28 junho 2012

Da série "O que Deus fez por você através da cultura" II

Continuando a série com base em Como o cristianismo mudou o mundo (How christianity changed the world), do PhD luterano Alvin J. Schmidt, apresento uma impressionante citação do poeta polonês Czeslaw Milosz (1911-2004). Em Mente cativa, com as análises vívidas de uma sensibilidade poética que não perdeu o contato com a realidade, Milosz denuncia os horrores nazistas e comunistas que submergiram a Polônia em destruição e desumanização. Em dado momento do livro, recorrendo ao discurso indireto livre, o narrador se coloca na pele de um nazista que se revolta com os obstáculos representados pelo cristianismo à "salvação da Alemanha" e à "reconstrução do mundo". Esse personagem exclama:
Nesse único momento - um momento que acontece a cada mil anos -, esses crentes melindrosos daquele Jesus ousavam mencionar seus insignificantes escrúpulos morais! Quão difícil era lutar por uma nova e melhor ordem - se entre seu próprio povo ainda era possível encontrar tamanho preconceito! (p. 137)

É inegável que, nesse trecho, o poeta (que retornou ao catolicismo de sua infância apenas no fim da vida) demonstra saber algo que, infelizmente, muitos cristãos de nossa era não sabem: o cristianismo é um grande obstáculo - como cristã, eu diria: o único eficaz - à ganância de controle absoluto, concretizada de modo máximo nos regimes totalitários. O cristianismo é o único fator a impedir a submissão total (portanto, a idolatria) de quem é submetido. Leia 1984 sob essa ótica e você perceberá, leitor: Winston sucumbiu ao Grande Irmão porque, como não era convertido, não pôde deixar de desejar que sua amada estivesse em seu lugar no momento crucial da tortura. O verdadeiro cristão, imbuído da graça de Deus, saberia, a exemplo do Mestre, sacrificar-se por ela ali, mesmo diante de seu maior pesadelo. Ainda hoje, os verdadeiros cristãos espalhados pelo mundo, perseguidos por ditaduras muçulmanas e comunistas, continuam sacrificando-se por seu Amor Maior, recusando-se a negar a fé.

Schmidt conta que, em Roma, o indivíduo só valia alguma coisa se fosse parte do tecido social e pudesse oferecer alguma contribuição para seus usos, como se seu fim maior fosse engrandecer o Estado. Com a vinda de Cristo, isso começou a mudar, pois Deus abençoou as nações através da graça comum. Passamos a gozar de relativa paz após a conversão do imperador Constantino, no ano de 312, e a penetração do cristianismo na cultura promoveu sua "abertura" (cf. o filósofo reformado Dooyeweerd), o que culminou em conceitos até então inéditos e libertadores baseados nos ensinamentos de Cristo, tais como a unicidade do indivíduo em sua relação com Deus e a inviolabilidade da consciência individual.

Hoje, tem sido empreendido o movimento inverso, de descristianização da cultura, e os mais sensíveis, como Milosz, conseguem perceber que o cristianismo é um freio para a máxima opressão do homem pelo homem. São os poderosos que, impulsionados pelo mesmo descontentamento do personagem nazista, empreendem esse movimento, os que abominam todo limite interior e exterior para o mal que perpetuam. O apologeta Francis Schaeffer afirmou que Deus deixou claro o que ocorre quando as nações o rejeitam: são vencidas e destruídas pelo poder humano. Essa é uma das lições que as guerras do século passado nos deixaram. Nesses tempos difíceis, em que o ressurgimento do nazismo e a sobrevida do comunismo parecem provar que os horrores do século XX já foram esquecidos, precisamos mais que nunca salgar a terra, de todos os modos possíveis - agindo, falando e raciocinando na contracultura saudável, bíblica -, com dois objetivos em mente: que não venha julgamento severo sobre nosso povo e que alguns possam receber com alegria e liberdade a Palavra da salvação.

4 comentários:

Oswaldo Viana Jr disse...

Excelente reflexão! Esse post me faz lembrar de uma coisa: a separação total entre a Igreja e o Estado (algo como tentar separar o corpo da alma) só poderia fatalmente acabar nisso que estamos presenciando no Ocidente. Uma vez que o poder temporal não se sustenta sem uma filosofia e uma moral externa a si próprio, ao se retirar a identidade cristã do governo, o que tomará o seu lugar? No nosso caso, o (neo)paganismo. Sinal dos tempos...

Norma disse...

Sim, jogada para fora do espaço público, a moral cristã sempre será substituída por algo que favorecerá o poder dos poucos sobre muitos. Temos visto isso muito claramente, mas, por falta de conhecimento e discernimento, a maioria dos cristãos não percebe o fato e continua funcionando na base estritamente pessoal, como se a religião só fizesse sentido na esfera restrita das escolhas individuais.

Paulo S S C Castro disse...

Olá norma, gostaria que você conhecesse o meu blog ele é sobre cultura cristã, especificamente Cinema Cristão!

Aqui vai o endereço: http://www.cinecristao.com

ótimo post!

Casal 20 disse...

Olá, Norma. Saudades. Você está num corre-corre, não? Estou escrevendo para dizer que estou ministrando um curso sobre Comunicação e Contextualização Transcultural para missionários candidatos ao ingresso na APMT. E um dos textos que leremos e discutiremos em sala será o deste post, os dois sobre a ceia acridoce. Como falarei sobre cosmovisão também, vou indicar o teu livro para leitura. Abraços! Fábio.