Eu estava experimentando um mix de sentimentos durante as manifestações do mês de junho: alegria (porque o que nasceu de modo calculado, com o Passe Livre, tornou-se uma explosão de indignação espontânea), tristeza (por causa da violência de alguns), apreensão (ao pensar no que o governo poderia fazer para se apropriar dos acontecimentos ou retaliá-los), perplexidade (porque é muito difícil analisar os fatos e suas múltiplas correlações). Nesse ambiente emocional, tive um sonho em que participava de um almoço com os membros muitos simpáticos de um coral evangélico. Depois de comer, fomos cantar juntos e eles iniciaram aquele cântico que usa a letra do Salmo 108: "Firme está, firme está meu coração, oh Deus". Quando elevei a voz para a frase seguinte, "Cantarei e entoarei louvores", vi que eles foram em uma direção totalmente oposta. Ri comigo e parei, só ouvindo. O que se seguiu foi uma paródia do cântico, que usava a ironia de um modo inteligente para denunciar as práticas idolátricas da igreja. O coração não pode estar "firme" quando tantos cristãos adotam costumes animistas (como a crença no poder de objetos ungidos) ou se alienam diante de novelas de televisão - só para citar algumas das críticas levantadas ali. Depois que a apresentação acabou, eu tive muita dificuldade para segurar as lágrimas - e acordei inevitavelmente chorando, como me acontece em alguns sonhos. Em seguida, lembrei-me do blog de meu amigo Renato Vargens, que tem denunciado sem cessar essas práticas absurdas, e ponderei sobre o quanto podemos estar tão satisfeitos com nossa igreja local, ou nossa denominação, que passamos a dar de ombros para esses desvios em outras igrejas, como se não nos dissessem respeito... Trata-se de um pecado, ou vários - conformismo, individualismo, sectarismo - , de que precisamos nos arrepender.
E, enquanto escrevo esta postagem, dois textos bíblicos me vêm à mente: Lucas 6.41-42 (em que é necessário reconhecer os próprios pecados antes de identificar e tratar os alheios) e 1 Pedro 4.17 (em que seremos julgados primeiro). Será que temos chorado o suficiente pela igreja antes de fornecer soluções para o mundo? Será que temos condenado o mundo sem perceber o quanto compartilhamos das mesmas idolatrias? Será que entendemos o quanto a purificação da igreja é fundamental para salgar e iluminar o mundo? Evidentemente, não condeno quem escreveu análises sobre as manifestações, de modo algum, e li algumas delas; o trabalho de crítica cultural à luz da cosmovisão bíblica é muito importante. Mas o sonho, de alguma forma, colocou as coisas em perspectiva, não necessariamente quanto à ordem das tarefas, mas quanto ao espírito com que as cumprimos: implicando-nos na crítica, como alvos da Palavra, jamais juízes. Se tantos cristãos têm energia suficiente para sair às ruas e clamar contra a corrupção reinante, imagino que podemos fazer como Jeremias e começar a nos lamentar coletivamente, em nossas igrejas, pelo estado da doutrina e da mentalidade evangélicas no Brasil. Ao contrário das manifestações, cujo resultado é incerto e talvez até negativo, a lamentação dos filhos de Deus, com verdadeiro arrependimento, nunca é vã.
4 comentários:
Minha reflexão sobre estes assuntos tem sido complementada com seus textos e de outros cristãos sérios e submissos à Palavra. Abraço, Luciana Figueiredo.
Prezada Norma!
Tenho grande admiração pelo que vc escreve, pois é sensata nas análises que faz, e também tem o conhecimento para isso. Como cristãos sabemos que devemos ter muito cuidado pelo mesmo motivo citado nos versículos, porém o que estamos presenciando em nosso país é algo oportuno para que outras pessoas enxerguem aquilo que sempre combatemos, o Comunismo como inimigo numero um do Cristianismo. Sei que o exemplo que vc deu, é totalmente adequado, e concordo plenamente. Precisamos canalizar nossos esforços para pregação do evangelho e do amor de Cristo. Embora o contexto atual seja propício, devemos lembrar que o inimigo aproveita "todas" as oportunidades. Precisamos estar vigilantes, a Palavra deve prevalecer SEMPRE! Um abraço.
Obrigada, Luciana!
É isso mesmo, Marcio! Embora eu não diga que o comunismo é nosso inimigo número 1 de modo final: é apenas o que "colou" mais nesta cultura, nesta época. Nesse sentido cultural, sim, pode-se dizer que está entre os primeiros... Abraços!
Ótima reflexão Norma Braga!
Realmente como filhos de Deus deveríamos lamentar, até com mais força, dos absurdos dentro da Igreja, quanto somos capazes de protestar contra o nosso governo.
Deus a abençoe!!!
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