05 janeiro 2011

Paulo, Calvino e a sexualidade humana

Mais uma vez constato que Calvino tem uma compreensão da Bíblia fora do comum. Ontem estávamos lendo seus comentários a 1 Coríntios, como sempre temos feito em nossos cultos domésticos, e pela primeira vez saltou-me aos olhos uma unidade incrível nas considerações de Paulo sobre a sexualidade nessa epístola (lemos de 6.12 a 7.5). Pelo teor da carta, parece que a igreja de Corinto estava uma confusão só em relação ao assunto. Ali havia dois extremos, aqueles extremos que se tocam: a desvalorização do sexo ia desde a imoralidade evidente (sexo com prostitutas, sexo com a mulher do pai) até o desejo de abster-se de relações, mesmo dentro do casamento, como sinal de espiritualidade mais elevada. Nos dois casos, que apenas aparentemente são opostos, há a mesma instrumentalização do sexo: no primeiro, puro prazer egoísta e sem compromisso; no segundo, supressão do sexo com vistas a objetivos de “pureza espiritual”. Deus, através de Paulo, gera a perspectiva correta em nós quando, na Palavra, encaixa o sexo em seu lugar: a evidência creio que a mais importante — de que o casamento não é uma junção acidental (e sujeita às circunstâncias) de dois seres autônomos, mas sim a união permanente de seres que passam de fato a pertencer um ao outro (7.4). O próprio Jesus o exprimiu dessa forma: “não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19.6). Assim, entre o casal, o sexo não é um assunto para se decidir sozinho, mas sim algo que se deve a quem se ama: algo voltado integralmente para o outro. O amor conjugal, de acordo com a Escritura, é o que nos faz declarar com grande alegria: “meu corpo é seu, seu corpo é meu”. Se isso era maravilhosamente contracultural na época de Paulo (que enfrentava a reificação da mulher, a poligamia, os divórcios em série, a falsa ascese e a dicotomia entre alma e corpo), continua contracultural hoje, quando o sexo se torna um cada vez mais badalado entretenimento individualista, um ato sem sentido para a alma.

5 comentários:

Marcelo disse...

Após minha conversão, quando eu pensava em me casar, eu orava por uma mulher PARA AMAR. Encontrei uma que queria alguém PARA AMAR... Enquanto eu desejava uma mulher que amasse sobre qualquer coisa, não achei, não fui feliz. Mas, se o nosso desejo é o Outro, não Nós mesmos, o sucesso é garantido. No sexo, o desejo de satisfazê-la, conjugado com o desejo dela de satisfazer-me... Ambos num só desejo, a alegria do outro, acabou numa equação = os dois amados, satisfeitos, felizes, dando glória a Deus juntos.

Marcelo Hagah
João Pessoa-PB

Anônimo disse...

Relevantíssimo o destaque final ao fato de a abordagem bíblica do assunto ser contra-cultural, nesse momento em que o argumento comum em oposição à fundamentação bíblica da análise dos acontecimentos ao nosso redor é de que a Bíblia trata de um tempo diferente do nosso, quando na verdade, sempre foi tão contra-cultural como é hoje. Assim também, v.g., com relação ao posicionamento das igrejas reformadas em relação ao homossexualismo e à ordenação feminina.

Hugo disse...

Olá, Norma. A Paz de Cristo!

Os Corintios viviam em maus bocados com relação à moral e aos costumes, como você evidenciou em seu belo texto.

Você sabe quem sou de outros posts, e que costumo mostrar o que eu não concordo em seus textos - creio que nem precise pedir para que não se ofenda, pois certamente sabe que não é minha intenção. Preâmbulo feito, há um ponto que me deixa um pouco incomodado. Você diz, em certa altura: "...até o desejo de abster-se de relações, mesmo dentro do casamento, como sinal de espiritualidade mais elevada." Hum, esse "mesmo dentro do casamento" me parece desnecessário, pois só nesse caso a abstenção deveria ser vista como errada -mas isso é o de menos. Em seguida, após mencionar o caso da prostituição e o da abstinência, afirma que os dois casos não são opostos, e sobre o segundo menciona a "supressão do sexo com vistas a objetivos de "pureza espiritual"", como se isso fosse um erro - pelo menos foi o que entendi. Meu contraponto é que Jesus diz, em Mateus 19,12, que há aqueles que se fazem eunucos (ou castraram-se, ou não se casam, etc) pelo Reino do Céu. E Ele não faz o comentário como uma reprimenda, mas como a constatação de um fato, após explicar que "nem a todos é dado isso, só a quem é concedido (não casar-se)". Em suma, o que faço nessas poucas linhas é uma pequena defesa do sacerdócio celibatário e do dom concedido a freiras e freis, usando as palavras de Jesus. Talvez criticar o celibato nem tenha sido sua intenção no texto, mas da forma que eu, um católico, lê, não sobra muito espaço para essa bela forma de viver daqueles "a quem isso é concedido".

Abraço!

Filipe Machado disse...

Belo texto, amada. Em tempo oportuno!
Já estou lhe seguindo.
Um abraço!

Filipe Luiz C. Machado
www.2timoteo316.blogspot.com

Pastor Geremias Couto disse...

Prezada Norma:

Há poucos dias escrevi no twitter o seguinte pensamento:

"Se você deseja tornar-se membro de uma igreja doente, facciosa e rebelde, transporte-se no tempo e mude-se para Corinto. Aliás, fique por aqui mesmo".

Os pecados de lá são os pecados de cá. Só existe uma saída para o equilíbrio da vida: viver os princípios que Deus estabeleceu para o homem e a mulher. Aí está a verdadeira harmonia de todas as coisas.

Deus lhe abençoe ao lado de seu esposo.