aliás, como é que você sabe?) Mesmo assim, é o que eu disse: o fato de a criança ter se adaptado a isso, inventando ou não, não é prova de que a pedofilia pode ser algo "normal". Assim como o fato da existência de uma boa quantidade de assassinos no mundo não prova que a morte provocada seja normal e desejável! Que argumento é esse para um filósofo?
- Mas, no caso do sexo, é diferente. Os relacionamentos são convenções da sociedade, que sempre busca punir quem não se enquadra nos padrões considerados corretos. No final das contas, todo mundo vai querer punir quem não fizer sexo no estilo "papai e mamãe", isto é, de pijama, só depois da novela, com parceiros heterossexuais e de mesma idade.
- Que absurdo você está dizendo. Há muito tempo ninguém pune ninguém por aquilo que é feito no quarto, entre adultos. Mas com criança é outra história. Você está comparando o incomparável. Quer dizer que a proibição à pedofilia é só uma "convenção"? Você acha então a pedofilia normal e aceitável?
- [Absorto no que diz] Isso não é só hipocrisia. Isso não é só cegueira ideológica e, quem sabe, religiosa. Isso é nazismo! É a Inquisição! Aí as pessoas começam a fazer "denúncias anônimas", o que é um perigo. Pegam o telefone para denunciar o comunista de hoje em dia, ou seja, o "pedófilo". Junto com o pai que não paga pensão, com o ladrão de galinha, o pedófilo é agora o inimigo número 1 da nação. Pobre nação! [Segue-se um longo monólogo sobre a excessiva criminalização praticada nas sociedades atuais.]
- Escute, você está mudando de assunto. Além disso, usou o exemplo mais errado possível: as sociedades comunistas são as que mais incentivam a criminalização. E o pior, não por crimes enquadrados no código penal, mas sim por crimes de opinião, como o que os homossexuais querem fazer com a tal lei da homofobia...
- (...)
- Mas ok, responda à minha pergunta, por favor. Você acha a pedofilia normal e aceitável?
- Não! Imagina. Estou longe fazer a defesa de algo como a pedofilia. Mas não concordo que nossa sociedade teça julgamentos sem levar em conta nossa tradição cultural, sem considerar o que de fato consideramos correto no Ocidente, e o que é e o que não é "abuso sexual" com crianças e jovens.
- Mas o que você está querendo dizer exatamente? Existe algum tipo de relação sexual com crianças que não seja abuso? Não percebe que com esse discurso você está indiretamente relativizando a noção de "pedofilia"? E que isso acaba sendo, sim, uma defesa da pedofilia?
- Não. Acredito que nisso tudo há uma falta completa de reflexão filosófica. E quem busca coibir a pedofilia nem sempre está preparado para entender situações que só com mais esclarecimento intelectual e mais vivência podemos entender. Não leva em conta que crescer e se tornar adulto não é uma tarefa fácil. É um processo social e histórico.
- Claro. Mas, antes de tratar o problema de adultos abusadores que continuam com sua sexualidade infantilizada – ou seja lá qual for a motivação de quem sente atração por crianças, não sei, não sou psicólogo – , é preciso tirar esses adultos de circulação, para que seja interrompido o ciclo do abuso sexual. As pesquisas dizem que quem é abusado se torna quase invariavelmente um abusador por sua vez. Primeiro, é um caso de polícia; depois o psicólogo intervém. Mas a coisa tem que parar. É crime. As "reflexões filosóficas", nesse caso, só serviriam para deixar os pedófilos mais livres...
- [Com o olhar suspenso] Você tem razão quanto à imaturidade sexual na idade adulta. Há um filme chamado "Pecados íntimos" em que todos os personagens continuam vivenciando sua infância. São adultos e tentam cumprir, como nós, suas obrigações sociais, mas são um pouco... infantis. Cada um de nós, de algum modo, é um daqueles personagens...
- Opa, peraí. Lá vem você relativizando de novo. Tá certo que a maturidade plena é difícil, mas esse tipo de imaturidade que leva ao abuso infantil, você há de convir, é algo muito mais sério... Podemos até nos identificar com a imaturidade dessas pessoas, mas não podemos, com base nessa identificação, promover um tipo de relativismo "compreensivo" que contibuirá, no final das contas, para a criação de um maldito NAMBLA, uma associação de pedófilos, no Brasil.
- Mas cada caso tem que ser analisado, para entender a diferença entre alguém que precisa de um tratamento por ser pedófilo e alguém que está propondo certas práticas — que no limite não serão malévolas — , práticas possíveis de serem propostas segundo uma série de fatores culturais.
- [Arregalando os olhos] Como assim? Que práticas???
- Tá vendo? Quando se fala de sexo, as pessoas ficam de cabelo em pé, igual você, agora. Os crimes sexuais, mais do que o assassinato, inspiram o fascismo...
- Oh, pare de se desviar do assunto! Responda, que práticas podem ser "pouco malévolas" em se tratando de tentativas sexuais entre um adulto e uma criança?! A criança está evidentemente em posição de inferioridade com relação ao adulto...
- Veja como você ficou nervoso! Isso é sintomático. Esse furor, esse desejo coletivo de castração do criminoso sexual, torna as pessoas tão ou mais perigosas do que os chamados pedófilos. A coletividade castradora é a direita, o fascismo, atacando coletivamente, enquanto o pedófilo, se quer abusar de crianças à força, ataca só individualmente...
- Agora você extrapolou tudo, meu caro. Não tenho visto nenhuma coletividade por aí, de facas na mão, correndo atrás dos pênis dos criminosos sexuais. Por outro lado, a pedofilia é algo que as mesmas sociedades ocidentais que você condena estão doidinhas para legalizar, porque estamos em uma época em que ninguém mais aceita freios para o desejo humano. E tem mais uma coisa: quando menciona "abusar de crianças à força", você parece querer defender que não é pedofilia o assédio adulto "consentido" pela criança. Esse é o mesmo argumento dos pedófilos do NAMBLA. Dizem que, se a criança aceita, por que não fazer...?
- Olha, nós não vamos chegar a bom termo criminalizando várias práticas sociais que até bem pouco tempo havíamos elogiado. O amor entre pessoas de idades diferentes foi e, em alguns lugares ainda é, uma prática incentivada no Brasil. Muitas de nossas avós casaram com homens bem mais velhos, quando ainda eram meninas. Não foram infelizes. Muitas meninas atraem propositalmente homens mais velhos, e isso não é o fim do mundo.
- Você está comparando o casamento das nossas avozinhas com a pedofilia? Você tem idéia do que está dizendo??? O adulto que se interessa sexualmente por uma criança logo abandonará essa mesma criança quando ela estiver com mais idade, porque terá perdido o interesse nela. É tão óbvio que a pedofilia é uma relação que degrada a criança, que é vista apenas como objeto sexual! Você está comparando isso com o relacionamento compromissado que é um casamento feliz? Sua visão está totalmente distorcida. Eu sabia que essa conversa não ia chegar a lugar algum.
- [Fechando a cara.] Regras rígidas e sem uma base de estudo podem nos conduzir a um Brasil como prisão coletiva, uma sociedade infeliz, meu amigo.
- Não me chame de amigo, por favor. É preciso uma prisão coletiva para pessoas como você, que sob a capa de "filósofo" contribuem para que mais e mais crianças sejam empurradas para o abismo sem fim que é a dor do abuso sexual. Você precisa se tratar!