Estou tentando sair do assunto “esquerdismo”, mas está difícil. :-) Tinha um post fresquinho aqui sobre um tema totalmente outro, que ainda estou burilando, mas um leitor me pediu para responder a algumas perguntas. Como o blog precisa de atualização e as dúvidas dele representam as de muita gente, vou ordená-las aqui, com as devidas respostas.
Anderson: Pode ser rotulado "de esquerda" quem sai da inércia e procura fazer algo diante do sofrimento alheio?
Norma: Claro que não. A rotulagem, na verdade, costuma funcionar no sentido contrário: para a esquerda, quem é de direita necessariamente NÃO faz nada diante do sofrimento alheio. O que, evidentemente, é julgamento e difamação política.
A: É de esquerda quem tenta colocar em prática o mandamento cristão do amor ao próximo?
N: O amor ao próximo se manifesta de mil e uma formas. Não damos apenas dinheiro, mas principalmente nosso tempo, nosso amor, nossas palavras de consolo, nosso testemunho, nossa disposição para ouvir etc. etc. E nosso próximo pode ser rico também, não pode? De novo, aqui, a rotulagem é no sentido inverso: a esquerda sempre acha que o próximo é o pobre, nunca o rico, reduzindo os necessitados do amor de Deus (todo mundo) aos necessitados de bens materiais, "materializando" a fé. A Bíblia afirma que todos pecamos e todos carecemos da glória de Deus. Reduzir o problema do mundo a seu aspecto apenas material (como faz a Teologia da Libertação) é um acinte à fé cristã.
A: Se eu participar de movimentos que ajudem crianças em situação de risco, dependentes químicos e mendigos, significa necessariamente que eu concordo com as atrocidades dos regimes comunistas?
N: Claro que não. Mas se você se sente um cristão melhor que seu irmão por participar desses movimentos, sem saber o que seu irmão faz de seu tempo, estará incorrendo no pecado do julgamento e do orgulho. Não é preciso aderir a um movimento para servir a Deus. Podemos servi-Lo em nossas vidas cotidianas, de acordo com as situações que se apresentam a nós, como o bom samaritano ajudou o judeu caído no chão.
A: Ser a favor da reforma agrária, do acesso universal à educação, à moradia, à saúde, ao transporte urbano, à alimentação adequada é desconforme à cosmovisão cristã?
N: Depende. Reforma agrária através de vandalismo e roubo de propriedade, como é o caso do MST, definitivamente é algo desconforme à cosmovisão cristã. Tomar as coisas à força do braço jamais será algo aprovado por Jesus. Quanto ao restante, é evidente que direita e esquerda não discordam da necessidade dessas coisas, mas sim dos métodos para alcançar sua acessibilidade. Se o método for "através de um Estado que mande em tudo", discordo, pois o Estado forte faz mais mal que bem - inclusive para a igreja.
A: Sou a favor da distribuição de renda, da erradicação da pobreza, da sustentação do meio ambiente e da democracia. Os conservadores podem dizer, por isso, que contrario os princípios cristãos?
N: Depende. Vamos por partes.
Primeiro, “distribuição de renda” é um termo-pegadinha. É claro que a ideia parece muito bonita. Mas veja: para a distribuição de renda, é preciso alguém que distribua. A quem cabe essa tarefa? Esse que distribui não será o mais rico de todos (o Estado)? E a história não mostra que, uma vez de posse de toda a riqueza, o Estado NÃO a distribui? Fidel Castro riquíssimo não me deixa mentir. Assim, o cristão que confia de todo o seu coração em um Estado que, uma vez tendo angariado poder suficiente para acumular toda a renda de um país, irá distribuí-la com justiça, está esquecendo um ponto básico da fé: o pecado original. Isso nunca funcionou e nunca funcionará, pois o coração do homem é mesquinho e egoísta. Sem Deus e com poder nas mãos, os governantes apenas se sentem licenciados para oprimir mais e mais o povo. (Mas, se você tem outra ideia quanto ao que significa “distribuição de renda”, gostaria de ouvi-la.)
Justo por causa do pecado original, a “erradicação da pobreza” é um sonho, uma utopia. Fazemos o que está a nosso alcance para diminuir o sofrimento dos pobres, mas não podemos, como cristãos, crer em uma erradicação total da pobreza para este mundo, nem delegar essa responsabilidade a governantes com poder máximo nas mãos. Eles não irão cumpri-la e ainda desejarão mandar em nossas consciências para garantir a continuidade desse poder máximo (vide os projetos do atual governo – que no entanto está ainda longe de ser um autêntico governo totalitário!).
Quanto ao meio ambiente, é preciso tomar cuidado com algumas falácias pretensamente científicas, como o aquecimento global, usado para pressão política. Fora isso, a causa é válida.
Já “democracia” é uma palavra que vem sofrendo abusos há muito tempo. Há quem afirme, por exemplo, que “Cuba é uma democracia” (como faz Chávez). Na verdadeira democracia são preservados o direito de expressão, o direito de ir e vir, a liberdade para formar partidos políticos e contestar o governo. Em Cuba há prisões por delito de opinião, ninguém pode sair do país sem autorização e só há um partido, que se perpetua no poder há meio século. Dessa democracia eu não quero, obrigada!
A: Por fim, será que a dicotomia direita x esquerda já não foi superada?
N: Acho que não. A dicotomia ainda é muito útil para precisar posições quanto ao socialismo (contra/a favor). Porém, como no Brasil o pensamento esquerdista obteve o status de um aprovado lugar-comum (inclusive na igreja!), tem muito esquerdista ou semi-esquerdista que não se diz de esquerda, como falei em post anterior. (A linguagem que você usa para elaborar suas perguntas demonstram um tanto essa confusão.) Isso se deve em grande parte à passividade geral diante de estratégias educativas espúrias, quando professores socialistas destilam seu socialismo em sala de aula sem nomeá-lo ou sem explicitá-lo devidamente. Os estudantes “compram” essas ideias gerais e mal digeridas – distribuição de renda, fim da propriedade privada, demonização de toda autoridade etc. – sem conseguir integrá-las a uma cosmovisão. Quando essas ideias invadem a igreja, então, é o caos: discípulos de Jesus depositam sua esperança (transcendental) na política (imanente e composta em grande medida por homens sem Deus) e, levados por um sentimento sincero de compaixão pelos pobres, podem aos poucos deixar que seja pervertida a fé libertadora. Por me preocupar com isso é que falo tanto do assunto – não por gostar de política. Também não quero saber daquele tipo de conservadorismo (comum nos EUA) que transformou a fé cristã em um pretexto para mudar a sociedade através de leis. Meu conservadorismo é essencialmente antissocialista.