Um esforço, com a graça de Deus, de recolocar o cristianismo na via dos debates intelectuais. Não por pedantismo ou orgulho, mas por uma necessidade quase física de dar nomes às minhas intuições e contornar o status quo das idéias hegemônicas deste mundo.
13 dezembro 2009
Calvino e a responsabilidade humana
07 dezembro 2009
My Way e Comme d'habitude
Quem não conhece esse que foi um dos maiores sucessos do Frank Sinatra tardio e uma das canções mais regravadas de todos os tempos? No leito de morte, o eu lírico da composição proclama orgulhosamente: I did it my way (em uma tradução desajeitada, "fiz do meu jeito", ou seja, "vivi a vida como me pareceu melhor"). Se a música fosse poesia, como crítica literária eu diria que se trata de um sujeito forte: seus arrependimentos foram muito poucos que valessem a pena mencionar; cada um de seus passos, tais como os do Chapolim, foram friamente calculados; se havia dúvidas, ele "engoliu e cuspiu", encarando tudo e permanecendo de pé; ri das derrotas e falhas; e termina seu relato dizendo que um homem que não tem a si mesmo é um homem que não tem nada. Ele morre sozinho, confiante e satisfeito. Uau!
Mas poucos conhecem essa que foi a matriz francesa para My Way, chamada Comme d'habitude, de 1967. Curiosamente, a letra original nada na contramão de sua irmã americana, ao descrever a vida de um casal cujos gestos cotidianos são desprovidos de significado. O eu lírico, dessa vez, é um marido deprimido e até conformado com o fim iminente de seu casamento. Diz a canção: "Como de costume, todo o dia/ Eu vou fingir/ Nesta cama fria/ Minhas lágrimas, eu as esconderei/ Como de costume." É o exato oposto do sujeito que toma as rédeas de suas decisões: em Comme d'habitude, o relacionamento sem vida é um subtema para demonstrar a impotência do homem.
Poderíamos dizer que ambas as canções ilustram os atuais modos americano e europeu de considerar o ser humano. Um é otimista demais, quase heroico; o outro, pessimista e até niilista. Porém, é mais interessante pensar que são duas cosmovisões contraditórias oferecidas por um mundo que só consegue enxergar o homem sem Deus. Separado do Criador, o homem pode aventurar-se pela vida crendo que é dele que depende seu destino; ou então, pode afundar em um surdo desespero ao perceber sua incapacidade fundamental para gerir seus próprios caminhos. Enquanto o segundo desistiu de tentar, o primeiro se satisfaz com muito pouco, refestelando-se nas próprias imperfeições e no orgulho de sua solidão. São dois extremos e nenhum deles é verdadeiro. Só o cristianismo é exato em sua radical afirmação: sem Deus, nada podemos fazer; com Deus, submetidos a Ele, podemos viver sem ganas de um falso heroísmo, descansados em Sua vontade e desejosos de Sua perfeição, em um amor que é real e plenamente vivido no Paraíso. Não há nada no mundo que possa comparar-se a isso.
21 novembro 2009
Dê uma olhada: Kaspar Hauser
20 novembro 2009
Adendo ao post anterior
16 novembro 2009
Segurança
05 novembro 2009
Indicações quentinhas e vale a pena ler de novo
E aproveite para dar um não bem redondo ao Projeto de Lei 122/2006 da Homofobia (que deveria se chamar Heterofobia), clicando na página do Senado Federal aqui e respondendo à enquete na barra lateral direita. A dica é do precioso Tempora. Se tiver dúvidas sobre esse não, dê uma olhada no que escrevi sobre isso aqui, aqui e aqui. Pois é, o blog já está velho, né? :-)
Ah, imprescindível dizer que nem todo gay aprova esse projeto maluco. Dê uma olhadinha também aqui, onde há informações importantes sobre os países onde realmente os homossexuais são perseguidos, como Irã e, sim, Cuba, o querido paraíso dos esquerdistas brasileiros... Cuidado ao rolar o blog, há fotos um pouco fortes - que aliás dizem o que interessa: aquilo, sim, é perseguição, não essa bobagem light que temos no Brasil.
Prometo que semana que vem volto com a corda toda. Abraços!
22 outubro 2009
Orem pela Venezuela
O jornal El Caraboleño deu a "versão oficial" (leia-se: em novilíngua) da resolução. O resumo da coisa é o seguinte: sob o pretexto de "preservação", Chávez declarou patrimônio cultural um número gigantesco de construções em Caracas. Casas particulares também! Veja a lista:
Autopistas, avenidas, ríos, árboles, sitios arqueológicos, parques, haciendas, edificios públicos y privados, casas, colegios, plazas, museos, iglesias, teatros, estaciones de metro, cementerios, entre otros.
E o que significa isto? Significa que o pobre coitado do venezuelano proprietário de qualquer uma dessas construções NÃO PODERÁ vender, doar, herdar ou fazer QUALQUER COISA com seus bens sem uma AUTORIZAÇÃO do Instituto do Patrimônio Cultural.
Que golpe de mestre na propriedade privada! Resta saber o que o povo venezuelano fará para deter essa marcha inexorável para o comunismo.
Leiam toda a matéria no Notalatina, orem pelos venezuelanos e não deixem de lamentar publicamente a postura de alguns líderes evangélicos do Brasil que deram seu apoio ao tirano. Minha indignação se exprimirá aqui por meio de uma sofrida interrogação:
Até quando grande parte dos cristãos protestantes brasileiros estará do lado da monstruosa e sangrenta utopia comunista, em vez de tomar o partido da liberdade?
18 outubro 2009
O que é bom para Fidel...
A notícia de ontem — bandidos derrubam helicóptero da polícia militar, caramba! — parece apenas reforçar que é preciso passar da miopia otimista para um plano de ação efetivo e duradouro.
E, como se não bastasse, li no ótimo blog Traduzindo para o juridiquês mais uma razão para torcer o nariz para o otimismo olímpico (nos dois sentidos) dos cariocas:
Fidel Castro escreveu no Granma - aquele jornal oficial apropriadamente utilizado pelos cubanos como substituto do papel higiênico - que a escolha do Rio para os jogos olímpicos de 2016 significou o "triunfo do Terceiro Mundo".
Definitivamente, o que é bom para Fidel é ruim para o Brasil, não é? Só isso já me tira a vontade de participar da euforia geral por esse duvidoso triunfo do Terceiro Mundo! Porém, não custa sonhar um pouquinho. Quem sabe os frutos dessas Olimpíadas não se limitarão às conhecidas macaquices plásticas em alguns cartões postais do Rio. Se o dinheiro aplicado na cidade puder ajudar para reabilitá-la do crime, maravilha! Mas eu penso mesmo é em outra coisa: apesar do que aconteceu àqueles pobres pugilistas deportados em 2007, desejo do fundo da alma que alguns atletas cubanos consigam escapar para sempre da ilha-cárcere durante os jogos — sem deportação!
15 outubro 2009
Não quero apagar da memória...
12 outubro 2009
Tamos lendo!
10 outubro 2009
Resposta a um comentário não publicado II
Consultei pelo menos nove bíblias em linguagens diversas, incluindo mais dois idiomas que domino (inglês e francês), e as traduções diferem muito pouco entre si. Os termos são intercambiáveis: o primeiro, porneia, pode ser prostituição, fornicação, adultério, perversão, libertinagem; o segundo, akatharsia, foi traduzido por impureza (definido por John Stott como comportamento sexual anormal); e o terceiro é aselgeia, lascívia, dissolução, desregramento. Em suma, é justo o “sexo solto” que é condenado como obra da carne, portanto, um dos maus frutos do pecado que habita em nós. Seja em atos, em palavras ou em pensamentos.
Quanto à masturbação, torna-se evidente que é um dos aspectos da lascívia. Dificilmente há masturbação sem a ajuda de imagens mentais lascivas; ainda que houvesse, a dissociação entre o prazer e o amor é própria à impureza. Você se refere à manipulação inconsciente do feto ou do bebê, mas entenda que nenhum adulto se masturba assim, não é? Quando recorremos a imagens mentais para nos satisfazer sexualmente, estamos dizendo a nós mesmos que não podemos alcançar essa satisfação sozinhos, mas preferimos companhias imaginárias que simbolizam relações superficiais, apenas para um prazer físico imediato. E esse procedimento cava dentro de nós um abismo sem fim, pois não podemos distanciar nossa alma do hábito de nossos pensamentos. Posso dizer portanto sem medo de errar que a masturbação é uma espécie de preparação da alma para as relações sexuais sem amor.
Compreendo que afirmar isto é loucura em nossa época fragmentada, em que não só perdemos toda noção do quanto pensamentos, palavras e ações são um todo em cada um de nós, mas sobretudo deixamos de enxergar os pecados sexuais como fragmentadores (nisso, o termo “dissolução” fala por si) – algo que alguns séculos atrás, em sociedades profundamente influenciadas pelo cristianismo, era tão óbvio que não demandava explicações copiosas. Calvino, por exemplo, sempre tão prolixo em tudo o que escreve, não dedica mais de poucas linhas descritivas a esses pecados em seu comentário sobre Gálatas, adicionando-lhes porém uma valiosa observação: “São pecados proibidos pelo sétimo mandamento.”
Qual o sétimo mandamento? “Não adulterarás”, justamente! Ao compreender a Bíblia dessa forma, Calvino imita o procedimento do próprio Cristo, que em seu Sermão do Monte mostrou aos discípulos que a Lei de Deus está muito além de preceitos exteriores.
Diante da enumeração desses quatro pecados como “obras da carne” (“carne”, aqui, não em sentido literal, mas em oposição aos “frutos do Espírito”), é impossível deixar de notar que o sexo sem amor é condenado na Bíblia. Mas esse “amor” não é o laço frouxo do “namoro” (algo que sequer existia nos tempos bíblicos), e sim o amor verdadeiro, profundo e indissolúvel, apenas presente no compromisso matrimonial. Deus criou o sexo para, além da procriação, aprofundar o amor conjugal – amor que não abandona (Jesus o proíbe), mas cuida do outro por inteiro, corpo e espírito, até a morte.
Adão reconheceu em Eva “carne de sua carne”, um só corpo. Nessa monstruosidade que o pecado inventou, o “sexo casual”, não há como reconhecer o outro como si mesmo. Não há como reconhecer nada além do próprio prazer físico. Os corpos no sexo casual são desconectados e fragmentados. Longe de serem apenas pura busca de prazer sem maiores consequências, cada um dos pecados sexuais mencionados nas Escrituras aponta para a mesma atitude interior: o afrouxamento dos laços do amor. É por isso que eles são elencados junto com os demais na lista do apóstolo Paulo: “...idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus” (Gl 5.20-21).
Como você, Deborah, disse em sua mensagem, “o sexo é uma energia muito poderosa”. Concordo: por isso, é destrutivo sem as amarras do amor profundo e responsável. Aprendi tanto na Bíblia quanto na vida (porque me converti aos 24 anos) que sexo entre solteiros é desgosto (ainda que oculto ou inconsciente) pelo amor verdadeiro. Ter sexo com alguém a quem não se ama (e quem ama casa!) é algo que machuca a alma. Entendo hoje que essa “energia poderosa” funciona como um cimento: não dá para “colar e descolar” à vontade, a não ser que consintamos em uma boa dose de desmanche do que somos. Nem a criatura mais romântica do mundo escapa disso, se não passar pela mudança de mente operada pela conversão cristã. No início da vida sexual, os rompimentos de namoros que incluem sexo machucam muito (seja sincera com você mesma e você vai se lembrar), literalmente arrancando partes de nós; mas depois de muito tempo, em nome do prazer sem compromisso fomentado pela cultura, começamos a nos forçar a nos acostumar com o processo. O resultado é que nos tornamos cada vez menos propícios a permanecer em um relacionamento. Casamos já pensando em descasar... porque aprendemos a “colar e descolar” em uma roda sem fim. Hoje é Fulano, amanhã é Sicrano... Todos sabemos que o resultado desse “sexo solto” equivale a divórcios em série (e mágoas, crianças feridas, descrença quanto ao amor...). Culpa da “revolução sexual” dos anos 60? Certamente, mas sobretudo culpa do pecado que jaz em nós.
Que Deus a ajude a compreender e vivenciar o verdadeiro amor conjugal Nele.
Abraços.
04 outubro 2009
Resposta a um comentário não publicado
Precisei deixar de fora a totalidade de seus comentários, pois alguns termos que você usa podem ferir a sensibilidade de meus irmãos leitores. Aliás, eu duvido de que você se dirigisse a mim pessoalmente usando esses termos: o conforto que as barreiras tecnológicas oferecem costuma deixar as pessoas menos pudicas. No entanto, algo nos seus comentários me fez pensar que, sem esse conforto, você é uma mulher bem educada com estranhos. Então vamos lá.
02 setembro 2009
Enxaqueca*
Já adulta, quando meu médico descobriu em meus exames uma deficiência de estrógeno, sugeriu-me reposição hormonal por meio de pílula ou injeção. Topei a primeira, claro. Não lembro se ele me perguntou sobre dores de cabeça, mas o certo é que na bula do remédio estava escrito algo como: “Não é recomendável a portadores de enxaqueca.” Como eu não sabia que tinha enxaqueca, não teria feito diferença alguma.
Cinco anos depois, a constatação da tragédia: crises como aquela, ou até mais fortes, mesmo sem abusar de doce algum, em média três vezes por semana. Algumas duravam cinco dias ininterruptos. Caixas e caixas de analgésico. Medo de andar ao sol, de dormir tarde, de acordar cedo, de fazer muito esforço. Virtualmente tudo era capaz de provocar dores de cabeça.
Tive de sofrer esses anos todos de crises incapacitantes cada vez mais frequentes para enfim ser levada a concluir, através da preciosa ajuda do dr. Alexandre Feldman e de sua esposa Pat Feldman (nos sites indicados e em seus dois livros Enxaqueca: só tem quem quer e A dor de cabeça morre pela boca), que um conjunto de variáveis era responsável pelas dores: em primeiro lugar, a bomba hormonal que eu estava tomando; em seguida, a má alimentação, a falta de exercícios e o sono irregular. Estou aos poucos acertando esses pontos, com o fim da reposição e uma dieta rigorosa (mas libertadora!) o mais isenta possível de produtos industrializados e porcarias químicas. Quando os resultados se tornarem mais consistentes (completei anteontem o primeiro mês do tratamento) eu os posto aqui.
Coragem: se você tem enxaqueca, o fim das dores pode ser uma decisão sua!
* Porque o Blog da Norma Braga também é de utilidade pública. :-)
29 agosto 2009
Mulheres que Não Têm Tempo
E tudo isso, para quê? Eu morava com meus pais, não precisava de tanto. Mas queria gastar em roupas e sapatos. Livros, também, embora os mais caros nunca fossem eles. Curioso é que, apesar de tanto trabalho, não conseguia guardar o que ganhava. Excedia-me nas atividades, excedia-me ainda mais nos gastos. Mesmo depois de convertida, a mania por cheques pré-datados me perseguiu. Chegava a passar tantos que ficava sem dinheiro para as coisas mais simples do mês: pegar um ônibus, fazer um lanche na rua. Não me programava e nem queria – cálculos significavam limites.
Ao longo dos anos, e com muito choro diante de Deus, fui me endireitando. Compreendi a equação que bastante gente se recusa a efetuar: não a clássica, pragmática e perversa “tempo é dinheiro”, mas sim sua inversão, “dinheiro é tempo”. O que eu estava perdendo – camaradagens, passeios, leituras preferidas – equivalia às roupas que muitas vezes sequer chegava a usar, sapatos que no fim me machucavam, excessos que não apenas me entupiam o armário, mas me roubavam vida? Certamente que não.
Hoje, com a graça de Deus, tenho ajustado cuidadosamente meu orçamento para não ser forçada a trabalhar demais. Não se trata somente de ganhar tempo para prazeres: aos poucos, quero me recolher da frenética sucessão de atividades profissionais para abrir em minha vida o lugar de esposa e mãe no futuro. Esse lugar não é feito somente de lavagens de roupa e trocas de fralda, de acordo com distorções modernas; inclui, sobretudo, sondagens emocionais infinitas, de si e dos amados, acompanhadas da orientação, da compreensão e do acolhimento de que somente a mulher é capaz. Quando o frenesi lá fora parece esmagar a subjetividade, é a mulher que percebe o olhar perdido dos seus e os traz para casa, para o ambiente íntimo em que o valor intrínseco do ser é reafirmado.
Mas, se não tem tempo, a mulher está tão perdida quanto todos à sua volta. Sua função se esvai. E quem a substituirá? Essa é uma das tragédias mais pungentes do nosso tempo: a preferência pelo viver exteriorizado, sob o pretexto de uma igualdade de funções sociais entre homem e mulher, está matando a todos nós. Sem que a igreja se manifeste substancialmente sobre a questão ou aja de modo a ser melhor modelo, só vejo deriva com relação a esse assunto. Quanto a mim, estou em um dos níveis mais baixos de aprendizado, se é que de fato estou aprendendo alguma coisa (a prática o dirá). Que Deus me ajude a ser diferente e a abordar de forma apropriada o tema nos próximos posts.
P.S. Gostaria de agradecer a todos os leitores que oraram por mim sobre trabalhar menos. Depois de um período difícil em que praticamente todas as minhas horas de vigília estavam tomadas por aulas e revisões, Deus nos ouviu: neste mês, passei a atuar somente como autônoma. Precisei de coragem para sair de onde estava e Deus deu graça: não apenas estou conseguindo gerenciar melhor meu tempo e minhas finanças, mas nunca estive tão feliz!
11 agosto 2009
Uma relativista emocional em remissão
No blog, falo aqui e ali do amorrrrr, neologismo que criei para designar essa tão popular forma de pseudo-amor que nos torna coniventes com os pecados alheios. Mas nunca contei como tive de reconhecer em mim mesma uma imensa dificuldade de posicionar-me com firmeza em situações delicadas. Bom, na verdade é mais que isso. Sempre fui uma espécie de Zelig de saias, personagem de Woody Allen que adquiria a forma e os trejeitos de todos aqueles com quem travava contato. Quando pessoas queridas se abriam comigo, eu tendia a adotar a atitude de uma compaixão derramada e informe, amalgamando-me a suas dores e vendo a vida com seus olhos. Parece bonito? Não é não: como ajudar, se não conseguia confrontar? Resultado: tempos depois, sempre me dava conta de que poderia ter ajudado aquela pessoa se tivesse norteado minhas palavras pela visão correta, biblicamente orientada. Isso acontecia tanto – e ainda acontece, infelizmente – que até já perdi a conta. Sempre me faz sofrer; porque, na maioria das vezes, um ouvido amigo é bom, mas as pessoas precisam de muito mais que isso. (Por essa razão, também, nunca fui uma boa evangelista!)
Então, confesso aqui: sou uma relativista emocional
O relativismo emocional me custou muito. Foi a porta de entrada para pecados, manipulações alheias, confusões mentais. Foi o motivo de meu silêncio bovino quando falavam mal ou de modo enviesado da fé cristã em boa parte das aulas da pós-graduação. Foi a parte mais importante do pretexto para que eu quase me desviasse para sempre, enquanto cursava o mestrado na universidade e enxergava cristianismo nas obras de certos autores da modernidade francesa. Quando "voltei" pela mão misericordiosa de Deus e vislumbrei o abismo para o qual me dirigia, declarei uma definitiva guerra ao relativismo pós-moderno. Declarei guerra ao esquerdismo também, quando percebi que era o terreno comum de onde o relativismo brotava. No início, era uma guerra silenciosa, travada em meu interior na companhia de autores conservadores. E foi na amistosa companhia de amigos também conservadores que, em uma lista de discussão, aprendi a falar pública e livremente da minha fé e das reflexões bíblicas que sempre me ocuparam. Devo muito a eles, a essa lista, ao encorajamento que recebi, para que pudesse começar a me expor com mais segurança.
Poucos meses depois, fundei o blog e, mais fortalecida, transferi minha guerra para cá. As duas pontas se confirmavam mutuamente: no blog eu falava de minhas experiências sem contá-las, ou seja, apresentava ao leitor apenas o resultado do que tinha vivido tão dolorosamente; ao mesmo tempo, essa apresentação esclarecia melhor esses conteúdos para mim mesma, deixando mais "assentado" o que eu havia aprendido. Como afirmava Sócrates: "Uma vida não-examinada não vale a pena ser vivida." O blog passou a ser o espaço do meu reexame, em que cada preciosidade cunhada por Deus a mim, e entregue ao leitor, tinha uma longa história de busca, tristeza e quedas por trás. Um reexame que eu fazia e faço publicamente para ajudar outros, mas, em primeiro lugar, para combater todos os dias a terrível relativista que sou. É meu jugo e meu fardo, parte de minha luta cristã, que resulta nessa bênção miraculosa: ao expor minha transformação, transformo-me mais profundamente e ainda dou ensejo a que outros se transformem também, de acordo com o que tenho recebido e julgo ser da parte de Deus. Um dia eu me deterei mais longamente sobre cada uma dessas histórias. De fato, vislumbro esse encaminhamento, na medida em que tomo por voz narrativa um eu mais confessional, mais próximo ao que sou. Por enquanto, contento-me em deixar, aqui, o acabamento lisinho do que vivi. Os bastidores terão que esperar por enquanto, mas virão, porque sei que podem ser a coisa mais edificante a fazer para a igreja brasileira hoje. Não por meus próprios méritos, mas porque, como cristã convicta, eu sei o que Deus tem feito em mim, e é isso que quero contar. Para Seu louvor somente.
01 julho 2009
À Cristianismo Hoje
Caros editores,
Como a maioria dos comentadores desta página, venho manifestar meu repúdio pelo tratamento dispensado a Julio Severo nessa reportagem. Está bastante claro que Cristianismo Hoje quis entrevistar Severo ao mesmo tempo em que se mostrava abertamente antipática às posturas do entrevistado. No entanto, o título, a apresentação e o tom das perguntas mostram que isso foi feito de modo desrespeitoso - o que fala não só da inabilidade do jornalista (é possível evidenciar discordância sem desrespeito), mas sobretudo do descaso de um veículo midiático que traz Cristianismo no nome para com a luta e as perseguições de alguém que deveria ter sido tratado como irmão. O resultado final é não apenas ridículo (nunca vi um entrevistado ser tratado dessa forma no próprio veículo que o entrevista), mas contraria fortemente os ideais de fraternidade cristã, sendo indigno do nome da revista. Porém, ainda há tempo para um saudável arrependimento bíblico, expresso na forma de uma retratação, útil também para corrigir os excessos do jornalista responsável pela matéria. Fica aqui minha sugestão.
Cordialmente,
Norma Braga
04 junho 2009
Enquanto isso...
Identifico-me com eles. Vi ao vivo John Pizzarelli em uma livraria no Leblon, tocando sua guitarra para as quarenta pessoas que se espremiam no chão do lugar. Era evidente sua alegria ao olhar para cada um dos rostos ali presentes, tão pertinho, cantando junto com ele. E vi no You Tube os dois rapazes do Kings of Convenience na praia de Ipanema (digite "Ipanema Beach"), tranquilos e satisfeitos sentados à sombra de um quiosque, dedilhando seus violões sem nenhuma pose de "artista importante", enquanto à volta as pessoas conversavam, cantavam ou estalavam os dedos no ritmo da música.
Há algo disso em mim. Não me preocupo com imagem, com pose alguma, quando dou aula ou quando me exponho escrevendo. Meus alunos se sentem muito à vontade comigo, tanto que eu não poderia jamais dar aulas para crianças: não saberia estabelecer os limites de que elas precisam.
Drummond parou de escrever durante alguns anos porque não tinha o que dizer. Schaeffer deixou o ministério por certo tempo para mergulhar em um profundo questionamento com Deus. Admiro-os por isso. Nenhuma das duas situações é meu caso - tenho o que dizer e não estou em crise de fé - , mas tenho reformulado comigo mesma algumas ênfases e buscado respostas de um modo quieto. Enquanto isso, o maior espaço entre as postagens tem se imposto naturalmente. Se o leitor ficar impaciente, é o momento de fazer como Cristiano Silva, ler os textos antigos. E, por que não, de ouvir John Pizzarelli e Kings of Convenience no You Tube.
Aos poucos retomo a regularidade. Não vos deixarei órfãos, prometo. :-)
24 maio 2009
Mudança(s)
Não que tudo tenha sido rápido demais. Tive tempo de sobra até a decisão final. Porém, sei que há mudanças que a gente não planeja. Mesmo reconhecendo Deus como o Senhor do tempo e do universo, muitos cristãos costumam se deixar abater por mudanças inesperadas.
Pensei nisso quando enviei meus gatos de avião para a nova cidade. É sabido que os gatos odeiam mudanças; são seres de rotina. (Não confundir com a falsa ideia de que os gatos se apegam mais à casa que aos donos: gatos se apegam tanto quanto cachorros, apenas têm um jeitinho mais discreto de expressar amor. Não abanam o rabo, por exemplo. Mas o geralmente guloso Mel fica quase sem comer quando eu viajo, e o espevitado Chantilly pula de alegria quando chego em casa depois de um dia de trabalho.) Por respeito a essa característica e sobretudo aos preceitos da Posse Responsável, não permito que meus gatos saiam para nada, nem para ir ao veterinário, que os examinava e aplicava as vacinas em casa.
Assim, quando eu os coloquei em suas caixas de transporte para levá-los de táxi até o aeroporto, ambos choraram como eu nunca tinha visto. Os olhares arregalados e os miados lamentosos me partiram o coração; não havia nada que eu pudesse fazer para tranquilizá-los de que eu jamais os abandonaria. Não adiantava falar manso ou fazer carinho através das grades das caixas. Na visão limitada deles, seu destino era incerto e o mundo lá fora parecia perigoso demais. Estavam deixando uma rotina que amavam e não sabiam o que os aguardava. A agitação em torno os fez esquecer por completo minha presença. Foi triste vê-los assim, mas tudo o que me restava a fazer era esperar até que o processo fosse concluído, quando eles saberiam enfim que a mudança era para melhor.
Hoje eles estão felizes na nova casa, que é maior. Brincam com mais liberdade pela sala e ainda recebem o carinho supervisionado dos vizinhos de condomínio através das telas de proteção. Rememorando suas reações e compreendendo o terror por que haviam passado, julguei irresistível comparar isso tudo a nossa relação com Deus. As revoluções que Ele efetua nas vidas de Seus amados são muitas vezes incompreensíveis e apavorantes; mas, se somos filhos, sabemos que são para melhor, sempre, ainda que não pareçam melhores em um primeiro momento. É quando precisamos desviar os olhos do desmoronamento do nosso mundo conhecido para ouvi-Lo sussurrar mais uma vez: “Nunca te deixarei, nem te abandonarei.”
13 janeiro 2009
Elomar
Ainda na graduação, fui a um congresso em outra cidade. Conferência após conferência, a palavra de ordem era “A verdade não existe”, repetida ad nauseam, não importava o tema proposto. No auditório lotado, as cabeças se inclinavam docilmente em assentimento.
Aquele mantra foi gerando tal angústia dentro de mim que não pude mais: corri para o banheiro e desatei a chorar. Por que um congresso em Letras precisava ser tão dogmático quanto a uma questão filosófica? Teria a linguagem se tornado uma espécie de instância última da realidade? O que eu estava fazendo ali, tomando parte, sem querer, de um mal disfarçado culto ao relativismo? Por que, raios, os cursos modernos de humanas tinham de se parecer mais com a repetitiva pregação de uma teologia negativa? Eu não poderia tomar outro caminho e permanecer na academia? Eram perguntas não formuladas com clareza (só seriam visíveis de fato depois), mas que me causavam uma dolorida perplexidade.
Enquanto durou o congresso, perambulei por aqueles professores como se fosse a última das criaturas. Era óbvio demais que eu não pertencia à “nata” – sentia-o quase como quem detecta em si não apenas uma diferença incontornável e definitiva, mas um defeito grave. Uma inferioridade fatal me atravessava e me entristecia, mantendo-me calada ali. Eles eram a luz, eu era o obscurantismo. Eles encarnavam a própria Inteligência Acadêmica, enquanto eu não passava de um esforço tímido e provavelmente ineficaz de reconciliação entre conhecimento científico e fé cristã.
À noite, na casa de meus parentes daquela cidade, fiquei quietinha na cama, luzes apagadas, ouvindo Elomar no walkman antes de dormir. Quando tocou Cantiga do Estradar eu vi, como em um travelling de cinema, todos aqueles professores do congresso sentados um ao lado do outro em uma grande tribuna. A letra dizia: “Legião de condenados/ nos grilhões acorrentados/ nas trevas da ignorância/ sem a luz do grande Rei.”
Bastou para que Deus restabelecesse em minhas emoções cansadas a ordem correta das coisas. Desde então, aquele velho sentimento de inferioridade diante da sapiência acadêmica nunca mais me atingiu.