26 junho 2011

Meios de graça

Mesmo quando não estamos totalmente conscientes das implicações de nossas escolhas, nós escolhemos, e muitas vezes escolhemos mal. Essa é uma das extensões possíveis do texto bíblico que diz: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento” (Oseias 4.6). Essa palavra é ordenada por Deus e proferida por Oseias a um povo que, tal como a esposa adúltera do profeta, pecava continuamente contra seu Senhor, prostituindo-se com deuses estranhos e maquinando o mal, mesmo depois de ter sido libertado da escravidão no Egito e de ter testemunhado tantos milagres e providências em seu favor. É uma palavra dura, dirigida tanto ao povo quanto aos sacerdotes, que estavam tão “prostituídos” como o povo. E que “conhecimento” é esse? Não é geral, mas específico: “Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus [grifo meu], também eu me esquecerei de teus filhos” (Oseias 4.7). A lei — os limites de Deus para a formação de um povo não só livre, mas santo — era posta de lado. Não mais honravam a Deus acima de todas as coisas, como ordenado no primeiro mandamento, mas diluíam seu amor e sua adoração em farras e procedimentos “toma-lá-dá-cá”, no melhor estilo pagão, para receber o que desejavam. Por exemplo, realizavam um ritual de fertilidade nos campos que incluía orgias e depois creditavam a esses rituais a colheita abundante, exatamente como a esposa de Oseias recebia do marido seus víveres e presentes, mas atribuía essas dádivas a seus “amantes” (Oseias 2.5-8). Desconheciam tanto ao Deus de seus pais (todo-poderoso, bondoso e disposto a perdoar) quanto a sua lei (cuja obediência em amor é a única resposta humana adequada a esse Deus).

“Ah, eu nunca vou chegar a esse ponto”, você pode pensar. Cuidado: “esquecer” geralmente não é um ato abrupto, “esquece-se e pronto”. O estágio desesperador do povo e dos sacerdotes na época de Oseias é feito de pequenas inconsciências que se acumulam. Sim, o cristão pode se afastar tanto dos meios de graça disponibilizados por Deus que passa a desconhecer Seu caráter e Sua vontade quase que inteiramente. Desses meios de graça, sem dúvida um dos mais poderosos é o contato frequente com a Palavra: leitura da Bíblia, estudo de comentários, pregação fiel por ministros fiéis (se sua igreja não tem uma pregação sólida, talvez seja o momento de deixá-la). Se o cristão não souber a vontade de Deus expressa em Sua Palavra, como poderá fazer boas escolhas, que não o levarão a lamentar-se pelo restante de sua vida? De onde tirará (como de um tesouro) os valores que embasarão suas decisões? Como se orientará em um mundo que mais confunde que esclarece? “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará” (Efésios 5.14). O ressuscitado espiritualmente por Cristo não pode continuar agindo como morto-vivo.

Assim, muitos confundem a salvação pela graça com uma passividade do tipo “eu fico sentado aqui e Deus me abençoa”. Mas viver a fé não é isso. O amor inclui a adoração, que é ativa: Deus disponibiliza os meios de graça e nós O buscamos por esses meios, simplesmente porque O amamos. Imagine uma esposa que nunca demonstra seu amor para com o marido: esse é o cristão que não faz uso dos meios de graça. A esposa não deixa de amar de repente, mas cumpre um pequeno ato de abandono a cada dia: atos externos e internos. Usa de desculpas (excesso de tarefas, cansaço, necessidade de lazer) para deixar de lado as devocionais, faltar à igreja e estudar menos a Palavra. Intimamente, justifica a si mesma pelos pecados cometidos (em vez de reconhecê-los e pedir perdão por eles), e logo nem mais pensa nesses repetidos pecados. Nem ora, nem vigia, mas vive como que levada pelas ondas do mar, ao sabor dos acontecimentos, vulnerável a todas as tentações. É assim que, desprovidos da “armadura de Deus” (Efésios 6.13 ss.), somos inundados sem defesa alguma pelos princípios e preceitos mundanos sobre a vida, o mundo, o sentido das coisas. Então, esquecidos do Deus zeloso e doador de todas as bênçãos, optamos por recorrer a “outros deuses” quando precisamos de algo, preenchendo nosso vazio com aquilo que sabemos não vir de Deus. Logo o esquecimento pode ser completo e o resultado inevitável será o abandono total do único caminho de vida verdadeira.

Idolatria é inconsciência: é preferir tomar decisões com base no desconhecimento de Deus, em vez de buscar ativamente tal conhecimento. É preciso ter consciência da inconsciência, arrepender-se e buscar viver dentro do maravilhoso padrão de Deus, nossa proteção e nossa santidade. O apóstolo Paulo se dirige aos tomados pela inconsciência (que nos espreita a cada dia) quando diz: “Vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, pois os dias são maus. Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor” (Efésios 5.15-17). Não sejamos como o personagem da parábola que meu sogro gosta de contar em suas pregações: tendo recebido de graça um bilhete de navio para uma ilha maravilhosa, passou todo o longo trajeto escondido em sua cabine, comendo os sanduíches de mortadela que tinha levado, porque achava que não estavam incluídas no presente as lautas refeições que eram servidas no salão. No final da viagem, descobre que tudo aquilo estava à sua disposição o tempo todo.

O “bilhete” que nosso Deus nos dá não inclui somente a salvação. O caminho com Deus é feito de múltiplas e maravilhosas alegrias, não só materiais, afetivas, vocacionais etc., mas sobretudo espirituais. Uma igreja íntegra, um pastor firme, irmãos com quem podemos contar e orar, e principalmente os tesouros inesgotáveis da Palavra. Como negligenciar tudo isso? “Ah! Todos vós que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão, e o vosso suor, naquilo que não satisfaz? Ouvi-me atentamente, comei o que é bom e vos deleitareis com finos manjares. Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá” (Isaías 55.1-3).

12 junho 2011

Amor bandido

Sempre fico horrorizada com as crianças que se identificam com os vilões em vez de preferirem os mocinhos. Já conheci quem torcesse para o Tom e o Frajola contra Jerry e o Piu-Piu; quem imitasse com gosto o Scar de O Rei Leão; quem se derretesse em fascinação pela Bruxa Má da Branca de Neve. Mas então todo o meu choque se dissolve quando lembro que eu mesma, pequena, era apaixonada pelo dissimulado Dr. Smith da série Perdidos no Espaço.

E à vezes, mesmo depois de adulto, a gente continua se apaixonando pela pessoa errada. É o seu caso? Se sim, esse post é uma palavrinha especial de Dia dos Namorados. Se você está apaixonado(a) por um ogro (ou uma ogra), se um vilão (ou uma vilã) assedia você, é o momento da despedida. Se ele (ou ela) não é crente, ou é "crente entre aspas" e vive querendo arrastar você para o pecado (qualquer que seja esse pecado: sexual, doutrinário etc.), isso significa que essa relacionamento não é para você. ("Ah, mas eu vou evangelizar o Fulano": mentira do seu coração. Ou a gente namora, ou a gente evangeliza. Não dá pra fazer as duas coisas.) Se você já entendeu que está na companhia de uma pessoa dessas, mande passear sem dó nem piedade! Não é da vontade de Deus que você permaneça com alguém que só puxa você para baixo, para sentir o bafinho do inferno...

Experiência própria: depois que encontrei the one e me casei, entendi que a recompensa - o casamento com a pessoa certa, quando você dirá finalmente o esperado "sim" - só vem depois de muitos "nãos". É um sim, um só, ao final de muuuuuuuuuuitos "nãos". Aprenda a dizer "não" agora para que, ao final da jornada como solteiro(a), possa dizer um "sim" sem reservas à pessoa que Deus preparou para sua vida. O pecado é múltiplo e a idolatria é feita de um panteão; o amor verdadeiro é um só. E a Bíblia diz (em 2Coríntios 6.14) que esse amor deverá carregar o mesmo jugo que o seu, ou seja, o fardo leve e suave de Cristo. Não espere nem mais um dia: diga um "não" bem redondo ao seu amor bandido.

06 junho 2011

História de minha conversão (III)

“aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disso o juízo”

Hebreus 9. 27

Quando criança, eu já sabia que o homem era mau e Deus era justo. O que eu não sabia era como se manifestava Sua justiça. Criada por uma avó espírita, achei natural crer, aos oito anos, que a justiça de Deus se produzia através da reencarnação: os espíritos padeciam nesta vida, mas recebiam uma nova chance nas vidas posteriores. Essa explicação me satisfez durante vários anos.

Aos 24 anos, como já contei aqui, fui apresentada ao Evangelho. Meu amigo A.R. pregou para mim e me mostrou o versículo em que a crença espírita mais importante, a corrente sem fim de sucessivas vidas, é definitivamente contrariada pela Bíblia. Li Hebreus 9:27 mais de vinte vezes até me convencer de que a Bíblia não endossa a reencarnação. E aos poucos compreendi que a solução reencarnatória somente adia o problema, na medida em que o mal não é resolvido, mas “empurrado” para encarnações posteriores, que invariavelmente criam novas situações irresolvidas (karma). Infinitizando a questão, o diabo consegue diluir a sede de justiça em muitos. Lembrei que, ao assistir a um vídeo espírita pouco antes de me converter, não pude deixar de pensar no quão tristes aquelas pessoas se mostravam: o sofrimento apenas parece menos pesado quando estendido para várias e várias vidas.

Com a pregação da Palavra, pude alegrar-me na solução bíblica para o mal, expressa no que chamamos já e ainda não. Em Cristo, pela fé (e não por obras), somos justos, não perfeitos nem totalmente isentos da capacidade de fazer o mal, mas sim justificados Nele, sendo Ele a nossa justiça, o “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1.29). Cristo tornou-se condenação em nosso lugar (morreu nossa morte, como explica Paulo em Romanos 4.25) e resolveu o problema do mal, de uma só vez, para sempre. Se pecamos, é Nele que temos perdão eterno; se desejamos não pecar, é porque Ele nos deu esse desejo; se nos aperfeiçoamos, é porque Ele provê graça sem fim para que, no processo de arrependimento, perdão e cura, haja compatibilidade cada vez menor entre nossa alma e a propensão para atos, palavras e pensamentos maus, ofensivos a Deus e aos homens.

E o ainda não consiste na vida eterna, uma só vida após a morte, em que o mal e a morte serão definitivamente vencidos. É o que Calvino expressa tão magistralmente nas Institutas (livro 1, cap. V, 10):

Quando notamos que as indicações que Deus fornece de sua clemência e severidade são ainda inacabadas e incompletas, sem dúvida é preciso considerarmos que Ele preludia obras maiores, cuja manifestação e exibição plena serão percebidas na outra vida. E, de modo inverso, quando vemos os devotos serem talhados pelos ímpios com aflições, abatidos por injúrias, oprimidos por calúnias, dilacerados por afrontas e opróbrios e, ao contrário, os celerados florescerem, prosperarem, obterem a tranquilidade com dignidade, e isso impunemente, de imediato devemos concluir que haverá outra vida, na qual tanto a maldade será vingada quanto a justiça reposta.

De fato, é o próprio Deus, em Jesus, que exclama “Bem aventurados os que têm sede de justiça, pois serão saciados” (Mateus 5.6), apontando tanto para a justificação que Ele propiciou para nós na cruz, por meio da fé Nele, quanto para a maravilhosa palavra que fala em julgamento, novos céus e nova terra, em Apocalipse 20 e 21:

Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas.

31 maio 2011

Falácias do movimento gay

“Diga-me como falas, e te direi quem és” — essa seria uma paródia tão verdadeira quanto o adágio original. Certas declarações são mais eloquentes por aquilo que omitem. Veja o que afirmou esses dias Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais:

Não vejo o atual governo como homofóbico.

Na verdade, essa frase denota uma tremenda ingratidão. O governo não só não é “homofóbico” (ê palavrinha besta), mas promove diversas manifestações de aprovação pública e rasgada ao comportamento homossexual: financia paradas gays, determina métodos de doutrinação homossexual nas escolas públicas (não só o kit gay; veja aqui) e busca estabelecer leis (como o PLC 122) que instauram no Brasil o crime de consciência (objeções até “filosóficas” contra o homossexualismo são punidas), transformando os homossexuais em uma “classe”, no melhor estilo marxista. Toni Reis não sabe disso? Claro que sabe; mas, primeiro, os lobbies nunca estão satisfeitos, e pedem poder como os zumbis pediam por cérebros: “brains, more brains”; segundo, ele não pode dizer com todas as letras que o governo gasta o dinheiro público com coisas que o povo em geral não acha importantes (kit gay quando as escolas estão como estão?!), que o governo quer tomar o lugar dos pais na educação moral e sexual dos filhos e que, como se não bastasse, gera leis estrambóticas que fomentam imparcialidade, injustiça e caos social.

Mas vamos à outra declaração absurda:

Matamos no Brasil mais homossexuais do que no Irã. Foram 3448 homossexuais mortos nos últimos 20 anos, conforme dados do Grupo Gay da Bahia.

Essa é para rir. Será que o movimento gay realmente acredita nisso? Ou será que toma todo o povo não-militante como idiota? Há pelo menos cinco argumentos que desfazem totalmente essa falácia.

- Primeiro, números nada dizem quando sabemos que o Irã é um país com pouco mais de um terço da população do Brasil. Dã.

- Segundo, no Irã, onde o homossexualismo é proibido (escrevi sobre isso em 2007, aqui), não existem estatísticas sobre gays assassinados, pois a própria família se encarrega de matá-los, com a conivência geral, e ninguém registra o ocorrido. (É, folks, estatística é coisa de país democrático.)

- Terceiro, o Grupo Gay da Bahia não é um órgão confiável para fornecer essas estatísticas, já que está diretamente interessado na questão. É como meu amigo Ciro Zibordi escreveu, inventando uma informação tão confiável quanto essa: “O Brasil é o campeão mundial de crimes contra evangélicos. Fonte: DataGospel do Blog do Ciro.”

- Quarto, o número de assassinados por ano no Brasil é muito grande: 50 mil pessoas, segundo dados do IBGE. Além disso, desses 50 mil casos, somente 4 mil são resolvidos, de acordo com Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapas da Violência 2011, divulgada pelo Ministério da Justiça. Vê-se que não há um problema específico de homicídios contra homossexuais (apenas 0,5% do total), mas sim de homicídios em geral. O problema é a impunidade. Se o alvo do governo for a impunidade, todos serão beneficiados, homossexuais inclusive.

- Cinco, last but not least, nesses 0,5% de mortos, não se pode saber com certeza qual foi a motivação do crime: se ódio a gays ou outras causas, como roubo violento, vingança, crime passional etc. Um agravante a essa incerteza é o fato de que um bom número de gays frequenta locais perigosos à noite, por estarem envolvidos com drogas e prostituição. Sobre isso, a lógica torcida do movimento gay também se revela. Diz Luiz Mott, fundador do mesmo Grupo Gay da Bahia:

Nos crimes contra gays e travestis, mesmo quando há suspeita do envolvimento com drogas e prostituição, a vulnerabilidade dos homossexuais e a homofobia cultural e institucional justificam sua qualificação como crimes de ódio. É a homofobia que empurra as travestis para a prostituição e para a margens da sociedade.

Ou seja, se o gay foi morto porque fazia coisas erradas, frequentava lugares suspeitos e andava com más companhias, a culpa é minha e sua, leitor, porque empurramos o coitado para lá! Essa é a demonstração mais rasgada de “totalitarismo da vítima” (leia aqui) que já vi: se o gay fica devendo dinheiro de drogas, trai o amante violento, vende o corpo para psicopatas e acaba morto, isso tudo é culpa de “homofóbicos”! Ou seja, gays são sempre vítimas, não importa a situação. É a inversão total do Direito, perpetrada pela perversão do pensamento politicamente correto: pessoas são culpadas ou inocentes de acordo com a “classe” a que pertencem, não de acordo com sua história. Essa inversão é ruim para todo mundo, pois mata as bases do sistema judiciário — e é sobretudo por promovê-la que o PLC 122 é estapafúrdio e liberticida.

E sim, estatísticas de mulheres, negros e índios entram na mesma categoria: não dá para afirmar que foram motivadas por machismo e racismo, portanto, nada significam, a não ser isto se o Brasil é campeão em homicídios de qualquer espécie, é preciso reforçar os mecanismos de coação do crime contra todos e acabar com a impunidade geral. Nada de policiar a consciência, amigos. Isso é totalitarismo: além de não funcionar, faz mal para todo mundo.

Assim, caros líderes do lobby gay no Brasil:

Reconheçam que o governo brasileiro está fazendo de tudo para instaurar a “homonormatividade”, metendo-se em questões morais (algo além de seu escopo) à força de lei, e que só por isso vocês já não podem mais ser considerados as vítimas da sociedade;

Reconheçam que as estatísticas de vocês não provam absolutamente nada, por todos os motivos acima;

Reconheçam que é forçada a associação entre as objeções de consciência ao homossexualismo e os tais crimes de “homofobia”. Fosse assim, os pastores seriam culpados por todo crime contra mentirosos, adúlteros, masturbadores, ladrões, prostitutas, gulosos, preguiçosos etc. (além disso, nenhum pastor sério incita ao crime, mas sim ao abandono do pecado e ao amor pelo pecador);

Reconheçam que, se o PLC 122 passar, vocês serão responsáveis por elevar o poder estatal brasileiro à condição de polícia do pensamento. É isso mesmo que vocês querem? Não lhes passa pela cabeça que a polícia do pensamento poderá um dia se voltar contra vocês? Basta o governo mudar seus valores para que isso aconteça... Governos mudam, mas precedentes jurídicos permanecem.

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Em tempo: Desde sempre vistos como “libertários”, os homossexuais militantes estão agora se unindo ao Estado para calar a boca dos religiosos. Aliás, a história está mostrando que essa balela sessentista de “luta contra a repressiva moral judaico-cristã” só tem servido para diminuir a influência e a liberdade da religião cristã em todo o mundo. Luta de poder pura e simples. Para o deleite do demo. E hoje mais escancarada que nunca. Essa é só UMA PROVA do que digo (agora com o texto convenientemente modificado): uma manifestação marcada para amanhã, às 14h, em Brasília. (O site da Uol diz que foi um ataque de hackers, mas até que isso seja esclarecido vou manter o trecho aqui.)

Em frente a Catederal, nós ativistas LGBTT iremos queimar um exemplar da Bíblia 'Sagrada'. Um livro homofóbico como este não deve existir em um mundo onde a diversidade é respeitada.
Amanhã iremos queimar a homofobia.
COMPAREÇA

19 maio 2011

Empurrados para o armário

Se o PLC 122 realmente for aprovado, todas as pessoas que, por motivos diversos, não consideram a homossexualidade algo saudável e natural serão empurradas para o armário: não só religiosos mas também psicólogos, psiquiatras, cientistas, sociólogos etc. terão de tapar a boca em público quando o assunto for a prática homossexual. Um singelo “a homossexualidade é uma forma de sexualidade infantilizada” (como já ouvi) será tratado como se fosse o porrete da Ku Klux Klan.

Você ainda duvida? Pois é o que dizem os próprios militantes gays, em notícia do site Mix Brasil da Uol. Leia com cuidado:

   A senadora Marta Suplicy, do PT, atual relatora do PLC 122 _a lei que pretende criminalizar a homofobia no Brasil_ fez uma alteração substancial no texto que tramita no Senado Federal. Na prática, a alteração permite que pregações em templos e igrejas condenem a homossexualidade. É a forma encontrada pela Senadora e seus assessores para que o texto do PLC 122 passe pela barricada formada pelos parlamentares evangélicos.
   Agora o projeto deixa claro que a lei não se aplicará a templos religiosos, pregações ou quaisquer outros itens ligados a [sic] fé, desde que não incitem a [sic] violência. O novo parágrafo diz: “O disposto no capítulo deste artigo não se aplica à manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença de que trata o inciso 6° do artigo 5° (da Constituição)”.
   A liberdade de pregação e culto contra a homossexualidade, preservada pelo novo texto, não inclui as mídias eletrônicas. Isso é: continua vetado [sic], sob pena de multa, textos, vídeos e falas que condenem a homossexualidade publicados em sites ou transmitidos pela TV.

O conteúdo da notícia é um completo absurdo. Em primeiro lugar, dá a entender que antes o projeto realmente não protegia a expressão dentro das igrejas. Isso é INCONSTITUCIONAL, pois a liberdade de consciência e de crença está assegurada pela Constituição brasileira. Em segundo lugar, depois dessa concessão magnânima (que já estava na Constituição), impede que essa liberdade seja exercida fora do armário, ou seja, em público, tanto na mídia quanto nas ruas (pois haverá sempre o risco de denúncia por parte de um militante de plantão). Isso também é INCONSTITUCIONAL. Em vez de simplesmente proteger a pessoa homossexual, o projeto força todo mundo, de uma canetada só, a dar um OK para o comportamento homossexual até das formas mais impessoais possíveis, prevendo sanção (prisão e multa!) a “qualquer ação (...) contrangedora (...) ou vexatória de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica” (art. 20) contra a orientação sexual. (Definam “constrangedora” e “vexatória”, por favor!) Isso é ambição demais: mandar nas consciências!

Eu compreendo que os homossexuais queiram que todo mundo ache o comportamento homossexual algo bom, normal, bonito até. Compreendo mesmo. Se eu fosse gay, também ia querer isso, óbvio. Mas entre querer e obrigar há uma diferença. Não é? Vou explicar. Eu também queria que o cristianismo – a crença em Deus, a fé em Jesus como Filho de Deus e Salvador, o processo de santificação, a Bíblia como Palavra de Deus, tudo isso - fosse considerado bom, normal e bonito. Que maravilha seria este mundo: todos convertidos, todos cristãos! MAS E SE HOUVESSE UMA LEI QUE PROIBISSE A MANIFESTAÇÃO PÚBLICA DA CONDENAÇÃO DO CRISTIANISMO? A CONDENAÇÃO DA “CRISTOFOBIA”? Professores universitários, jornalistas, escritores, médicos, advogados, todo mundo impedido de contestar a religião cristã ou emitir opiniões anticristãs; livros de Nietzsche proibidos nas livrarias; filmes enaltecendo outras cosmovisões banidos da televisão; jornais e revistas multados ou fechados porque ousaram falar mal de um padre ou de um pastor; ateus proscritos do debate filosófico… já pensaram nisso? (Como cristã, eu não ia querer nada disso, e vocês?) Agora, coloquem “homossexualidade” no lugar de “cristianismo” e percebam o que vai acontecer.

ESSE PROJETO É UMA LOUCURA E INSTITUI A DITADURA GAY NO BRASIL. Os gays serão os intocáveis do país!

Militantes gays, parlamentares, Marta Suplicy e demais apoiadores do PLC 122: coloquem-se por um segundo no lugar das pessoas que vocês empurrarão para o armário com essa lei! Um segundo apenas!

Não custa repetir: considerar a conduta homossexual uma “heterossexualidade que não deu certo” (sorry, folks, na vida a unanimidade não é uma garantia) NÃO EQUIVALE a desprezar, odiar, maltratar e rejeitar gays. (Assim como desprezar o cristianismo não significa desprezar cristãos! Acordem!) Qualquer pessoa com um mínimo de humanidade no coração pode acolher com carinho os homossexuais em seu círculo de convivência ao mesmo tempo em que não concorda com seu estilo de vida, com sua filosofia. Eu mesma faço isso: os gays não me incomodam por serem gays. Pessoas são pessoas e nós gostamos delas também apesar do que creem e fazem. Os gays são gente antes de serem gays, e vocês, apoiadores do projeto, estão invertendo isto!

A pergunta que não quer calar: poderá um grupo intocável ficar livre da ira dos demais grupos que não são intocáveis? ESSA LEI VAI AUMENTAR TERRIVELMENTE A VIOLÊNCIA CONTRA OS HOMOSSEXUAIS. Serão criadas situações de injustiça que muitos vão querer corrigir na base da pancada. Esse projeto vai piorar a situação que vocês querem combater. A lei não serve para ninguém, pois contraria tudo o que uma lei deve ser: justa e fiel ao delicado equilíbrio de forças na sociedade, para que ninguém seja favorecido além da conta, oprimindo os demais.

No post anterior eu disse que aquelas seriam minhas últimas palavras sobre o PLC 122. Não consegui. Vou falar até o último minuto antes da aprovação dessa lei que não é lei, mas uma excrescência.

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Antes que venham argumentar “mas a lei da homofobia é como a lei do racismo”, informo que “estar negro” é bobagem, “estar homossexual” é perfeitamente argumentável (que o digam Michael Glatze e Bob Davies). A construção identitária do homossexual é isso mesmo, uma construção. Não há nada constitutivo na homossexualidade, nada que obrigue as pessoas a escolherem parceiros do mesmo sexo. Inclusive há até mesmo os que defendem que todos nós somos, no fundo, bissexuais, assim como há quem defenda que o sexo biológico é o único que existe. Raça e ato sexual não são categorias equiparáveis! Donde se depreende que o projeto proíbe a mais leve crítica de um COMPORTAMENTO e isso é inaceitável, digno de regimes totalitários.

11 maio 2011

Últimas palavras sobre o PLC 122

Vivemos em um país democrático. Apesar dos mandos e desmandos do partido trabalhista no poder, não podemos sequer por um segundo comparar o Brasil com a China comunista (onde ainda hoje o acesso à internet é controlado), com a Cuba socialista (onde se prendem e matam dissidentes políticos), com países em que o islamismo é a religião dominante (onde gays e cristãos são assassinados com a conivência do governo e do povo). De modo geral, os brasileiros têm asseguradas suas liberdades fundamentais.

No entanto, há aqui uma perseguição não-violenta, que com raras exceções é informal, subjetiva e dispersa — uma perseguição que não vem com força de lei, mas é exercida de acordo com preferências pessoais, acentuadas segundo as circunstâncias. Não juntei à toa “gays e cristãos” no parágrafo acima: assim como são igualmente visados nos países muçulmanos, acredito que, no Brasil, ambos os grupos se assemelham no modo de perseguição sofrida. Chocante a ideia? Explico.

Nas universidades públicas, onde caminhões de literatura “libertária” anticristã são despejados há décadas, os perseguidos da vez são os cristãos, associados a um conservadorismo rançoso e a estreiteza mental. O estudante cristão precisa aguentar calado em sala de aula uma quantidade impressionante de bobagens sobre o cristianismo, quando não se depara com insultos diretos, tanto do professor quanto das obras que precisa ler. Deve cuidar para não sentir-se desmotivado ao ouvir, vezes sem conta, que o conteúdo das matérias que estuda “é incompatível com a fé cristã” ou que a abertura de espírito necessária à investigação científica é inversamente proporcional a sua lealdade religiosa. Se teima em proclamar o que crê em alto e bom som no ambiente universitário, ou se apenas decide integrar o cristianismo a seus horizontes como um dado a mais, o aluno é tolhido em seus trabalhos e vigiado em sua trajetória. Caso escolha a carreira acadêmica, se não for barrado pelos professores da bancas, será considerado pela maioria um outsider, indigno de apreciação intelectual verdadeira. E o mesmo banimento dos cristãos pode ser verificado na quase totalidade dos veículos de produção cultural do país.

E onde os gays são mais perseguidos? Não é na família em primeiro lugar: hoje, pai e mãe aceitam com cada vez mais naturalidade a “opção” dos filhos. Não é no ambiente escolar e acadêmico: professores gays que se assumem são até considerados mais divertidos. Em funções associadas a moda, beleza e artes em geral, o gay que sai do armário é recebido com palmas. Talvez o profissional encontre alguma dificuldade em meios que exigem maior sisudez, como o do direito. Mas creio que a discriminação mais pesada se dá nas vias públicas, nos ajuntamentos, onde se suscita muitas ocasiões para a perda das boas maneiras. Já presenciei uma espécie de bullying insistente sofrido por um homossexual bem feminino que caminhava pelas calçadas do centro de Niterói. As provocações duraram o trajeto de uma rua inteira e os machões que as proferiam se sentiam totalmente à vontade. Abomino esse tipo de coisa e não queria estar na pele dele/dela naquele momento. Quanto à violência, a história é outra: quem surra e mata homossexuais também surra e mata índios, mendigos, mulheres, estrangeiros ou qualquer outra pessoa em situação de vulnerabilidade. Estou falando de perseguidores, gente que até pode ser imbecil, mas que é normal; não de psicopatas.

Como na universidade tanto alunos como professores gostam de mostrar-se liberais (dá status), não há muita ocasião para manifestações contra gays. Pelo contrário: na Letras, por exemplo, há uma linha de estudos todinha dedicada a eles. (Não há, que eu conheça, uma linha de estudos que seja cristã.) Por outro lado, os cristãos não estão livres do bullying, nem em suas próprias famílias, nem entre amigos. Quando me converti, aguentei inúmeras piadas e expressões de desagrado. E também perdi amigos. Há quem tenha perdido o afeto de toda a família, sobretudo quando seus membros eram muito apegados a outras religiões. Sei que gays passam pelas mesmas tristezas. Nem sempre essa faceta difícil é revelada em público pelos crentes, pois preferimos falar de Jesus (o objeto de nossa fé) em vez de insistir em nossas desventuras (que são ínfimas se comparadas à alegria da salvação).

E aqui chego a meu ponto. Sim, somos perseguidos de modo semelhante. Mas há uma diferença, ou melhor, duas. A primeira é política: no Brasil de hoje, a simpatia generalizada pelo homossexualismo se tornou uma conquista prioritária para o governo. A midia e instituições de ensino (debaixo de um controle estatal grande demais para nossa condição de país democrático) têm refletido várias estratégias massivas para ganhar essa simpatia (a última delas foi o tal “kit gay”). Quanto aos cristãos, o normal e aceitável há muito tempo é a antipatia generalizada: falar mal de padres e pastores, inventar personagens “evangélicos” caricatos e histriônicos para as novelas, fazer piadas sobre o Deus da Bíblia, ridicularizar a fé, tudo isso é até “bonito” aos olhos dos formadores de opinião. Assim, podemos afirmar que os dois grupos estão em condições bastante desiguais: as consequências da perseguição anticristã são mais graves, pois não temos o governo como parceiros no fomento de uma imagem mais aceitável — e nem queremos: do governo, só esperamos que trate a todos com verdadeira igualdade, sem favorecimentos injustos (nem “kit gay”, nem “kit crente”: ao governo não cabe doutrinar nossas crianças, e um governo laico não deve impor uma religião disfarçada, como nos tempos do paganismo).

A segunda diferença é mais profunda, psicológica e espiritual: como se reage à perseguição? Se são fiéis às orientações de Jesus, os cristãos oram por seus perseguidores e os tratam com bondade, de acordo com Mateus 5.24. Já os gays se juntam em lobby para instaurar leis opressivas contra quem os persegue. Sei que pareço cometer uma injustiça quando generalizo, usando o termo “os gays”. Mas me pergunto: onde estão os homossexuais que não querem seus nomes associados a coações jurídicas? Onde estão seus blogs, suas petições, suas passeatas? Peço a vocês, homossexuais que não concordam com nada disso: levantem-se e clamem, por favor, antes que, caso aprovem o PLC 122, seja fomentada no país uma verdadeira cultura da imposição gay. A pecha de “autoritário”, em nossos dias, não é nada agradável. Vocês realmente acham que a opinião pública ficará a seu favor quando começarem a punir indiscriminadamente, subjetivamente, os ofensores “homofóbicos”? (E se puníssemos os “cristofóbicos” da universidade, como seria?) Por que não estimulam que se reaja com mais nobreza aos ataques não-violentos? (Contra os ataques violentos já existe lei.) Se vocês não são religiosos, precisam concordar, pelo menos, que o exemplo de Jesus é inspirador.

Quanto aos cristãos, há décadas ninguém dá a mínima por eles. Continuaremos sofrendo zombarias, desprezo, ameaças. O que faremos? Elaboraremos leis para calar à força e mandar para a prisão quem nos persegue? Não, de modo algum. Que Jesus nos ajude a cumprir a vontade do Senhor: “Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus.”

29 abril 2011

O oportunismo dos que mandam no país

Pouco tempo depois da tragédia na escola de Realengo, quando aquele rapaz desequilibrado matou doze crianças com uma arma de fogo, fiquei estarrecida quando li que os oportunistas de plantão começaram a usar a notícia para ressuscitar a questão do desarmamento.

Não se conformam com a decisão do povo, não é? E nem se importam com o péssimo gosto do procedimento, nem com o raciossímio por trás da lógica: “Se tem gente que mata, vamos sumir com os instrumentos que essa gente usa.” Teriam então que sumir com facas, pedras, cordas, automóveis… assim como faz a mãe que tem filho pequeno dentro de casa. Até quando seremos tratamos como imbecis enquanto os criminosos não são nem pegos, nem coibidos, nem punidos adequadamente?

Renato Pacca, colunista do Globo, tratou brilhantemente a questão aqui. Não deixe de dar uma olhada. Os comentários também estão brilhantes, inclusive o de um advogado que menciona uma repassagem de algumas armas (daquelas que foram entregues às autoridades por cidadãos de bem na campanha do desarmamento, lembra?) para criminosos. Sim, você leu direito! A campanha do desarmamento contribuiu para passar armas de cidadãos para bandidos. Isso diz alguma coisa sobre o que está por trás dessa obsessão com o desarmamento, não diz?

Tudo isso só mostra, mais uma vez, o que eu venho sempre dizendo aqui no blog: hoje, quem não superar os raciocínios rasos e ideológicos do Politicamente Correto vai ser devorado com batatinhas fritas por essas cobras que mandam no país e no mundo.

Não deixe de ler a esclarecedora entrevista no Mídia sem Máscara com Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil.

23 abril 2011

Minha palestra na Vinacc - II

Nessa segunda parte da palestra, tratei de alguns conceitos da obra de René Girard (autor que é figurinha frequente no blog), conceitos que podem nos ajudar a compreender melhor nossa época. Autor católico pouco ortodoxo, com muita simpatia pelo protestantismo, Girard – talvez eu não tenha enfatizado o suficiente neste espaço – não pode ser lido sem reservas com relação à teologia. Em geral, sua teologia é confusa, com distorções por vezes bastante sérias. Porém, quando trata da antropologia cristã, ele é excelente, com intuições fantásticas sobre o espírito da contemporaneidade. O primeiro conceito que sempre exploro é o do bode expiatório, fenômeno estudado por ele em diversas sociedades que consiste no uso dos sacrifícios humanos como uma forma de purgar o mal dessas sociedades. Ele descobriu que muitas formas de organização social através dos tempos, desde as mais primitivas até as mais complexas, sempre apresentam esse processo: tribos escolhem arbitrariamente uma pessoa dentre o povo para encarnar o mal que é preciso combater; essa pessoa é morta e durante algum tempo a paz reina na comunidade. Uma das características mais importantes do mecanismo do bode expiatório é: o eleito para ser morto jamais tem uma culpa real. Ele não cometeu crime algum, mas uma determinada sociedade é levada a ver o Mal em determinada pessoa por motivos variados. Por exemplo, até hoje, aqui no Brasil, entre alguns índios da Amazônia, as crianças que nascem com defeitos congênitos são mortas, porque se acredita que aquilo é um sinal de malignidade, e que os espíritos vão atormentar a tribo caso aquela criança não seja morta. (Falei sobre isso aqui.) Esse é uma das expressões do mecanismo, que é sempre cruel.

Mas o mecanismo está presente também na nossa “avançada” civilização. Porque não nos livramos de tais loucuras com o progresso tecnológico, mas isto depende da cosmovisão religiosa de cada época. E, mesmo em uma época como a nossa, em que as pessoas mais intelectualizadas desprezam a religião e muitos não acreditam em Deus, existe uma visão sobre o bem e o mal que domina a sociedade. Embora a teologia de Girard seja confusa, sua consciência do pecado original é certeira. Ele afirmou o seguinte:

Crer na bondade inata do homem, fonte perpétua de desilusões, leva sempre à caça do bode expiatório.

Como cristãos, nós sabemos que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Ninguém entre nós é bom. Por isso, na conversão ao cristianismo, a primeira ilusão a ser desfeita é a da bondade inata do ser humano, e a fé sempre se inicia com o arrependimento dos nossos pecados. No entanto, o não-convertido costuma naturalmente acreditar na bondade inata do homem, ao mesmo tempo em que nutre uma visão muito pouco profunda do mal. Ele crê que somente alguns dentro da sociedade são maus e, como tem dificuldades para enxergar o mal dentro de si – e geralmente se guia pela lógica “não roubo, não mato, portanto sou bom” - , o mal só pode estar fora, nos outros. Então, a solução para o mal na sociedade passará necessariamente pela escolha de um bode expiatório: alguém que encarna o mal de toda a sociedade, alguém que é sempre inocente daquele mal específico. Girard afirma que o mecanismo do bode expiatório é sempre inconsciente: a sociedade, em um estado de cegueira extrema, não consegue perceber a inocência dos sacrificados, exatamente como as tribos indígenas não conseguem perceber a inocência das crianças doentes que são mortas. (Isso será ampliado com mais exemplos nas partes seguintes.)

E onde a antropologia de Girard dá as mãos ao cristiansimo? O sacrifício de Cristo é a morte do único ser inocente de todo mal que passou por esta terra. Somente Cristo poderia, como o único justo, morrer pelos pecados de toda a humanidade. A perversão inerente ao mecanismo do bode expiatório consiste na crença de que o escolhido para o sacrifício é de fato o ser que porta o mal, enquanto os sacrificadores são bons. Girard enfatiza que o mecanismo é insaciável: sempre surgem novos conflitos no seio da sociedade que “precisarão” de novos sacrifícios para ser aplacados. Já a Bíblia nos informa que, inocente, Cristo morreu de uma só vez por todos os nossos pecados reais: o inocente morre pelos culpados. Segue-se que o cristão pode enxergar, mais que qualquer outra pessoa, a crueldade dos processos de sacrifício do bode expiatório, alertando para a sede de sangue dos sacrificadores e para a inutilidade desse tipo de sacrifício, pois somente Jesus tem o poder de levar embora nossos pecados e matar todo mal, inclusive matar nossa morte, na cruz. Que você possa meditar nessas coisas neste domingo de Páscoa!

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Não deixe de ler o excelente texto de André Venâncio sobre a missão de Cristo, com muitas referências bíblicas, respondendo à pergunta de um amigo descrente. E aproveite para mostrar o texto nesta Páscoa aos não-cristãos que você conhece. Infinitamente melhor que oferecer chocolates! ;-)

14 abril 2011

Minha palestra na Vinacc – I e Twitter!

A primeira coisa que fiz, quando sentei à mesa para iniciar a palestra, foi perguntar à plateia: Qual é a religião mais perseguida no mundo na opinião de vocês?

As pessoas, muito participativas e simpáticas, logo exclamaram: o cristianismo. “É isso mesmo”, confirmei.

Uma organização católica — Aid to the Church in Need (Ajuda à Igreja Sofredora) — publicou no ano passado um relatório sobre a perseguição religiosa. Descobriu que o cristianismo é a religião mais perseguida no mundo, com duzentos milhões de sofredores por discriminação. O relatório identificou dois tipos de perseguição: por membros de outras religiões e pelo regime político. No primeiro tipo, a Ásia lidera o ranking, continente onde o islamismo é dominante. O segundo é composto de países comunistas: Cuba, China, Coreia do Norte, Vietnã e outros. O relatório também afirma que a liberdade religiosa em alguns países ocidentais está decrescendo: mesmo com a propalada liberdade do “Estado laico”, os cristãos são perseguidos principalmente por causa de símbolos religiosos e por posições pró-vida. Não por acaso, um foco gigantesco hoje de anticristianismo nos países democráticos são as universidades. Quem nunca sofreu discriminação no ambiente universitário por ser cristão? (Fiz essa pergunta à plateia e agora pergunto ao leitor. Difícil, não é? Todo cristão sabe o que é isso…)

Por que estou citando esses dados? Porque nós, cristãos, nunca nos vemos como vítimas. E é bom que seja assim. Nós somos filhos do Deus vivo, somos redimidos, lavados pelo sangue de Jesus. Não podemos nos colocar no papel de vítimas da sociedade. Colocar-se no papel da vítima e depois exigir seus “direitos” de modo a pisotear os direitos alheios tem sido uma estratégia cruel, com objetivos de incremento de poder, utilizada por muitos grupos ideológicos, principalmente os esquerdistas, as feministas, os adeptos da ação afirmativa e do lobby gay. É também o meio preferido dos terroristas modernos, que se justificam em seus atos violentos dizendo-se vítimas da sociedade e da história. Não podemos, de modo algum, imitá-los nisso — até porque não é nosso objetivo, nem deve ser, o aumento do poder social. Mas, paradoxalmente, de acordo com os fatos, nós cristãos somos vítimas de verdade. Temos sido vilipendiados e perseguidos de todos os jeitos, aberta ou veladamente, em todo o mundo. E como reagir a isso? Precisamos compreender o fenômeno por pelo menos três motivos: não podemos cair no conto da vítima desses grupos que pressionam por poder, nem adotar a mesma estratégia, nem nos confirmar voluntariamente no papel de culpados das mazelas humanas. Dar a outra face, nesse caso, seria continuar a testemunhar Cristo mesmo com todos esses obstáculos.

Ao longo dos demais posts, vou publicar o restante da palestra, em partes, tomando cuidado para não repetir conteúdos que já postei no blog.

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A novidade: com a ajuda do meu amigo Tiago Santos, já tenho Twitter! Sigam-me: @NormaBlog

24 março 2011

Calminha…

…que logo logo já escrevo no blog, especificamente sobre a VINACC, que foi fantástica! Enquanto não venho, vale a pena ler esses dois posts de meu marido André Venâncio, que foi comigo:

Sobre a magnitude do evento e as pessoas que encontramos lá;

e sobre os livros que ganhamos e compramos.

Até!

04 março 2011

VINACC!

Este Carnaval será especialmente emocionante: estarei na VINACC - Visão Nacional para a Consciência Cristã - , participando como palestrante da 13ª edição do Encontro para a Consciência Cristã. Falarei no sábado sobre o comunismo, sobre o bode expiatório e sobre o politicamente correto, assuntos sempre presentes aqui no blog (uma pesquisa sobre cada um desses termos mostrará com muita exatidão as ênfases que abordarei em minha palestra). O evento, que será em Campina Grande, Paraíba, vai até o dia 8 de março de 2011. Seu objetivo é “exaltar a pessoa de Jesus Cristo, edificar a Igreja, defender os princípios da fé cristã e propagar o evangelho”. A programação completa está aqui.

Como os últimos tempos foram especialmente difíceis – e eu ainda tinha trabalho de revisão desde o ano passado para entregar - , divulgo com bastante atraso, mas com muita alegria. Espero voltar com gás total para reassumir a regularidade das postagens.

Bom feriado a todos e que Deus os abençoe!

Alguns livros que indico para quem quiser aprofundar o assunto:

Mentira romântica e verdade romanesca, René Girard

O bode expiatório, René Girard

Quand ces choses commenceront, René Girard

A busca pela justiça cósmica, Thomas Sowell

Desejo e engano, Albert Mohler Jr.

Origens do totalitarismo, Hannah Arendt

A infelicidade do século, Alain Besançon

Verdade absoluta, Nancy Pearcey

Tempos modernos, Paul Johnson

O livro negro do comunismo, Stéplhane Courtois

Cuba, a tragédia da utopia, Percival Puggina

Onde é que Cristo está ainda a ser perseguido?, Richard Wumbrandt

O homem do céu, Irmão Yun

Torturado por sua fé, Haralan Popov

1984, George Orwell (ficção)

31 janeiro 2011

Dezenove semanas de amor

Esse texto foi escrito por meu marido, André Venâncio, sendo publicado também em seu blog Retratos por escrito.

"Os mandamentos de Deus são melhor lidos por olhos úmidos de lágrimas." (Spurgeon)

Soubemos da gravidez de minha esposa no começo de outubro, dias depois que um estranho mal-estar, ocorrido durante o culto dominical matutino, nos levou a suspeitar dessa possibilidade. Foram momentos de intensa alegria. Pouco tempo depois, no entanto, a ocorrência de alguns sangramentos ameaçou a nova vida humana que se instalava entre nós. A médica recomendou o repouso absoluto da Norma, o que significava sair da cama só para ir ao banheiro. Além da dedicação necessária ao novo emprego, precisei encarregar-me das compras, dos gatos, das tarefas da cozinha (que foram a pior parte), de levar à cama tudo de que ela precisasse, desde água até cotonetes - de todos os detalhes, enfim. Eu deixava o café da manhã semipronto para ela antes de sair para o trabalho, vinha correndo na hora do almoço com comida comprada em algum lugar para comer com ela e voltar correndo ao trabalho, e sobrou-me um tempo praticamente nulo para qualquer outra coisa. A pesada carga de tarefas que se abateu sobre mim só não foi pior que a total ausência de tarefas de minha esposa, que enfrentou o desafio oposto: sem poder sequer se sentar, restaram-lhe o tédio da quase total imobilidade e, ao menos em parte do tempo, a solidão. Além disso, tivemos de suspender o sexo e abrir mão de algumas noites de sono, no todo ou em parte. Muitas pessoas oraram por nós três em muitos lugares. Tudo isso deu resultado: os sangramentos pararam e a placenta voltou ao normal. A ultrassonografia seguinte nos permitiu respirar aliviados.

Em dezembro, na décima quarta semana de gestação, os exames revelaram uma hidropsia fetal, um acúmulo de fluidos no corpo do bebê que podia impedir o desenvolvimento adequado dos órgãos, levando à morte. Desta vez, porém, exceção feita às orações, não havia nada que pudesse ser feito. Sem perder a esperança, mas também sem qualquer garantia quanto ao futuro, passamos o Natal e o Ano Novo na expectativa do que os novos exames revelariam na primeira semana deste mês. E eles trouxeram más notícias: a hidropsia progrediu, tomando todo o corpo do bebê, incluindo a região do coração e dos pulmões. Vimos na tela do ultrassom, cheios de tristeza, o corpinho deformado pelo inchaço generalizado. No dia 13 de janeiro, um novo exame revelou que o coração já batia com fraqueza e lentidão, prenunciando a morte iminente. E dois dias depois, no dia em que a gravidez completaria dezenove semanas, foi enfim constatada a morte do nosso bebê. Trocamos bem poucas palavras no trajeto para casa e, tendo chegado, fizemos a única coisa que havia a fazer: abraçamo-nos e choramos longa e dolorosamente.

Naquele mesmo dia, lembrei-me do único poema que já li sobre um bebê morto antes do nascimento, escrito pelo inglês G. K. Chesterton (1874-1936). Sempre o considerei um belo poema; nele o bebê expõe a situação de sua própria perspectiva, imaginando, das trevas do ventre materno, como seria sua vida neste mundo, se tivesse chegado a nascer. Transcrevo-o abaixo. Fiz uma tradução, não muito boa, mas suficiente para os leitores que porventura não saibam ler em inglês. Aos que sabem, recomendo a leitura do original, que se encontra logo em seguida.

Pelo bebê que não nasceu

Se as árvores fossem altas e a grama baixa,
como em algum conto maluco,
se aqui e ali houvesse um mar azul
que se estendesse para além do horizonte,

se um fogo constante pendesse no ar
para me aquecer o dia todo,
se cabelos verdes crescessem nas colinas,
eu sei o que eu faria.

Na escuridão eu vivo, sonhando que existem
grandes olhos, amáveis ou frios,
e ruas tortuosas, e portas silenciosas,
e homens vivendo por trás delas.

Que venham as tempestades: viver uma hora
tendo saído à luta e às lágrimas
é melhor que todas as eras em que tenho
governado os impérios da noite.

Penso que se me deixassem
entrar e ficar no mundo,
eu seria bom durante o dia todo
que passasse nessa terra encantada.

Eles não ouviriam de mim uma palavra sequer
de egoísmo ou de desdém,
se eu apenas tivesse encontrado a porta,
se eu apenas tivesse nascido.


By the Babe Unborn

If trees were tall and grasses short,
As in some crazy tale,
If here and there a sea were blue
Beyond the breaking pale,

If a fixed fire hung in the air
To warm me one day through,
If deep green hair grew on great hills,
I know what I should do.

In dark I lie; dreaming that there
Are great eyes cold or kind,
And twisted streets and silent doors,
And living men behind.

Let storm clouds come: better an hour,
And leave to weep and fight,
Than all the ages I have ruled
The empires of the night.

I think that if they gave me leave
Within the world to stand,
I would be good through all the day
I spent in fairyland.

They should not hear a word from me
Of selfishness or scorn,
If only I could find the door,
If only I were born.

Amo esse poema porque ele capta de maneira mui sensível, além de literariamente magistral, a razão pela qual a vida humana deve ser preservada desde o ventre - e, por conseguinte, denuncia com toda a força a hediondez do crime que é o aborto. O poema evoca oportunamente o velho tema da pureza infantil. Não se pode prever que tipo de personalidade humana emergirá daquele misterioso organismo. É deveras pertinente a consideração feita pelo bebê do poema sobre sua própria bondade: se ninguém pode acusá-lo de crime algum, não é justo condená-lo. Ninguém tem o direito de sentenciar um feto à morte, nem de julgar em nome dele se esta lhe é preferível à vida. Acima de tudo isso, paira o fato óbvio (ou que deveria sê-lo) de que uma vida humana não pertence a nenhum outro ser humano.

Naturalmente, nada do que acabo de dizer descreve bem a situação de nosso filho. A principal diferença reside no fato de que ninguém lhe fez mal algum, nem pretendeu fazê-lo. Ao contrário, nosso bebê foi muito amado, e fizemos tudo o que pudemos - e que, na verdade, não foi tanto assim - para conservá-lo conosco. Foi o próprio Deus quem o levou, e ninguém mais. E isso faz toda a diferença, pois Deus, na qualidade de autor da vida, é o único que tem direitos irrestritos sobre ela. Oito meses atrás, ao redigir a página de agradecimentos de minha dissertação de mestrado sobre o diagnóstico de doenças em laranjeiras, fiz uma menção algo bem-humorada ao "Deus Trino, Autor de toda vida, humana ou cítrica". Eu nem sonhava em quão cedo as pesadas implicações desse fato se manifestariam em minha própria família. O Senhor exerceu seu direito exatamente conforme a descrição de Moisés em seu famoso salmo sobre a transitoriedade da vida humana: "Tu reduzes o homem ao pó e dizes: tornai, filhos dos homens". O versículo evoca com fidelidade a linguagem do Gênesis, na ocasião em que Deus amaldiçoou Adão: "No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás". Moisés se referia ao poder que Deus possui e exerce de fazer tornar ao pó a vida humana que Ele mesmo criara - dezenove semanas antes, no caso em questão. E aqui nosso dever é o de responder como Jó, que não perdeu um bebê no ventre, e sim dez filhos já crescidos, além de todos os seus muitos bens: "o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor".

Da mesma forma, diante da santidade de Deus não cabem considerações sobre a pureza das crianças, ou de quem quer que seja. A revelação divina não endossa os desvarios de alguns pensadores sobre uma suposta neutralidade moral inata do homem. "Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe": eis o testemunho bíblico acerca do estado moral do bebê, do feto, do embrião, do zigoto. O poema de Chesterton fornece, por contraste, evidência adicional desse fato. Ele apresenta com grande beleza o sentimento de intensa gratidão que deveria inundar a vida de todo ser humano que tem o privilégio de vir a este mundo. Apesar de todos os terríveis efeitos do pecado, este universo é de fato tão belo que as promessas de bondade e de evitar toda palavra "de egoísmo ou de desdém" deveriam ser levadas muito a sério por todos os homens. Entretanto, não há uma criança - e muito menos um adulto - que não tenha agido precisamente da maneira oposta. As bem-intencionadas promessas do bebê do poema não enganam o observador arguto de nossa natureza. Nosso filhinho era um miserável pecador que, se não cometeu pecado algum, foi apenas por falta de oportunidade. Se Deus o tivesse conservado com vida, o combate constante à sua depravação, em atos e em orações, teria sido, por longo tempo, uma das prioridades fundamentais de nossa vida.

Não deve ser difícil notar que esta breve exposição teológica não tem nenhum componente abstrato e distante da realidade, especialmente para nós, os pais do bebezinho morto. E, longe de agravar nosso sofrimento, a convicção acerca desses dois pontos fundamentais da fé cristã - a soberania divina e a depravação humana - nos abre as portas para a mais sólida alegria possível numa situação como esta. Nosso bebê é um filho da aliança; é, portanto, um santo, não por alguma pureza que possuísse em si, mas por uma causa eficiente muito mais sólida e perene: a pureza de Cristo - o Cristo cuja gloriosa face minha criança veio a contemplar antes de mim. De modo que não posso deixar de me sentir alegre ao repetir as milenares palavras de Davi: "Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim".

Esse episódio tem me levado a pensar com frequência naquele audacioso repúdio do apóstolo Paulo a toda proporção entre as obras dos santos e a recompensa que recebemos de nosso Senhor: "nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação". Isso é verdadeiro de modo mui evidente na curta vida de meu filho, cujo único sofrimento foi uma hidropsia que não durou mais que algumas semanas. Os poucos gramas de fluido acumulado em seu corpinho lhe são agora, no máximo, uma lembrança muito leve. Quando penso no contraste entre a nulidade de suas realizações e a glória de seu destino final, agiganta-se aos meus olhos a manifestação da graça de Deus em sua pequenina vida, e por um momento quase cedo à tentação de invejá-lo. Mas não há o que invejar, já que minha própria condição é idêntica à dele. Meus méritos não são maiores, e tampouco é menor a eficácia da graça de Deus em mim. Se não sou capaz de ver isso com igual clareza em meu próprio caso, é apenas porque minha visão ainda se encontra turvada pelo pecado. A vinda e a partida de meu filho me levaram a uma compreensão mais profunda da misericórdia divina. Nos momentos de maior lucidez, ao menos, vejo que meu bebê e eu estamos exatamente na mesma situação. Nossa recém-formada família já se encontra dividida pelo abismo da morte, mas está unida para sempre sob o cetro de um mesmo Rei, sob a sombra do mesmo amor derramado na cruz.

Nada disso anula nosso sofrimento. Há tempo para tudo, e agora é tempo de chorar. E temos chorado. Minha esposa e eu lutamos pela vida de nosso filho, conversamos com ele, oramos por ele, choramos por ele e sonhamos com ele. É claro que sentimos saudades dele. E é claro que foi para mim uma experiência dolorosa ver seu corpinho sem vida e deformado pela hidropsia. Já vi muitos defuntos, mas nunca vira a morte de tão perto. Jamais ela atingiu alguém que estivesse tão junto ao meu coração e ao meu corpo. Em decorrência disso, a morte me é hoje uma entidade menos abstrata. Agora tenho uma compreensão mais exata do quanto ela é terrível e do quanto são tolos aqueles que procuram jamais pensar nela. Vislumbrei o justo desespero que eu sentiria diante da morte se esse último inimigo não tivesse sido derrotado por Cristo na cruz. Mas é exatamente porque não posso desconsiderar esse evento que a tristeza não pode ir além de certo ponto. Nesta hora de lágrimas, a vitória que Cristo conquistou para minha família não é mero consolo, e sim causa de uma intensa e positiva alegria que coexiste com a dor em meu coração.

Sofro porque meu filho partiu tão cedo, pela intimidade que não chegamos a ter, pelas muitas alegrias (e algumas dores de cabeça) que não terei mais, por tudo o que eu teria aprendido com ele, por todos os momentos com que sonhei e que jamais acontecerão. É como se nossa vida tivesse empobrecido de repente. É justo chorar por tudo isso. Mas não há nenhuma necessidade de chorar por meu bebê, como se ele fosse uma vítima inocente de um destino cruel, nem de queixar-me das injustiças deste mundo, no qual tantos perversos incorrigidos passam vidas longas e saudáveis. A verdade é o oposto exato disso tudo: meu filho se foi deste mundo mau sem que ninguém lhe tivesse feito mal algum. Deus foi maravilhosamente bom para ele. Sua morte foi preciosa aos olhos de meu Senhor, que o alcançou com sua graça salvadora. Todo pai deseja que seu filho seja bem-sucedido. Pois o meu foi, naquilo que pode haver de mais importante. E isso muito me alegra nesta hora de lágrimas.

05 janeiro 2011

Paulo, Calvino e a sexualidade humana

Mais uma vez constato que Calvino tem uma compreensão da Bíblia fora do comum. Ontem estávamos lendo seus comentários a 1 Coríntios, como sempre temos feito em nossos cultos domésticos, e pela primeira vez saltou-me aos olhos uma unidade incrível nas considerações de Paulo sobre a sexualidade nessa epístola (lemos de 6.12 a 7.5). Pelo teor da carta, parece que a igreja de Corinto estava uma confusão só em relação ao assunto. Ali havia dois extremos, aqueles extremos que se tocam: a desvalorização do sexo ia desde a imoralidade evidente (sexo com prostitutas, sexo com a mulher do pai) até o desejo de abster-se de relações, mesmo dentro do casamento, como sinal de espiritualidade mais elevada. Nos dois casos, que apenas aparentemente são opostos, há a mesma instrumentalização do sexo: no primeiro, puro prazer egoísta e sem compromisso; no segundo, supressão do sexo com vistas a objetivos de “pureza espiritual”. Deus, através de Paulo, gera a perspectiva correta em nós quando, na Palavra, encaixa o sexo em seu lugar: a evidência creio que a mais importante — de que o casamento não é uma junção acidental (e sujeita às circunstâncias) de dois seres autônomos, mas sim a união permanente de seres que passam de fato a pertencer um ao outro (7.4). O próprio Jesus o exprimiu dessa forma: “não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19.6). Assim, entre o casal, o sexo não é um assunto para se decidir sozinho, mas sim algo que se deve a quem se ama: algo voltado integralmente para o outro. O amor conjugal, de acordo com a Escritura, é o que nos faz declarar com grande alegria: “meu corpo é seu, seu corpo é meu”. Se isso era maravilhosamente contracultural na época de Paulo (que enfrentava a reificação da mulher, a poligamia, os divórcios em série, a falsa ascese e a dicotomia entre alma e corpo), continua contracultural hoje, quando o sexo se torna um cada vez mais badalado entretenimento individualista, um ato sem sentido para a alma.

29 dezembro 2010

História de minha conversão (II)

Familiarizado com meu blog, o leitor saberá, a essa altura, o quanto a música teve e tem um papel importante na minha vida. No processo de conversão não foi diferente. Antes de me tornar uma cristã evangélica, eu depositava minha confiança em uma divindade que oscilava entre o Deus cristão e o “deus interior” (ou força impessoal), um híbrido mal-ajambrado dominante no meio em que circulava (espírita e esotérico) — alguém a quem eu orava vez ou outra enquanto conservava a certeza de que eu mesma era meu próprio Deus.

Isso começou a ser quebrado através de uma música de David Bowie chamada Quicksand (“areia movediça”). O refrão era anunciado pelas palavras “Não tenho mais o poder”, para arrematar: “Não acredite em si mesmo”. A cada vez em que ouvia essa música belíssima (e um tanto depressiva), sentia um tiro no coração que espatifava o tal deus interior. Mostrei-a para minha melhor amiga na época que partilhava resolutamente de meus conceitos religiosos — e observei: “Mas não é um orgulho imenso esse negócio de acreditar em si mesmo?” Era o prenúncio de que em breve eu conheceria o verdadeiro Deus.

Pouco tempo depois, ainda sem ter ouvido a Palavra, deliciava-me com um cd de Dave Brubeck quando me peguei dirigindo a Deus um pedido singelo: assistir ao vivo uma banda de jazz. Foi um ato impensado, inusitado até para mim, que não costumava proferir orações tão espontâneas. Com 24 anos, eu já trabalhava, mas não tinha dinheiro para frequentar os caríssimos Mistura Fina da época. Amava jazz e queria muito assistir a um show. Deus me atendeu de um modo muito especial: depois do expediente, andando sem objetivo fixo pela principal avenida de Copacabana, fui “fisgada” por Ele com o som inequívoco de jazz tradicional — a formação de que eu mais gostava: bateria, teclado e baixo — para dentro de um... supermercado. Pasmem: havia uma banda tocando jazz ao vivo dentro de um supermercado.

Quando entrei no local e confirmei que de fato as músicas vinham de uma jazz band, não de um cd, e que eu podia ficar ali em pé à vontade, ouvindo, e ainda de graça, exultei. Porém, havia alguma coisa ainda mais especial acontecendo ali. De alguma forma, o ar estava diferente, como se anjos me circundassem. Eu não sabia explicar, mas senti a urgência de abordar as pessoas que estavam ali, em torno do palco improvisado, prestando atenção à música. Entabulei uma conversa muito tímida com uma menina um pouco mais nova que eu. Dali a pouco, chega um rapaz, amigo dela, apaixonado por jazz também, e sou apresentada a ele. Começamos a conversar e eu fiquei empolgada quando soube que ele era cristão. “Estou frequentando um grupo de estudos de Jung e ele valoriza muito os religiosos”, expliquei.

Era a pessoa que me evangelizaria. Eis como Deus me “pescou”: com jazz!

21 dezembro 2010

Dores da maternidade I

Logo no início da gravidez, detectei um sangramento. A médica acusou uma ameaça de aborto espontâneo, recomendando duas doses diárias de hormônio e repouso absoluto — ou seja, cama, cama, cama. Obediente, por mais desconfortável que me sentisse, eu não me sentava nem para comer. Recebemos visitas, os irmãos oraram, amigos e família ligavam preocupados. Foi difícil viver cada dia sabendo que podíamos perder o bebê, mas seguimos confiantes em Deus. O sangramento passou.

Agora, em repouso moderado, com 14 semanas e meia de gravidez, recebo mais uma notícia ruim, desta vez bem ruim: um “edema generalizado” em meu bebê, ou seja, uma hidropsia fetal, doença de altíssima mortalidade e às vezes nenhuma causa detectável. Na internet, encontrei grupos de apoio em que há algumas histórias com finais felizes — os bebês que sobrevivem são considerados “milagres”.

Depois do diagnóstico, fomos à médica obstetra e, descartadas outras causas (contaminação por vírus e conflitos entre meu Rh e o do bebê), sobram defeitos congênitos ou algum tipo de cardiopatia. Por enquanto, nada podemos fazer: o feto precisa ficar mais maduro, pelo menos 16 semanas, para ser examinado novamente. Até lá, o óbito é uma possibilidade nem um pouco remota. O impressionante é a raridade do fenômeno: hidropsia fetal por tais causas acomete um em seis mil bebês!

Diante de tais notícias, o que fazer? A médica comentou conosco que a maioria dos pais, escorados em uma aterradora impotência, costumam decidir incontinenti pela interrupção da gravidez. Sabendo que somos cristãos, no entanto, ela já intuía nossa negativa ao procedimento, e se viu tranquilizada ao confirmar nossa decisão final: aguardaríamos os fatos e confiaríamos em Deus. E nisso nós O glorificamos porque, praticamente “sem querer” — sem intenção deliberada —, demos a ela um poderoso testemunho, por causa do que Ele já realizou em nós.

Saindo do consultório, André e eu conversamos sobre o absurdo raciocínio que subjaz à decisão do aborto nesses casos: se o feto está doente, a solução é matá-lo de uma vez? Por que optar por medida tão drástica, se tudo pode acontecer inclusive a remissão espontânea dos sintomas, sem qualquer explicação? Imagino que, nesses momentos, ocorre algo bastante humano, pecaminosamente humano: se nos sentimos impotentes, melhor controlar alguma coisa, ainda que seja a morte. No final, para consternação e culpa gerais, muitas vezes se descobre que o aborto não era necessário, já que o bebê, ao ser retirado à força do ventre, surge saudável, contra todos os prognósticos. Mas somente o cristão, se de fato desistiu de tentar controlar o rumo dos acontecimentos e se entregou ao Criador e Sustentador de toda vida, pode chegar a tais conclusões.

E no meio da tormenta acontece aquela coisa inusitada que apenas os cristãos podem experimentar: eu e André percebemos com alegria que a fé que Deus nos deu e aprimorou ao longo dos anos nos impede resolutamente que hoje nos torturemos com a clássica e destrutiva pergunta: “Por que nós, Senhor?” Afinal, Jesus lança luzes sobre o sofrimento não respondendo à pergunta “por quê?”, mas sim “para quê”: “para que se manifestem [em quem sofre] as obras de Deus” (João 9.3). E, ainda que nosso bebê não seja curado, sabemos que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8.28). Há propósito no sofrimento, e seu fim é sempre duplo: glorificar a Deus e nos abençoar. Como firmar-se nessa certeza? Não pela força de vontade: tal compreensão não é humana, mas sim um fruto exclusivo de Sua graça.

Que nesse final de ano, leitor, esse seja meu desejo de Natal a você: que contra todas as expectativas negativas, todas as estatísticas e todos os maus prognósticos, você possa colocar sua confiança inteiramente em Deus, dando toda a glória “Àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós” (Efésios 3.20). Amém!

09 dezembro 2010

Você tem que entrar para sair

Se alguém me pedisse para elaborar uma lista com as dez melhores músicas pop rock de todos os tempos, The Carpet Crawlers (do Genesis) seria uma delas. Lembro que a ouvia quando adolescente, bem antes de me converter. Era a versão com Phil Collins nos vocais (hoje acho a do Peter Gabriel mais bonita). Da letra eu entendia pouca coisa, mas cantava o refrão, que enuncia repetidamente: “We’ve got to get in to get out” (Temos que entrar para sair).

Nos meus 16 anos, esse bordão combinava-se muito bem com outro, “toda experiência é válida”, na boca de amigos que acabaram me instigando a fazer coisas de que me arrependi bastante depois. A música ficou como um emblema dessa fase; no entanto, apesar dessas lembranças, nunca consegui deixar de enxergar beleza nela.

E foi bom, porque hoje, com a letra diante dos olhos, percebo que “temos que entrar para sair” não é um convite do compositor para uma desejada abertura a todo tipo de experiência, como eu pensava na minha meninice. Longe disso: é a reprodução hipnótica de uma multidão rastejante que aceita um chamado para a idolatria.

A atmosfera é sufocante e bizarra. Pessoas se arrastam por um corredor vermelho-ocre em direção a uma pesada porta de madeira, atraídas por um ímã. No entanto, “acreditam ser livres”, comenta o observador. Voltados insistentemente para cima, os rostos são ávidos como plantas em busca do sol. Segue-se uma imagem de inversão: super-homens são despojados de seu vigor (“presos em criptonita”) enquanto mulheres virgens acham graça naquilo tudo. Pela porta aberta o observador nos conta o que vê: um banquete à luz de velas e uma escada que espirala para cima, até se perder de vista. A aparição da escada é outra imagem de inversão, remetendo a um vislumbre de falsa transcendência, de falso céu, já que é o homem que sobe a Deus. Para chegar até ali e arriscar-se na escada, é preciso contemplar a inversão, participar do banquete, beber daquele líquido que congela nos cântaros (será que congela a alma?). O bando repete sempre o refrão, como em uma hipnose coletiva, arrastando-se para aquele lugar, e seu ídolo adorado é tão invisível e fugaz como parecem ser os ídolos de nossa época.

O deus pode ser não-identificável, mas a ideia por trás dele é bem antiga. Em seu livro sobre o Apocalipse, Mais que vencedores, William Hendriksen explica que, nos tempos das cartas às igrejas, o cristão era chamado a participar de banquetes tão sinistros quanto o narrado por Peter Gabriel. Na verdade, era praticamente obrigado a participar caso não quisesse ser expulso do comércio e da vida social, pois em Tiatira (Ap 2. 18-29) os negócios “ se associavam com o culto de deidades patronais; cada negócio tinha seu deus guardião” (p. 103). Essas festas continham as famosas “comidas sacrificadas a ídolos” de que trata Paulo em suas epístolas e, pior, sempre terminavam em orgias. O crente de Tiatira que fugisse delas cometia um harakiri social, mas guardava sua santidade. É nesse contexto que surge Jezabel, a “profetisa” que arrumou uma justificativa afiada para que os cristãos não se preocupassem mais com isso. Conta Hendriksen (p. 103):

Ela aparentemente argumentava assim: para vencer Satanás, você precisa conhecê-lo. Você jamais será capaz de vencer o pecado, a menos que se torne experimentalmente familiarizado com ele. Resumindo, um cristão deveria aprender “as coisas profundas de Satanás”. Atendendo, de qualquer forma, às festas das associações e cometendo fornicação... e ainda permanecendo um cristão; tornando-se, até, um melhor cristão!

Em suma, a palavra-de-ordem de Jezabel aos cristãos era: Você tem que entrar para sair!

Adolescente, criada em um lar não-cristão, não tive quase nada que funcionasse como um freio para as situações terríveis que me puxaram como ímã, prometendo libertação e um arremedo de transcendência do outro lado. Mas dentro da igreja esse lema jezabelino pode ainda seduzir a muitos, que tentarão convencer a si mesmos de que não há problema em deixar-se vencer “estratégica e temporariamente” pelo pecado. Não devemos nos deixar enganar, porém: é impossível entrar para sair sem comprometer a alma, às vezes de modo irremediável.

29 novembro 2010

Sobre o recente protesto contra a UP Mackenzie

Em protesto ao pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), publicado desde 2007 no site da Universidade Presbiteriana Mackenzie contra o PL 122/2006 (conhecido como “lei anti-homofobia”), um grupo de ativistas organizou uma manifestação no dia 24 de novembro de 2010, por volta das 18h, em frente à universidade. Com previsão de mais de três mil participantes, o evento contou somente com cerca de 400, que se postaram diante dos portões da instituição, na Rua Itambé. Em seguida, o grupo deslocou-se do Mackenzie para a Avenida Paulista com um número já bastante reduzido, conforme anunciado por diversos veículos de comunicação como a Globo News, a Folha de São Paulo, a CET, o site da UOL e dezenas de outros sites informativos. Na universidade, as aulas transcorreram normalmente.

A oposição da IPB ao projeto de lei se baseia não só no senso comum e em análises jurídicas especializadas (que consideraram o projeto “inconstitucional”), mas sobretudo nos princípios cristãos que norteiam tanto a denominação quanto o Mackenzie. Não há novidade nisso: quando se matriculam na instituição, os alunos assinam o contrato de serviços educacionais, em que há uma cláusula explicando esse caráter confessional. Isso não significa perseguição a quem não subscreve essas bases cristãs, muito pelo contrário: não há registro na história da universidade de casos de discriminação de qualquer tipo, seja contra alunos homossexuais, seja contra alunos que professam outras religiões, ou nenhuma. Todos têm acesso aos mesmos benefícios, como bolsas de estudo.

No entanto, desde o momento em que a publicação do texto da IPB no site do Mackenzie foi “descoberta” pelos ativistas neste ano, a igreja, a universidade e a pessoa de seu Chanceler têm sido duramente atacados e acusados de “homofobia”. Filmados em vídeo, os manifestantes pediam a demissão do Chanceler, cuja foto foi estampada em diversos sites homossexuais acompanhada de palavras de ódio. A virulência que caracterizou essas expressões de indignação, mesmo antes da aprovação do projeto, confirma o quanto é perigoso que a sociedade se veja refém de uma minoria militante, que procura impor seus pontos de vista por meio de pressão e difamação, não admitindo que pessoas, igrejas e organizações cristãs simplesmente afirmem ser a conduta homossexual um pecado.

Para detalhar melhor sua postura bíblica — que se fundamenta no amor, não no separatismo, e prega o respeito a todos —, cristãos que partilham da mesma visão sobre o homossexualismo se uniram para elaborar o manifesto “Universidade Mackenzie: Em Defesa da Liberdade de Expressão Religiosa”. O texto foi reproduzido em cerca de oito mil sites cristãos e conservadores, recebendo mais de 36mil citações na internet. Traduzido para idiomas como alemão, espanhol, francês, holandês e inglês, foi postado em sites de diversos países estrangeiros, como Estados Unidos, França, Alemanha e Portugal. Centenas de manifestações de solidariedade à postura do Mackenzie foram veiculadas em diversos meios, inclusive no conhecido blog de Reinaldo Azevedo (articulista da revista Veja), um dos comentaristas políticos mais lidos e respeitados do país. Respondendo às acusações de “homofobia” com argumentos sólidos e bíblicos, os cristãos creem que sua postura contribuiu para que a manifestação de repúdio ao documento da IPB tenha recebido tão pouca adesão do público.

Nós, cristãos, estamos alegres e gratos por todo o apoio recebido e pelas orações do povo de Deus em favor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de seu Chanceler, o Rev. Augustus Nicodemus Gomes Lopes. Instamos o povo de Deus a que se una também em súplicas e intercessões para que o Deus todo-poderoso derrame seu Espírito Santo sobre a igreja evangélica neste país. Necessitamos com urgência de um avivamento, de forma que o Cristo crucificado seja exaltado, os crentes sejam santificados, a Escritura Sagrada seja pregada com liberdade, pecadores se convertam e nosso país seja transformado, para a glória do Deus trino da graça.

Este pronunciamento é uma criação coletiva com vistas a representar o pensamento cristão brasileiro. 
Para ampla divulgação.

19 novembro 2010

UNIVERSIDADE MACKENZIE: EM DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA

A Universidade Presbiteriana Mackenzie vem recebendo ataques e críticas por um texto alegadamente “homofóbico” veiculado em seu site desde 2007. Nós, de várias denominações cristãs, vimos prestar solidariedade à instituição. Nós nos levantamos contra o uso indiscriminado do termo “homofobia”, que pretende aplicar-se tanto a assassinos, agressores e discriminadores de homossexuais quanto a líderes religiosos cristãos que, à luz da Escritura Sagrada, consideram a homossexualidade um pecado. Ora, nossa liberdade de consciência e de expressão não nos pode ser negada, nem confundida com violência. Consideramos que mencionar pecados para chamar os homens a um arrependimento voluntário é parte integrante do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Nenhum discurso de ódio pode se calcar na pregação do amor e da graça de Deus.

Como cristãos, temos o mandato bíblico de oferecer o Evangelho da salvação a todas as pessoas. Jesus Cristo morreu para salvar e reconciliar o ser humano com Deus. Cremos, de acordo com as Escrituras, que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Somos pecadores, todos nós. Não existe uma divisão entre “pecadores” e “não-pecadores”. A Bíblia apresenta longas listas de pecado e informa que sem o perdão de Deus o homem está perdido e condenado. Sabemos que são pecado: “prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, rivalidades, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias” (Gálatas 5.19). Em sua interpretação tradicional e histórica, as Escrituras judaico-cristãs tratam da conduta homossexual como um pecado, como demonstram os textos de Levítico 18.22, 1Coríntios 6.9-10, Romanos 1.18-32, entre outros. Se queremos o arrependimento e a conversão do perdido, precisamos nomear também esse pecado. Não desejamos mudança de comportamento por força de lei, mas sim, a conversão do coração. E a conversão do coração não passa por pressão externa, mas pela ação graciosa e persuasiva do Espírito Santo de Deus, que, como ensinou o Senhor Jesus Cristo, convence “do pecado, da justiça e do juízo” (João 16.8).

Queremos assim nos certificar de que a eventual aprovação de leis chamadas anti-homofobia não nos impedirá de estender esse convite livremente a todos, um convite que também pode ser recusado. Não somos a favor de nenhum tipo de lei que proíba a conduta homossexual; da mesma forma, somos contrários a qualquer lei que atente contra um princípio caro à sociedade brasileira: a liberdade de consciência. A Constituição Federal (artigo 5º) assegura que “todos são iguais perante a lei”, “estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença” e “estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Também nos opomos a qualquer força exterior – intimidação, ameaças, agressões verbais e físicas – que vise à mudança de mentalidades. Não aceitamos que a criminalização da opinião seja um instrumento válido para transformações sociais, pois, além de inconstitucional, fomenta uma indesejável onda de autoritarismo, ferindo as bases da democracia. Assim como não buscamos reprimir a conduta homossexual por esses meios coercivos, não queremos que os mesmos meios sejam utilizados para que deixemos de pregar o que cremos. Queremos manter nossa liberdade de anunciar o arrependimento e o perdão de Deus publicamente. Queremos sustentar nosso direito de abrir instituições de ensino confessionais, que reflitam a cosmovisão cristã. Queremos garantir que a comunidade religiosa possa exprimir-se sobre todos os assuntos importantes para a sociedade.

Manifestamos, portanto, nosso total apoio ao pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil publicado no ano de 2007 e reproduzido parcialmente, também em 2007, no site da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por seu chanceler, Reverendo Dr. Augustus Nicodemus Gomes Lopes. Se ativistas homossexuais pretendem criminalizar a postura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, devem se preparar para confrontar igualmente a Igreja Presbiteriana do Brasil, as igrejas evangélicas de todo o país, a Igreja Católica Apostólica Romana, a Congregação Judaica do Brasil e, em última instância, censurar as próprias Escrituras judaico-cristãs. Indivíduos, grupos religiosos e instituições têm o direito garantido por lei de expressar sua confessionalidade e sua consciência sujeitas à Palavra de Deus. Postamo-nos firmemente para que essa liberdade não nos seja tirada.

Este manifesto é uma criação coletiva com vistas a representar o pensamento cristão brasileiro.
Para ampla divulgação.

13 novembro 2010

História de minha conversão (I)

Em uma série de posts, pretendo contar a história de minha conversão.

Eu fazia Faculdade de Letras (Francês) e costumava, junto com outros alunos, pegar carona para casa na saída do estacionamento. Era a época em que o transporte público ali era escasso e lotado. Entre um carro e outro, um amigo me apresentou a um colega que cursava Russo, A.R., a quem logo enderecei a pergunta de costume:

Qual o seu signo?

Ele me olhou um tanto espantado e, para minha surpresa, respondeu:

— Eu não tenho signo.

Fiquei furiosa. Naqueles tempos dogmáticos, quem não partilhava de minhas convicções — reencarnação, astrologia, sortes — era irremediavelmente burro ou tapado. Como, não tinha signo? Todo mundo tem signo!

Eu não tenho — insistiu ele, e aquilo anuviou a conversa. Mais tarde, vim a saber que ele era “crente” e a antipatia se cristalizou mais ainda.

Durante meses, eu até o cumprimentava pelos corredores da Letras, mas de muita má-vontade, diga-se. Ele sempre acenava para mim polidamente.

Três anos se passaram. Um amigo me evangelizou (essa será a História de minha conversão II) e recebi a Palavra com alegria.

No mesmo estacionamento, voltei a encontrar A.R. e fui direto ter com ele.

— A.R., você pode me ajudar? Eu comecei a ir à igreja e estou com algumas dúvidas em relação à Bíblia.

Ele abriu um imenso sorriso. Depois, contaria que andara orando por minha conversão desde nosso primeiro (e inamistoso) contato, todos os dias. Lembrando-me hoje de sua lealdade, penso que naquele momento seu coração deve ter ido até o céu, fazer festa com os anjos.

08 novembro 2010

Ainda sobre Ortodoxia (II)

“Toda verdade proclamada referente a Cristo é completamente paradoxal pelo prisma do juízo humano.” João Calvino

Começo a pensar que um dos maiores problemas dos pensadores católicos worthwhile é nunca terem lido Calvino, ou nunca o terem lido devidamente. No Capítulo 5 de Ortodoxia, com seu jeito predominantemente intuitivo de abordagem teórica, Chesterton escreve:
(...) precisamos não de um amálgama ou de um compromisso [ou seja, acordo em que as duas partes recuam e se ajustam], mas de ambas as coisas no apogeu de sua energia – amor e raiva, ambos ardentes. (...) O paganismo declarou que a virtude estava em um equilíbrio [ou seja, na moderação] e o Cristianismo veio declarar que ela estava em um conflito: a colisão de duas paixões aparentemente opostas. De fato, elas não eram, realmente, inconsistentes, mas eram tais que se tornava difícil manterem-se simultaneamente.

Ele começa a explicar essa aparente oposição em trechos anteriores, citando o paradoxo na pessoa de Cristo, verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, sem que o lado Deus precise se ajustar ou ser diminuído para abrigar em si o lado homem (como alguns ainda tímidos proponentes de noções heterodoxas querem nos fazer acreditar). Apenas porque não se trata de lados, justamente, mas de duas ideias “exageradas”, inteiras, plenas, em comunhão. E os exemplos se multiplicam também na realidade humana, como na humildade e no valor próprio: “Considerado como Homem, sou a maior criatura; considerado como um homem, sou o maior dos pecadores.” Ele tem razão: temos nossa dignidade única face a Deus, pois somos “coroa da criação”, e, ao mesmo tempo, por causa do pecado, estamos diante Dele com a boca no pó. Assim como a natureza de Cristo não inclui uma oposição entre o ser de Deus e o ser humano, saber-me a maior das criaturas e ao mesmo tempo a maior das pecadoras não é um dualismo irreconciliável ou coisa de doido, mas sim a expressão de duas verdades que apenas parecem se contradizer, mas que convivem pacificamente no todo da teologia. O mesmo pode ser dito e tem sido dito repetidamente sobre um dos binômios mais importantes da doutrina cristã, a falsa oposição entre soberania de Deus e responsabilidade humana.

Essa relação dual é chamada, no campo teológico, antinomia ou paradoxo lógico. São verdades distintas, porém não opostas: andam de mãos dadas e não podem ser isoladas uma da outra. O autor calvinista J. I. Packer escreve que existe antinomia quando “dois princípios se mantêm lado a lado, aparentemente irreconciliáveis, mas ambos inegáveis” (Evangelism and the Sovereignty of God, tradução minha). E inúmeras personalidades também calvinistas, conhecidas e respeitadas no nosso meio, como Spurgeon, Packer, Piper, Beeke e muitos outros, demonstram a mesma compreensão acerca da soberania divina e os atos humanos (você pode ler citações sobre o assunto, traduzidas por mim, aqui). De fato, é em Calvino que encontramos várias expressões do funcionamento dessa dinâmica, que talvez possa ser considerada parte de um princípio essencial que permeia toda a sua teologia: o distinctio sed non separatio. Em A vida de João Calvino, Alister McGrath afirma com muita propriedade:

Repetidamente Calvino apela para a fórmula baseada na cristologia, distinctio sed non separatio, significando que as duas ideias podem ser distinguidas, mas não separadas. Assim, o ‘conhecimento de Deus’ e o ‘conhecimento de nós mesmos’ podem ser diferenciados, mas não podem ser alcançados de forma isolada, um em relação ao outro. Da mesma maneira que a encarnação representa uma manifestação paradigmática dessa complexio oppositorum, o mesmo padrão é assim repetido e deve ser percebido através das várias manifestações do relacionamento entre Deus e a humanidade.
E me ocorre que é por falta de uma compreensão mais profunda do princípio Distinctio sed non separatio falta de uma leitura acurada de Calvino, novamente — que muitos não conseguem admitir como podemos ser livres, ao mesmo tempo em que estamos debaixo da mão firme e compassiva Daquele que conhece todos os dias de nossas vidas. Mesmo intuindo o distinctio ou a antinomia, Chesterton não conseguiu desembaraçar Calvino da pecha de “determinista”. Certo, um bom número de protestantes também não consegue. Porém, no caso do pensador inglês, há um (monstruoso) obstáculo adicional: como bom católico, confiado na instituição, preferiu enxergar (e louvar) processos de um custoso equilíbrio antinômico na Igreja, não na Palavra. Além disso, sua visão do distinctio é corrompida: em Calvinismo, Kuyper já demonstrara que há um separatio realizado pela própria Igreja Católica, que se arvora em mediadora entre o homem e Deus. Esse deslocamento do divino para o terreno (pois a instituição atribui a si mesma qualidades que pertencem a Cristo) lhe custou o ponto primordial do princípio, a dinâmica correta do par e obras — que, por sustentar que as boas obras decorrem da fé (dada por Deus) e não o oposto, glorifica maximamente a Deus, como deve ser, sem isolar da dinâmica a participação (não o mérito) do homem. Paulo e Tiago não se opõem, complementam-se. Sem a primazia reservada à glória de Deus — que foi como Calvino trabalhou em sua teologia, sendo por isso tão mal compreendido —, o princípio distinctio sed non separatio é esvaziado de seu sentido maior. Afinal, ele se origina em Deus, que era antes que nós fôssemos e nos criou distintos Dele, para glorificá-lo e amá-lo acima de todas as coisas, vivendo junto a Ele por toda a eternidade.
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Leia também:
Sobre Chesterton: Primeiras notas sobre Ortodoxia
Sobre a antinomia: “Eu não sei”, de Augustus Nicodemus (e não deixe de ler também o excelente comentário de Herminsten Maia na mesma postagem)
Sobre os oponentes cristãos da ideia da antinomia: “O direito ao mistério”, da minha cara-metade André Venâncio, Parte 1, Parte 2 e Parte 3