Cena 1: Estou para entrar em uma loja. Da porta vêm saindo, primeiro, uma mulher, que eu espero passar, e alguns segundos depois um homem, que se encontra comigo no limiar da entrada. Ficamos os dois num duro impasse físico, feito de pequenos avanços e recuos, antes que ele, um pouco a contragosto, resolva se posicionar de lado e permitir que eu entre. Ainda perto da porta, ouço a mulher dizendo:
— Mas que incrível, hein?
Arregalo os olhos. Estaria ela falando de mim?
— É mesmo incrível!
— Está falando comigo? — dirijo-me a ela, reabrindo a porta em vez de me esgueirar para dentro da loja. Meu tom não é arrogante, quero apenas saber qual foi meu erro. Ela esboça algumas palavras sobre falta de educação, mas o homem, preocupado com uma possibilidade de barraco na galeria, puxa-a pelo braço. Restam-me duas frases sinceras e frias: “Desculpe, não vi que ele estava com você” e “Além disso, ele é homem”.
Cena 2: Vejo o táxi do outro lado da rua, mas o motorista não me vê. Aliviada porque, àquela hora, não costuma haver táxi naquele ponto, encaminho-me para ele ao mesmo tempo em que um homem de terno, gravata e pastinha vem pela calçada do outro lado. O homem chega alguns segundos primeiro e abre a porta do carro, enquanto eu tento falar com o motorista: “Você pode usar o rádio para chamar outro para mim?” Estou desolada: chove muito, a rua está escura, são mais de onze horas da noite e eu carrego um saco plástico pesado. O passageiro então propõe:
— Para onde você vai? Se você for para o mesmo lado que eu, é até bom, porque a gente pode dividir o táxi e eu economizo — ri ele.
Esperançosa, digo o nome da minha rua.
— Vou para o lado oposto, que pena — responde ele, dando de ombros e sumindo para dentro do veículo.
Em vez de esperar o outro táxi que o motorista poderia chamar — já me aconteceu de esperar em vão — , vou andando em direção a um lugar mais iluminado. Não estou irritada, mas pasma: além de não me ceder a vez, o homem ainda queria dividir a conta comigo! Lembrava que naquele dia, também debaixo de chuva, eu havia pego carona de manhã com uma moradora do meu prédio, alguém que nunca havia me visto. Ofereci-me para pagar metade da corrida, mas ela foi cavalheira o suficiente para negar — como eu mesma teria sido. Que sina: nós, mulheres, temos sido mais gentis umas com as outras que muitos homens!
Não posso deixar de compreender as duas cenas como parte de um mesmo fenômeno. Na Cena
1, a mulher defende o marido porque outra mulher não o havia deixado passar primeiro. Lamentei por ela. Aquele casal era muito provavelmente mais um (entre tantos) em que a contraparte feminina assume o controle. Lamentei também pelo homem da Cena 2, que àquela altura teria ainda que aprender muito sobre a fragilidade feminina e sua própria capacidade de doação. Não os condenava: eu mesma havia passado por relacionamentos parecidos. Meu impulso sempre fora o de cuidar e acalentar, enquanto o outro deixava em banho-maria sua masculinidade. Por isso havia decidido repousar em Deus todo impulso para o sexo oposto, enquanto Ele gentilmente me transformava. Agradeço-Lhe porque creio nessa transformação — se não fosse assim, em nada essas cenas teriam me chamado a atenção. Agradeço-Lhe também, e sobretudo, por ter me livrado de um casamento nesses termos.
É por isso que hoje, mais que nunca, não podemos deixar de admirar a sabedoria bíblica quando lemos que o homem é o cabeça do casal: quando tomamos a frente, nós mulheres deixamos de exercer nossa plenitude feminina e tudo o que decorre dessa plenitude — a receptividade, a vida interior, a busca da harmonia, a elaboração das emoções, os sonhos, as intuições. Além disso, aprendi algo muito grave: quando a mulher assume o papel mais forte da relação, está sendo não uma mulher forte, “mulher-macho”, mas uma menina brincando de casinha, já que a recusa a seu papel feminino nada mais é que o refúgio em uma fantasia de maternidade. Como não sabe ser mulher, será mãe do macho, valendo-se de uma preponderância não real, mas imitada, para ocultar de si mesma sua imaturidade. E, claro, o homem que aceita esse acordo inconsciente também oculta sua meninice.
Nesses tempos de confusão, em que os papéis sexuais invertem-se como em um jogo de espelhos, nada mais saudável que lembrar-se daquilo que Deus instituiu. O mundo moderno tem reforçado nosso profundo medo de viver plenamente nossa sexualidade. Mas “o verdadeiro amor lança fora todo medo”. Que esse também seja o aprendizado dos casais cristãos nesses dias difíceis!