Diante do que foi dito no post anterior, vejamos o que a Bíblia afirma sobre os pecados que você, Deborah, deixou de mencionar em sua mensagem: “Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia” (Gl 5.19). Outra versão (Almeida Corrigida e Revisada Fiel) divide o primeiro termo grego,
porneia, em adultério e prostituição. Consultando mais alguns comentários e o Catecismo Maior de Westminster, descubro que a linguagem da Bíblia (logo, a mentalidade da época de Jesus) não faz diferença entre adultério e prostituição, ou fornicação, segundo demais versões. Enquanto você condena o adultério apenas quando não consentido pelos cônjuges, a Bíblia é muito mais abrangente.
Consultei pelo menos nove bíblias em linguagens diversas, incluindo mais dois idiomas que domino (inglês e francês), e as traduções diferem muito pouco entre si. Os termos são intercambiáveis: o primeiro,
porneia, pode ser prostituição, fornicação, adultério, perversão, libertinagem; o segundo,
akatharsia, foi traduzido por impureza (definido por John Stott como comportamento sexual anormal); e o terceiro é
aselgeia, lascívia, dissolução, desregramento. Em suma, é justo o “sexo solto” que é condenado como obra da carne, portanto, um dos maus frutos do pecado que habita em nós. Seja em atos, em palavras ou em pensamentos.
Quanto à masturbação, torna-se evidente que é um dos aspectos da lascívia. Dificilmente há masturbação sem a ajuda de imagens mentais lascivas; ainda que houvesse, a dissociação entre o prazer e o amor é própria à impureza. Você se refere à manipulação inconsciente do feto ou do bebê, mas entenda que nenhum adulto se masturba assim, não é? Quando recorremos a imagens mentais para nos satisfazer sexualmente, estamos dizendo a nós mesmos que não podemos alcançar essa satisfação sozinhos, mas preferimos companhias imaginárias que simbolizam relações superficiais, apenas para um prazer físico imediato. E esse procedimento cava dentro de nós um abismo sem fim, pois não podemos distanciar nossa alma do hábito de nossos pensamentos. Posso dizer portanto sem medo de errar que a masturbação é uma espécie de preparação da alma para as relações sexuais sem amor.
Compreendo que afirmar isto é loucura em nossa época fragmentada, em que não só perdemos toda noção do quanto pensamentos, palavras e ações são um todo em cada um de nós, mas sobretudo deixamos de enxergar os pecados sexuais como fragmentadores (nisso, o termo “dissolução” fala por si) – algo que alguns séculos atrás, em sociedades profundamente influenciadas pelo cristianismo, era tão óbvio que não demandava explicações copiosas. Calvino, por exemplo, sempre tão prolixo em tudo o que escreve, não dedica mais de poucas linhas descritivas a esses pecados em seu comentário sobre Gálatas, adicionando-lhes porém uma valiosa observação: “São pecados proibidos pelo sétimo mandamento.”
Qual o sétimo mandamento? “Não adulterarás”, justamente! Ao compreender a Bíblia dessa forma, Calvino imita o procedimento do próprio Cristo, que em seu Sermão do Monte mostrou aos discípulos que a Lei de Deus está muito além de preceitos exteriores.
Diante da enumeração desses quatro pecados como “obras da carne” (“carne”, aqui, não em sentido literal, mas em oposição aos “frutos do Espírito”), é impossível deixar de notar que o sexo sem amor é condenado na Bíblia. Mas esse “amor” não é o laço frouxo do “namoro” (algo que sequer existia nos tempos bíblicos), e sim o amor verdadeiro, profundo e indissolúvel, apenas presente no compromisso matrimonial. Deus criou o sexo para, além da procriação, aprofundar o amor conjugal – amor que não abandona (Jesus o proíbe), mas cuida do outro por inteiro, corpo e espírito, até a morte.
Adão reconheceu em Eva “carne de sua carne”, um só corpo. Nessa monstruosidade que o pecado inventou, o “sexo casual”, não há como reconhecer o outro como si mesmo. Não há como reconhecer nada além do próprio prazer físico. Os corpos no sexo casual são desconectados e fragmentados. Longe de serem apenas pura busca de prazer sem maiores consequências, cada um dos pecados sexuais mencionados nas Escrituras aponta para a mesma atitude interior: o afrouxamento dos laços do amor. É por isso que eles são elencados junto com os demais na lista do apóstolo Paulo: “...idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus” (Gl 5.20-21).
Como você, Deborah, disse em sua mensagem, “o sexo é uma energia muito poderosa”. Concordo: por isso, é destrutivo sem as amarras do amor profundo e responsável. Aprendi tanto na Bíblia quanto na vida (porque me converti aos 24 anos) que sexo entre solteiros é desgosto (ainda que oculto ou inconsciente) pelo amor verdadeiro. Ter sexo com alguém a quem não se ama (e quem ama casa!) é algo que machuca a alma. Entendo hoje que essa “energia poderosa” funciona como um cimento: não dá para “colar e descolar” à vontade, a não ser que consintamos em uma boa dose de desmanche do que somos. Nem a criatura mais romântica do mundo escapa disso, se não passar pela mudança de mente operada pela conversão cristã. No início da vida sexual, os rompimentos de namoros que incluem sexo machucam muito (seja sincera com você mesma e você vai se lembrar), literalmente arrancando partes de nós; mas depois de muito tempo, em nome do prazer sem compromisso fomentado pela cultura, começamos a nos forçar a nos acostumar com o processo. O resultado é que nos tornamos cada vez menos propícios a permanecer em um relacionamento. Casamos já pensando em descasar... porque aprendemos a “colar e descolar” em uma roda sem fim. Hoje é Fulano, amanhã é Sicrano... Todos sabemos que o resultado desse “sexo solto” equivale a divórcios em série (e mágoas, crianças feridas, descrença quanto ao amor...). Culpa da “revolução sexual” dos anos 60? Certamente, mas sobretudo culpa do pecado que jaz em nós.
Que Deus a ajude a compreender e vivenciar o verdadeiro amor conjugal Nele.
Abraços.