05 outubro 2008

Os Beatles e a Perestroika


Comprei um dvd de um show recente do Paul McCartney na Rússia. Comprei e deixei guardadinho para ver quando me desse muita vontade. Gosto de comprar e guardar livros, cds, filmes, para depois redescobri-los com alegria.

Bom, eu não esperava nem de longe o que vi. Para mim, seria um show de Paul McCartney na Rússia, como em qualquer lugar; podia ser na China, na Índia, na Argentina. Mas não. Essa era simplesmente a primeira vez em que um dos Beatles pisava lá, em maio de 2003, com mais de cem mil espectadores na Praça Vermelha. E eu não sabia.

O show é todo entrecortado por testemunhos emocionantes de antigos fãs e impressões de Paul sobre o país. Na época em que os Beatles estouraram em todo o mundo, a Rússia, então União Soviética, vivia no auge do comunismo, de portas trancadas para o Ocidente, considerado portador dos “valores decadentes do capitalismo”. Os discos eram proibidos, ouvidos na clandestinidade. As letras da canções, o comportamento irreverente dos quatro, as opiniões que emitiam diante das câmeras, tudo isso era um “mau modelo para a juventude” segundo o regime. Tudo isso falava de liberdade. Gostar de Beatles tornava-se então um tabu acalentado peles jovens russos com fome de uma vida livre. No vídeo, quem era jovem na época conta que sua geração gastava até o que não tinha para comprar os discos no mercado paralelo, reunia-se em festas, aprendia inglês com as canções, perguntava-se sobre quem era quem nas capas (pois não havia como descobrir), sonhava com aquele universo. E lamentava: o que o mundo todo podia abraçar como um bem comum era algo exterior, inatingível e alienígena, naquele país fechado à força de poderes abusivos que não visavam apenas a ordem exterior, mas sobretudo a subjetividade.

Quando Paul McCartney vai à Rússia livre, com um presidente eleito pelo povo na platéia, torna-se patente o fato como um símbolo. O governo não é mais o censor do prazer, da liberdade, da espontaneidade. Na platéia, jovens de todas as gerações cantam e choram ao ouvir The Fool On The Hill, Maybe I'm Amazed, Let it Be, Hey Jude. O ex-presidente Gorbachev recebe Paul McCartney e reconhece: as canções dos Beatles contribuíram para a Perestroika, preparando o povo russo para a abertura de suas fronteiras. E McCartney se emociona ao cantar “the fool on the hill sees the sun going down” enquanto o sol se põe entre as belíssimas construções em torno da Praça Vermelha.

Enquanto isso, no Brasil, o comunismo ainda é sinônimo de juventude e liberdade. Onde, meu Deus, onde? Se a cada post eu pudesse realizar um desejo, o meu neste aqui seria: que pelo menos os fãs brasileiros dos Beatles pudessem abandonar qualquer pretensão comunista. Que fosse, apenas, por causa da história da Rússia. Já seria um motivo mais que suficiente.
Nesse trecho do dvd, um dos membros daquela geração conta: “Sintonizar Beatles no rádio podia prejudicar você no emprego, na escola, na faculdade; tentar conseguir discos no mercado negro podia dar em prisão; ir a shows onde tocassem músicas dos Beatles, então, gerava conseqüências que nem dava pra imaginar. Vivendo numa situação dessas, você acaba desenvolvendo uma relação muito mais intensa com a música.” Paul McCartney completa: “Era impossível tocar lá. Nossos discos não estavam à venda. Bom, um jeito garantido de tornar algo popular é simplesmente proibir.” Um antigo fã, hoje Ministro da Defesa, comenta: “Não havia discos dos Beatles à venda na Rússia. Só algumas canções em compactos (uma música em cada lado).” E outro mostra o primeiro disco de Paul McCartney liberado para comercialização no país. Era para ser Band On The Run, mas, em vez disso, numa significativa sobreposição, o selo do meio vinha com o logo do Ministério da Cultura. O motivo: Band On The Run havia sido retirada do álbum porque não era "bom" que o ouvinte soviético ouvisse falar de bando, prisão e fuga. Todo contente, o Ministro da Defesa conta que satisfez um de seus grandes desejos – comprar a discografia completa dos Beatles – somente em 1984. Um ano antes da Perestroika.

7 comentários:

Leitão disse...

Olá Norma, tenho lido seu blog com uma certa frequencia, apesar de nunca ter feito nenhum comentário sou muito estimulado pelo que você escreve.

Gostaria de entrar em contato contigo para saber a respeito dos serviços de traduçao e revisão.
Estou a frente de uma nova editora, que já tem contratados alguns titulos de autores que vi na sua lista de links

pode passar um numero de contato?


Grato
Paz de Cristo
Filipe

filipe@tempodecolheita.com.br

Luciana Lachance disse...

Olá!

Obrigada pelo comentário no Acarajé Conservador! Como você colocou, o multiculturalismo é um câncer na Literatura. Me lembro que minha professora de Literatura Infanto-juvenil dizia que era da área de Literatura, mas seu projeto era "A representação da Cidade de Salvador na Literatura Baiana". Tudo que ela nos trazia era essa visão cultural da Salvador-afro! Muitos não sabem exatamente o que estão fazendo...
Conheci seu blog antes, procurando por coisas de Girard e gostei muito!
Abraços!

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Querida Norma,

já que você está mesmo um tempinho parada (no Blog), vou aproveitar para deixar aqui minhas costumeiras críticas a seu Post:

1)....

2)bla bla bla

3)etc etc etc.

Brincadeirinha :) só quis te desejar um bom dia e bom trabalho!

Abraços fraternus,

Roger

Unknown disse...

Paul esteve na antiga União Sovietica em 1987 e ele lança um álbum apenas com clássicos do rock dos anos 50, fruto de uma lista das 50 musicas que os Russos gostariam de ouvir a maioria é da década de 50 com raras da lavra dos Beatles e "CHOBBA B CCCP" foi lançado depois para o resto do mundo, Paul como um bom liberal sempre teve, no bom sentido, feeling para negócios, e boa música, nã sendo à toa que este disco gravado em duas sessões e ao vivo é considerado pelos beatlemaniocos um dos melhores trabalhos do Paul.

Guilherme disse...

Olá Norma. Meu nome é Guilherme. Sou de BH e sou fã de Beatles. E o melhor de tudo, tenho aversão ao comunismo. O blog está muito bom. Acabei de conhecê-lo através de um amigo. Continuarei lendo e comentando. Li o seu texto sobre Marx e o satanismo. Está excelente, também.

kikyoeinuyasha.blogspot.com disse...

OI? Sou fã de filmes, mangá e anime tudo relacionado a estas coisas.
Beijão.

Joel disse...

Olá Norma, entrei no seu blog por causa de um artigo sobre Teismo aberto e, meu Deus, descobri Maybe I'm Amazed. Sinto-me envergonhado de dizer, mas por ser tão beatlemaniaco, me tornei, de certa forma, um pouco preconceituoso com relação a obra solo de cada beatle.
Acabei de ouvi-la (a música) no youtube... é simplesmente linda!!!
Joel Escher Costa