26 junho 2005

Conhecimento X Revelação

Teólogos se ocuparam por séculos com a questão da obtenção da fé cristã: seria por revelação ou por conhecimento? Creio que a discussão se torna um quebra-cabeças insolúvel se tomada desta forma, "ou conhecimento, ou revelação". O ideal é deixarmos de antagonizar essas duas instâncias para entendermos que todo conhecimento verdadeiro também vem de Deus. A Bíblia diz que são culpados os homens que, ao olharem para tudo o que existe no mundo - a criação - , não louvam o autor, o criador. O que significa que as coisas criadas também falam de Deus, e sobre isso existe um salmo lindíssimo que diz: "Os céus proclamam a glória de Deus / E o firmamento anuncia a obra de Suas mãos". Para reconhecer essa glória visível no mundo, precisamos dos dois lados: o sensível, para chegar às coisas, e o inteligível, para fazer uma ponte entre elas e Deus. Tudo se faz assim, nada é apenas "revelação" solta, sem nossa participação, ou "conhecimento puro", com nossa mente em atividade no vazio ou apenas consigo própria.

Logo, como protestante, acredito firmemente na ênfase na revelação de Deus como modo de se obter a fé, mas não tomo a revelação como oposta ao conhecimento. Para mim, a melhor maneira de se entender isto é o seguinte: Ele começou primeiro. Ele já existia antes de tudo, Ele imaginou, Ele criou. Assim, a iniciativa é sempre Dele em tudo. Isto se chama, afinal, graça: diante de Deus, seremos sempre os agraciados, aqueles que recebem. Logo, recebemos: revelação e conhecimento, sempre. E o antagonismo revelação x conhecimento parece perder todo o sentido se pensamos na infalível graça de Deus. Pois, no final das contas, tudo é revelação no sentido lato, começando pela revelação de si e de seu amor: "Ele nos amou primeiro."

Acredito então que, ao se fundarem necessariamente no antagonismo, os defensores de ambas as posições incorrem em erro. Os cristãos protestantes tendem a privilegiar tanto a revelação "pura" que acabam menosprezando a razão como se esta fosse intrinsecamente separada de Deus. Logo, acabam sendo anti-intelectualistas. Já os gnósticos enfiam os pés pelas mãos porque, ao privilegiarem a razão (ou o que entendem ser razão - uma razão cartesiana, mutilada do sensível, já que se concentra em excesso na mente humana, nos processos interiores), subordinam-lhe a graça, e acabam prescindindo do verdadeiro iniciador de todo processo de conhecimento. As duas posturas geram doença: a primeira diz "só Deus", e a segunda diz "só o homem".

A doutrina protestante oferece uma boa dimensão da graça. Evangélicos em geral crêem certo quanto a Deus como o grande iniciador, mas têm um medo irracional de interferir no processo e gerar orgulho - o que é uma tolice, porque a graça de Deus não significa passividade humana. Ele nos chama para sermos co-participantes de sua glória, não para recebermos Dele de forma estática. Um dos mais belos detalhes na história de Moisés é quando Deus diz para ele tocar o cajado no mar. Deus não poderia ter simplesmente mandado o mar se abrir? Não poderia ter ecoado uma voz do céu assim: "Abre-te, mar"? Mas não: delega o gesto a Moisés, e o mar se abre. É óbvio que não foi Moisés quem abriu o mar, foi Deus; mas Ele o chamou para participar do milagre. A Bíblia inteira nos chama a essa co-participação dos milagres divinos, parecendo afirmar que somos mais humanos - somos plenamente humanos - quando agimos em conjunto com Deus, porque afinal Ele nos criou para isso. Jesus o mostrou perfeitamente, sendo o melhor ser humano que chegou ao mundo por estar em perfeita sintonia com Deus.

4 comentários:

Oswaldo Viana Jr disse...

"...sendo o melhor ser humano (...) por estar em perfeita sintonia com Deus": ué, ele não era Deus-homem? Como Deus poderia não estar em sintonia consigo mesmo?

Norma disse...

Eu estava pondo em relevo a obediência de Jesus ao Pai, e o quanto isto serve de exemplo para nós. Ser Deus-homem não significa que não pudesse desobedecer: senão, qual o sentido da tentação? Mas em tudo foi vencedor, isto é, obediente ao Pai, e NISSO foi o melhor ser humano que já veio ao mundo. Ai ai, essas mentes racionalistas... :-)

Oswaldo Viana Jr disse...

Olá, voltei! Só agora li com mais atenção seu texto. Muito bom, embora limitado pelo enfoque protestante. O assunto em pauta certamente abarca e interessa a todo o orbe cristão (e aos não-cristãos também). Os católicos e ortodoxos não creriam firmemente na revelação de Deus como modo de se obter a fé? Sei que não era essa sua preocupação ao escrever, mas estou expandindo o tema.

Na verdade, quando os cristãos menosprezam a mente (e tudo que ela necessita para funcionar bem) na busca de Deus, precisamente aí é que se tornam racionalistas, subjetivistas. E essa é, justamente, a marca de nascença do protestantismo (cf. Voegelin)! Por outro lado, os que usam a mente na investigação de Deus incorrem num perigo maior: o do orgulho intelectual/espiritual, que é sempre sorrateiro.

Quanto ao Deus-homem: Jesus não poderia JAMAIS ter pecado, pois ele ERA Deus ("Eu e o Pai somos um")! Ele teria que deixar de ser Deus, para pecar. Isso não quer dizer que a tentação foi fácil, pelo contrário!!! Foi a mais difícil de todas. Na verdade, ele só a pode vencer porque era quem era (esse é mais um grande mistério da fé, como a Trindade ou a Predestinação). A lição que tiramos disso, o exemplo de obediência para nós é que, se estivermos sempre ligados à Videira ("Eu e Jesus somos um"), JAMAIS seremos derrotados! ALELUIA!!!

beijocas...

Emy Neto disse...

Muito bom esse texto. E muito boa as observações do Oswaldo!!!!!!!