26 outubro 2005

O que os EUA me ensinaram


De minha viagem à Disney aos quinze anos, tenho algumas lembranças marcantes, e duas delas contrastam fortemente com a realidade que tinha até então experimentado no Brasil.

Uma delas foi na própria Disneyland, quando, por reflexo, joguei a embalagem de sorvete no chão do parque impecavelmente limpo. Olhei em torno e havia dúzias de lixeiras enormes ladeando toda a rua; olhei para baixo, e apenas o meu papelzinho era estrela solitária naquele céu liso, uma vergonha para mim. Depois de hesitar um pouco, abaixei-me resolutamente, catei o papel e o depositei em uma das latas. Desde esse dia, exatamente dezenove anos sem sair do Brasil, nunca mais joguei nada no chão – mesmo que isso significasse andar um bom tempo com algo levemente pegajoso na mão ou na bolsa. Foi uma experiência que me educou para sempre.

A outra foi em frente ao hotel onde estávamos, quando, depois de ter comprado alguns petiscos para comer no quarto, eu precisei atravessar uma imponente auto-estrada de mão dupla por onde carros passavam em alta velocidade. Já tinham me contado que ali não havia sinal, pois os carros parariam assim que alguém se posicionasse no meio-fio, esperando. Mas nada se compara à sensação de comprová-lo: eles pararam lindamente, um do ladinho do outro, só para que eu – eu! uma moleca de quinze anos – desfilasse com total tranqüilidade diante dos monstros resfolegantes, só faltando dar a eles um tchauzinho de alegria.

A primeira, uma experiência de responsabilidade. O Brasil não nos ensina isso: pelo contrário, a todo momento somos recompensados pela maleabilidade das regras quando as infringimos, ou punidos pela nossa insistência em cumpri-las. Um buzinar impaciente atrás do carro parado à noite em sinal vermelho, o perdão da bibliotecária amiga pelos meses de atraso na devolução dos livros, o riso alheio de escárnio quando contamos que perdemos a bolsa de estudos porque dissemos a verdade sobre um emprego novo.

A segunda, uma experiência de valor individual. A quase neutralidade na reação corrente aos maliciosos esquemas da política e até o menor exemplo de comportamento cotidiano mostram que se entranha cada vez mais profundamente no espírito do brasileiro que as instituições ou as coletividades são mais importantes que as pessoas. O corporativismo nas empresas e universidades públicas, a voracidade do Estado que inibe a iniciativa privada e incha com a quarta parte de nossos salários, o tapinha nas costas que substitui a crítica isenta só para que todo mundo continue "unido", a brutalidade com que somos conduzidos pelo motorista nos ônibus das grandes cidades – tudo no Brasil favorece um resignado ou cúmplice encolher de ombros perante a grande máquina que, estatal, coletivista ou mecânica, sempre envolta em fumaças de "cordialidade", representa um simulacro de transcendência que oprime e não ama, comprazendo-se em chacoalhar corpos e almas até que se indistingam uns dos outros em uma massa amorfa e inerte.

Quisera eu que não fosse assim. Mas tem sido. Ainda que se negue tudo o que no Brasil tem pisoteado nossa liberdade individual – a falta de solidez que impede qualquer plano para o futuro, a vigência de leis absurdas e modos ainda mais absurdos de contorná-las, o monocromatismo das idéias que se impõem sem permitir contestação, a deterioração não natural, mas sobrenatural, do que nos cerca – , mesmo a menor atenção prestada aos olhares apagados que se cruzam com os nossos no dia-a-dia será testemunha disso. Quisera eu que substituíssemos o cultivo ao ódio pelos Estados Unidos, quase obrigatório em círculos bem (mal) pensantes da intelectualidade (hein?) brasileira, por uma saudável reflexão acerca do que lá nos incomoda tanto, e do que afinal temos feito aqui, para transformar pouco a pouco este país em um verdadeiro inferno.

21 outubro 2005

O mal que sai da boca*


Enviei a amigos uma espécie de resumo dos meus posts sobre desarmamento. Um deles, um amigo leal que votará no "sim", resolveu disponibilizá-lo em sua lista de difusão para equilibrar o debate. O texto gerou polêmica entre participantes da lista, entre os quais um irmão que me contactou de forma amigável, dizendo-se pelo "sim" e expondo seus argumentos. Antes disso, porém, tendo recebido de outro participante uma verdadeira bomba textual, eu já nem queria mais tocar no assunto. Deixei a mensagem-bomba sem resposta, mas não faria o mesmo com a mensagem gentil. Escrevi:

Em primeiro lugar, obrigada por seus comentários polidos e respeitosos.

Tenho muitos amigos cristãos que votarão no "sim" e de vez em quando mando alguma mensagem a eles. A que você recebeu foi uma delas. Não pretendia criar polêmica com ela, já que foi escrita para pessoas que me conhecem, com argumentos bastante breves. Um amigo tomou a liberdade de divulgá-la em sua lista de difusão, o que isoladamente não me chatearia de modo algum; infelizmente, acabei sendo alvo de palavras muito duras e injustas por um dos participantes da lista, a quem sequer conheço pessoalmente. Ainda estou em estado de choque pela violência dessas palavras - se me permite a franqueza.

Estamos em tempos muito difíceis, em que muito se fala em pluralidade de opiniões, liberdade de expressão etc., mas existe uma espécie de vigilância quase policial quanto a determinadas idéias - e hoje essa questão do desarmamento tem suscitado muito ódio entre as pessoas, inclusive na igreja, descubro agora. Permita-me, por favor, simplesmente fazer isso: agradecer a polidez de suas palavras e abster-me de continuar argumentando. As palavras daquele participante me feriram, e eu prefiro agora ficar em silêncio e esperar que a vontade de Deus se manifeste em relação ao referendo.

Porém, se como irmã em Cristo eu puder lhe pedir algo, peço-lhe o seguinte: que não ecoem em seu comportamento palavras amargas para com quem votará no "não"; que por sua boca não seja atribuída, a nenhum outro cristão conhecido seu, a pecha de amante da violência ou de falso cristão, ou algo semelhante. Basta de sofrimento. Deixemos cada um com sua opinião, e Deus como juiz de todos.

Pela sua delicadeza demonstrada para comigo, sei que fará o que lhe peço.

Abraço fraterno,

Norma


Observação do dia seguinte: Hoje soube que o participante que enviou a "bomba" já foi político, tendo sido expulso de uma lista de discussão por suas posturas radicais. Não me surpreenderia se soubesse que ele ainda atua em uma dessas ongs a favor do desarmamento. Isso explicaria sua insistência em publicar no site do meu amigo suas palavras injuriosas contra mim. Como um exemplo do que Olavo sempre diz (e Girard demonstra), ele me acusou de "agredir" os leitores do site apenas para se justificar previamente e me agredir à vontade. No texto dele, acusa-me de leviandade e calúnia, insinua que não conheço minha fé nem a Bíblia, "desafia-me" a provar o que digo. Buscando me desmoralizar, usa e abusa do argumentum ad ignorantiam ("não estou sabendo de nada disso, logo é mentira"). Ora, se ele realmente não sabe, que vá se informar, que vá buscar no Google as fundações Ford e Rockefeller relacionadas a medidas desarmamentistas, que vá ler o Olavo e o Mídia sem Máscara! Não apresentei ali nenhuma novidade de informação que não possa ser checada pelos leitores. Porém, não tenho certeza se ele realmente não sabe do que estou falando. Afinal, refutar idéias apenas duvidando da integridade moral de seu autor - ou seja, bater em vez de argumentar - é um artifício que só põe em cheque as verdadeiras motivações de quem assim procede.

A pergunta que resta: Como pode alguém que fundamenta seu "sim" com brios pacifistas lançar mão de tanta violência verbal quando se trata de defender seus argumentos? E ele não é o único caso de que tenho notícia. Pessoas que vão votar pelo "não" têm sido alvejadas sem piedade, sendo questionadas em sua moralidade, em seu cristianismo, em seu amor pelo próximo - prova de que boa parte dos que votarão pelo "sim" não são tão pacifistas quanto gostam de demonstrar. Tenho mais que esboços de resposta a esta pergunta, mas deixo a reflexão para o leitor.

*Mateus 15:18

19 outubro 2005

Desarmamento: última pergunta


Uma última pergunta para quem vai votar a favor da proibição ao comércio de armas.

Suponhamos que você se encontra com um amigo na rua. Discorrendo longamente sobre a falta de segurança e a inaptidão do Estado em garanti-la, seu amigo declara que, após ter cumprido todas as medidas legais para a posse, está indo comprar uma arma. Você se escandaliza, pois seu amigo sempre havia sido um grande defensor da paz em quaisquer circunstâncias. Ele explica que continua sendo, mas que, diante dos casos de violência que tem presenciado, inclusive com parentes e amigos próximos, prefere se responsabilizar pessoalmente pela segurança de sua família, já que os aparelhos estatais estão se provando ineficientes. Você insiste em que ele não compre sua arma, pois o poder de destruição que ela tem sempre pode se voltar contra quem a possui, seja em acidentes em casa, seja no momento de usá-la contra algum bandido. Seu amigo responde que compreende esses perigos, mas acredita que são muito menores que o perigo de andar desprotegido ou deixar sua casa à mercê de invasores.

Nada convence seu amigo de que não deve comprar a arma. Você o acompanha até a loja. De qual das duas maneiras você se comporta?

1 - Assiste à compra da arma, chateado porque não conseguiu convencê-lo.

2 - Por algum meio a seu alcance, impede que ele compre a arma.

Se você adota o comportamento número 1, repense seu "sim" à proibição de compra de armas: a nova lei corresponderá exatamente ao segundo comportamento.

Se você adota o comportamento número 2, confirme seu "sim", mas reconheça que, votando pela proibição, estará impedindo o acesso legal às armas a todos que pensam como o amigo - ou seja, proibindo, e não convencendo.


Moral da história: você pode até votar "sim", mas precisa ser honesto o suficiente para reconhecer a arbitrariedade de seu gesto. Não é porque a proibição se tornará lei que ela será menos arbitrária. A história está cheia de episódios em que as leis militavam contra liberdades básicas da população. E, se um dia algum louco resolver tomar o poder à força no país, como fizeram tantos ditadores na história, você está pronto para assumir as conseqüências de votar uma proibição dessas?

Porém, caso vença o "sim" e mesmo que nada disso ocorra, seria salutar lembrar-se do seguinte: assim como a campanha pelo desarmamento responsabiliza o comércio de armas pelos acidentes, você poderá ser responsabilizado por todas as mortes, os estupros e os roubos que poderiam ter sido evitados pela presença de uma arma na mão da vítima.

15 outubro 2005

O silêncio de Deus


Uma vez, li que um pastor estava chateado porque Deus havia parado de falar com ele. Esse pastor havia tido experiências muito fortes com Deus - que se revelava quase audivelmente - e andava se sentindo um pouco abandonado. Então, foi para o monte e clamou a Ele, pedindo uma palavra, uma explicação, um sinal. Vieram-lhe à mente algumas verdades bíblicas sobre a imutabilidade de Deus, sobre a Sua graça - e o pastor entendeu naquele momento que, se Deus estava quieto, era porque tudo o que havia dito estava por ora suficiente, sobretudo a certeza inabálavel que ele agora possuía das maravilhosas implicações da obra de Cristo na cruz. Lembrou-se de toda essa riqueza que lhe tinha sido dada para sempre e, por gratidão, chorou.

Mal sabia eu que essa leitura me alimentaria para algo que seria de minha própria experiência alguns anos mais tarde: o silêncio de Deus. (Mal) acostumada, tal como uma criança que tem satisfeitas todas as suas vontades, eu me senti murchar quando, ao contrário do que acontecia antes, Deus parecia não me trazer nada à mente com a oração - palavras, versículos, insights, visões esclarecedoras, tudo isso agora parecia fazer definitivamente parte do passado. Agora, pensei eu, teria que costurar algumas impressões aqui e ali, de modo confuso, para ter alguma idéia do coração de Deus sobre o que eu havia posto diante Dele.

Foi quando a leitura da história do pastor sobre o silêncio de Deus me fez pensar. Por que não fala mais? Ou, por outra, por que não fala mais destes modos a que eu havia me acostumado? Sim, porque um dos modos (e justo o mais impactante para mim) permaneceu: a organização da mente a que Ele procede através das obras de autores não-comprometidos com o anticristianismo moderno, que não negam a verdade nem a transcendência mas as buscam como aquilo que há de mais importante (Olavo de Carvalho, René Girard, John M. Ellis, Glenn Hughes, Eric Voegelin, Louis Lavelle, Viktor Frankl). Sem essa ação sobre a mente, verdadeira "arrumação de Deus", reconheço, grata, que não poderia viver.

Não que viver sem as intervenções mais diretas (e miraculosas no sentido estrito) de Deus seja um mar de rosas. Mas tenho aprendido algo sobre esse silêncio: quando ele ocorre, é porque não há novidades em especial da parte Dele. Posso seguir em frente com tranqüilidade apenas lembrando-me de tudo que já me foi dito. É quando a exortação do salmista Davi parece ganhar força especial: "Bendize ó minha alma ao Senhor / e não te esqueças de nenhum de Seus benefícios." A memória é nossa grande aliada para trazer ao dia presente aquilo que, para Deus, continua valendo. Pois talvez uma das graças mais lindas que Deus pode nos conceder seja a capacidade de perceber o fio condutor que mantém alinhados a uma rede de sentido nossas ações, nossas decisões e nossos estados de alma. Reconhecer como estamos e entender o que Deus nos tem ensinado é condição sine qua non para a saúde emocional e espiritual do cristão verdadeiro e amoroso para com Deus. Porém, períodos particularmente confusos podem ser férteis, pois algumas questões antigas podem retornar para ganhar profundidade.

E, por causa da angústia, consigo reconhecer por fim que minha revolta com o silêncio de Deus vem do borbulho de um medo irracional: de que Ele tenha mudado com relação a mim; de que Ele não me ame mais; de que Ele tenha parado de perdoar os meus pecados. São momentos em que até o medo de não ser realmente salva pode se insinuar por entre esses pensamentos tortuosos: muda diante de Seu silêncio, penso, teria eu perdido o rumo do coração de Deus? Porém, a verdade é que Suas ovelhas não se perdem - não porque saibam trilhar retamente o caminho, mas porque, sempre que tendem para o lado, Deus as traz de volta. É essa a garantia que nós temos.

Em tempos de silêncio, posso então compreender que a grande revelação que Ele tem para todos nós o tempo todo, sempre nova porque maravilhosa, é: "Há perdão para você, não importa o que tenha feito ou o que ainda faça; há perdão para você em meus braços."

12 outubro 2005

Ainda desarmamento: Lula e o "sim"



Está no artigo do Reinaldo Azevedo (Primeira Leitura). Em texto publicado na Folha de domingo pela defesa do "sim" - não seria aliás pouco recomendável um Presidente da República manifestar-se tão abertamente por uma das opções, em vésperas de plebiscito? - , Lula parece reforçar o gosto petista pelo autoritarismo:

Agora, o Brasil tem a oportunidade de dar um passo além, com a realização do referendo popular que vai definir se a comercialização de armas deve ou não ser proibida no país. Contra a proibição, argumenta-se que o cidadão estará desarmado e que ele é o responsável pela sua vida. Esta, no entanto, não é uma responsabilidade individual, mas do Estado detentor do monopólio legítimo da violência e responsável pela segurança pública.

Detentor do monopólio legítimo da... violência? Entenderia se ele tivesse usado qualquer outro termo de "fumaças" mais positivas. Que estranho, usar uma palavra tão virulenta para defender a abolição das armas. De onde ele terá tirado isto? Irônico mas preciso, Azevedo garante que é ato falho - um tropeço inconsciente que, segundo Freud, expressa uma verdade à revelia do interlocutor.

Em uma pesquisa rápida pela internet, qualquer um encontra que "monopólio legítimo da violência" é expressão de Max Weber aplicada ao Estado, "uma associação política que reivindica com sucesso o monopólio legítimo da violência dentro dos limites de um território". Ou seja, o Estado concentra para si o privilégio de exercer coação, e isto o define. Porém, existe uma tradução bem melhor, que troca a palavra "violência" por "força", sem dúvida mais positiva. Essa variação também é abundante no espaço virtual. O ghost writer de Lula deveria, sabendo disso, ter trocado a palavra. Senão, nós, que entendemos várias iniciativas do governo Lula como verdadeiras violências - a ordem de expulsão daquele jornalista americano, a Ancinav, a Cartilha do Politicamente Correto, o caso Celso Daniel, a ocultação e os desígnios do Foro de São Paulo, a associação com as Farc, a amizade com Fidel e Chávez - , deitamos e rolamos com esse tipo de "ato falho".

Observação: Já que, como diz o texto, a responsabilidade pela vida não é individual, mas do Estado, o que acontece se o Estado brasileiro claramente não cumpre com sua responsabilidade - se até mesmo seus representantes não parecem padecer do mínimo constrangimento ou da mínima censura por terem pedido licença, desarmados, para subir a favela? Nesse caso, o que resta como alternativa ao brasileiro desarmado? Morrer?

06 outubro 2005

O Chávez é uma "pessoa maravilhosa"!



Depois da entrevista com o Hugo Chávez no programa Roda-Viva, cheguei à conclusão: o atual presidente da Venezuela é uma "pessoa maravilhosa"! Não na acepção comum, claro, mas segundo o epíteto que Olavo de Carvalho atribui aos esquerdistas high society - ou que eles mesmos se atribuem, mimando uns aos outros automaticamente apenas por pertencerem ao petit noyau de la gauche sophistiquée (no caso do Brasil, um petit bem grand...). Nesse sentido, Chávez é um revolucionário charmosão e simpaticão incensado pela classe artística brasileira, muito bem representada nas fileiras socialistas. Não havia um Duda Mendonça visível a quem se pudesse parabenizar pela boa impressão que ele dava na roda: além de responder a todos com sorrisos, por mais incisiva que fosse a pergunta, chegou a mandar beijos no ar com a mãozinha para a Beth Carvalho, que tinha feito a ele uma pergunta gravada em vídeo - ainda acrescentando que se lembrava bem "daquele passeio à Mangueira"! Nada protocolar, hein?

Em suma, mostrou-se muito bem adaptado ao estilo espontaneísta do esquerdismo chique. Ele se alinha menos com a figura de Fidel (truculento, feio, com aquele barbão e aquele charuto) e mais com a de Caetano, Gil, Chico e toda a galeritcha esquerdinha maravilhosa do Brasil. Encarna todo o espírito paz e amor do Politicamente Correto (tendo inclusive citado a "liberação das mulheres" como um dos aspectos da mobilização popular que está fomentando na América Latina). Falou maravilhas de Cuba mas desconversou lindamente, sem agressividade, quando um dos jornalistas mencionou a violenta censura que vigora na ilha. Todas as perguntas eram respondidas com a voz calma, mas com rapidez de raciocínio, com muitos dados numéricos e um toquezinho pessoal - um comentário engraçado, um gestual simpático. Parecia que havia ensaiado a resposta a cada uma delas, de tão bem dadas. (Será que não as recebeu antes?)

Só surgia uma truculência calculada no momento em que falava do imperialismo americano e das "oligarquias venezuelanas". Mas com isto os esquerdopatas brasileiros estão acostumadíssimos: o único momento obrigatório de revolta da "pessoa maravilhosa" é quando cospe impropérios contra a direita e os EUA. Fez questão, porém, de manifestar a esperança de que o "povo americano reflita bem na escolha de seu próximo dirigente"... De resto, afirmou tudo aquilo que já sabemos de sua "lenda pessoal": que se vê como um revolucionário, que admira Che Guevara e Jesus Cristo como revolucionários, que a saúde e a educação na Venezuela deram um salto em seu governo, que está investindo em armas por pura "defesa" - essa, Girard explica - contra uma possível guerra com os EUA (dando como exemplo a relação deste país com o Paraguai, "suspeita", segundo ele), que busca um "equilíbrio" do planeta com a união de países da América Latina, da Europa, da Ásia; negou relações com as FARC a não ser como tentativas de apaziguamento, relatou indignado que empresas de petróleo venezuelanas nos EUA não mandavam um centavo de lucro para a Venezuela e que isso acabou em seu governo, confirmou que o governo Lula é sim de esquerda e que está chegando "lá" e que Lula é um grande homem e dirigente... Tudo isso com muitos sorrisos e um tom agradável na voz. Terminou a entrevista com uma piada, ao ser perguntado sobre se acreditava em Deus: depois de explicar que o socialismo que eles queriam no continente é um "socialismo cristão", disse que Cristo havia sido o primeiro socialista da História, e Judas Iscariotes, o primeiro capitalista, por tê-lo vendido... todos riram e a entrevista acabou assim. Ponto para ele.

Fiquei impressionada com o quanto o presidente Chávez "cabe" direitinho na imagem de "líder maravilhoso" por que o brasileiro esquerdoca chique está ansiando na América Latina. Impressionada. E com medo. Esperava algo mais populacho, mais burralhão, mais sem glamour, mais... Lula. Só que o cara parece ter tomado lições de "maravilhosidade". Cruzes.

Em tempo: para desmascarar boa parte do que Chávez disse, leia o post de Graça Salgueiro sobre a entrevista, no blog Notalatina. Diante dos fatos, todo o glamour chavista desaparece num piscar de olhos.

03 outubro 2005

Desarmamento: vote NÃO (4)

Um comentário muito perspicaz do meu amigo Ted Mueller, de Las Vegas, enviado alguns minutos depois da mensagem em que eu lhe contei sobre o referendo do desarmamento no Brasil (alguns assuntos, quando se tem deles as informações históricas corretas, não demandam muito tempo de reflexão para um posicionamento contra ou a favor):

Sorry to hear that Brazil is trying to take away the guns. That's the first step in a totalitarian state - you're right. In America, I thank God we can own guns. It's in the constitution (Second Amendment). The Founding Fathers knew their history and wanted a population that could defend itself in case the government came after them. In other words, they wanted a government afraid of the population not the other way around. We have an expression here, "If guns are outlawed, only outlaws will have guns."

Tradução:

Que pena saber que o Brasil está tentando se livrar das armas. Este é o primeiro passo para um estado totalitário - você está certa. Nos EUA, graças a Deus, podemos possuir armas. Está na constituição (Segunda Emenda). Os pais fundadores conheciam sua própria história e queriam um povo que pudesse se defender caso o governo se voltasse contra ele. Em outras palavras, queriam um governo com medo do povo, em vez do contrário. Temos uma expressão para isso: "Se as armas estão fora da lei, somente o fora-da-lei as possuirá."

01 outubro 2005

Desarmamento: vote NÃO (3)


A medida vai muito além de uma simples vontade política de diminuir os crimes por armas de fogo (e, como vimos, para isso ela não funciona): está enraizada em uma mentalidade daninha, que atribui ao Estado poderes que ele não deveria ter. Não é à toa que o presidente Lula, sempre que fala do Estado, usa a palavra "pai" para descrevê-lo; mas, em vez de um pai que possibilita crescimento aos seus filhos, emancipando-os por fim, o "pai-Estado" das esquerdas, na melhor das hipóteses, é um pai que mantém para sempre o filho sob sua tutela - isto quando não o engole, tal como Saturno na mitologia grega... Em regimes brandos, ou pré-totalitários, o pai-Estado impede os "filhos" de tomarem iniciativas por conta própria (exemplo: impostos abusivos aos empresários; recompensas e melhores salários para o burocrata estatal), infantilizando a população. O desarmamento é mais uma evidência disto: proibindo o cidadão pacífico de comprar armas, o Estado o trata automaticamente de incapaz ou descontrolado. Por que não parece ser suficiente a adoção de medidas para garantir que o comprador de armas seja alguém emocionalmente seguro de seus atos e tecnicamente hábil em manejar uma arma? Na verdade, isso já é praticado no Brasil, onde para se obter uma arma é preciso ser maior de 25 anos, sem antecedentes criminais, com residência e emprego fixos, além de ter passado em exames psicológicos e de aptidão. As estatísticas mostram que os crimes por armas de fogo não atingem esse contingente, mas sim os menores envolvidos com tráfico de drogas. Por aí se vê que o desarmamento, além de abusivo, é sem sentido.

No Brasil, cuja população já tem sido tão infantilizada por décadas a fio não só pelo modo paternalista de governar, mas por uma educação insuficiente e por uma mídia de entretenimento cada vez mais fútil e centrada na sexualidade - hoje, até sorvete e refrigerante são vendidos por meio de apelos ao desejo sexual - , o desarmamento só reforça a tutela do Estado, que se disfarça em pai controlador (como se dissesse "só estou fazendo isso pelo seu bem") para cravar mais profundamente suas unhas nas costas do povo. Se aprovado, o desarmamento não mudará em nada o panorama da criminalidade, mas será apenas mais um item no progressivo controle estatal, com prometedoras visões de totalitarismo. Quem viver verá.

Desarmamento: vote NÃO (2)

De Thomas Jefferson, uma afirmação que resume bem o primeiro post:

"Leis que proíbem o cidadão de ter armas são leis que desarmam apenas aqueles que, na sua ampla maioria, não estão inclinados a cometer crimes. Estas leis tornam as coisas piores para as vítimas e melhores para os marginais, elas mais encorajam que previnem os crimes, pois enchem de confiança os assaltantes. A mais forte razão, em última análise, para um cidadão ter direito às armas, é para proteger-se contra a tirania de um governo."

Desarmamento: vote NÃO


Tenho conversado por alto com algumas pessoas sobre o referendo do desarmamento e muitas delas me dizem que vão votar pelo SIM, por motivos pacifistas.

Ora, eu também sou pacifista; eu também detesto armas e detesto o potencial de destruição que elas trazem. Mas mesmo o mais pacifista dos brasileiros deve pensar no seguinte: quais seriam as conseqüências da proibição do comércio LEGAL de armas no Brasil, tal como propõe o referendo?

A primeira delas é que os traficantes e bandidos - que conseguem suas armas no mercado negro e que, portanto, não serão atingidos pela medida - vão se sentir mais à vontade para praticar seus atos, sabendo que não mais haverá pessoas armadas. Um importante dado de inibição psicológica será retirado. Logo, em vez de intensificar o combate à criminalidade, o "sim" à proibição contribuirá para que a população brasileira fique mais vulnerável a ataques. Confiram os dados: a Inglaterra optou pelo desarmamento, e hoje Londres é considerada "a capital européia do crime"; a Austrália também passou pelo processo, e os índices de criminalidade triplicaram em cidades como Victoria; a Jamaica também se desarmou, e hoje é um dos países mais violentos da América. Por outro lado, nos EUA, os estados que permitem a compra de armas têm mantido a criminalidade sob controle, e na Suíça, um dos países mais armados do mundo, os crimes por armas são em número tão baixo que nem entram nas estatísticas. Essas informações estão na recente edição da Veja sobre o desarmamento.

A segunda é mais complexa e deve ser vista à luz dos fatos históricos: países que tiveram proibida a venda legal de armas pagaram caro por isso, pois a medida fazia parte de um processo arbitrário por parte de um governo comprometido com ideais de controle ditatorial. Desarmando a população, esses governos conseguiram facilmente impedir resistência a decisões abusivas. Para quem acredita que isto jamais aconteceria no Brasil, convém não esquecer a adesão explícita de políticos brasileiros a ideais comunistas ou socialistas, regimes totalitários por natureza. Também são reveladoras as relações bem próximas do governo com líderes ditatoriais como Fidel Castro e Hugo Chávez: Cuba é um país que nega a seus habitantes direitos básicos de liberdade, punindo-os com a morte caso desobedeçam, e a Venezuela, para quem não sabe, está indo pelo mesmo caminho. Nessa segunda hipótese, os exemplos de países tomados por regimes ditatoriais logo após uma campanha de desarmamento são muitos. Além dos próprios Fidel e Chávez, ninguém menos que Hitler (Alemanha), Stálin (URSS), Mao Tsé-tung (China) e Pol Pot (Camboja) desarmaram suas populações. Mas não foram os únicos. Vejam os dados que recebi de um amigo:


Em 1929, a União Soviética desarmou a população ordeira. De 1929 a 1953, cerca de 20 milhões de dissidentes, impossibilitados de se defenderem, foram caçados e exterminados. Em 1911, a Turquia desarmou a população ordeira. De 1915 a 1917, um milhão e meio de armênios, impossibilitados de se defenderem, foram caçados e exterminados. Em 1938, a Alemanha desarmou a população ordeira. De 1939 a 1945, 13 milhões de judeus e outros "não arianos", impossibilitados de se defenderem, foram caçados e exterminados. Em 1935, a China desarmou a população ordeira. De 1948 a 1952, 20 milhões de dissidentes políticos, impossibilitados de se defenderem, foram caçados e exterminados. Em 1964, a Guatemala desarmou a população ordeira. De 1964 a 1981, 100.000 índios maias, impossibilitados de se defenderem, foram caçados e exterminados. Em 1970, Uganda desarmou a população ordeira. De 1971 a 1979, 300.000 cristãos, impossibilitados de se defenderem, foram caçados e exterminados. Em 1956, o Camboja desarmou a população ordeira. De 1975 a 1977, um milhão de pessoas "instruídas", impossibilitadas de se defenderem, foram caçadas e exterminadas. Pessoas indefesas caçadas e exterminadas nos países acima, no século XX, após o desarmamento da população ordeira, sem que pudessem se defender: 56 milhões.

Todos esses dados que postei aqui podem ser confirmados por uma pesquisa rápida pela internet. O problema é que o brasileiro não conhece nem a sua própria história, imagina a de outros países...

Aos mais pacifistas (entre os quais me incluo!): mesmo se você se sente mal já de pensar em segurar uma arma na mão, não permita que o Estado retire das pessoas o direito de se defenderem. Não faz sentido proibir o cidadão ordeiro de comprar uma arma - um fazendeiro que mora longe das delegacias, por exemplo - enquanto os criminosos têm acesso fácil a elas pelo mercado negro. Aliás, o líder do MST, Stédile, está louco para que o desarmamento vingue - assim, os vândalos do movimento podem atirar à vontade seus coquetéis molotov nas casas sem perigo algum...


Em suma: desarmamento = maior vulnerabilidade a bandidos + maior vulnerabilidade ao totalitarismo!

No dia 23 de outubro, seja esperto, vote "não"!