18 maio 2005

Aborto de anencéfalos e o direito à vida

Aborto é aborto em qualquer circunstância, condenado por Deus em qualquer situação. Certo? Bem... Alguns parlamentares evangélicos não concordam com isto. De acordo com a notícia abaixo (um pouco antiguinha), pelo menos um deles aprova a decisão quanto ao aborto de fetos anencéfalos. Confira:

[Um deputado evangélico] parabenizou o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), por conceder liminar autorizando a interrupção da gestação quando existir laudo médico que ateste a anencefalia do feto, independentemente de a gestante dispor de ordem judicial. A autorização, na opinião do parlamentar, além de suprimir a angústia e a frustração da gestante, mantém sua integridade física. “Sou pastor evangélico, no entanto, não posso misturar as coisas aqui. A vida humana e o bem-estar da população são muito mais importantes do que o apego a crenças sem que se olhe o contexto.” (Jornal da Câmara. Brasília, 11 de agosto de 2004, pág. 5)

Como vemos, o pastor justifica sua decisão com o argumento de que "não pode misturar as coisas" e de que a medida "suprime a angústia e a frustração da gestante, mantendo sua integridade física".

Em primeiro lugar, a postura "sou pastor, mas..." já revela uma nítida divisão no interior desse homem, que parece supor o chamado de Deus insuficiente para arbitrar questões humanas fundamentais. Ele crê, portanto, que até nessas questões precisa deixar o pastorado (e o que parece chamar pejorativamente de "crenças"!) lá fora. Só que não lhe passa pela cabeça que foi Deus quem lhe deu este dom. A mínima controvérsia sobre esse ponto deveria fazê-lo renunciar ao pastorado.

Na Bíblia não encontro semelhante cisão interior. Imagine se lêssemos Paulo dizendo: “Sou apóstolo, no entanto, fico a favor da decisão de César com relação a isto ou aquilo...” Não há como ignorar que, ao isentar o “lado pastor” da posição que toma, o homem em questão descarta, ainda que temporariamente, um chamado feito pelo próprio Deus apenas para flexibilizar a postura com relação ao aborto – como se fosse mais sábio e mais tolerante que Ele no assunto. Porém, cabe-nos perguntar: ao se colocar lado a lado com os autores da medida, se não é como pastor, é como o que então? Que outra função seria obviamente mais importante que essa para julgar a vida ou a morte de outro ser humano? Impossível não pensar que, se não foi capaz de se posicionar como pastor para se pronunciar sobre tal questão fundamental, esse homem terá perdido há muito a centralidade de sua fé.


Uma vez, li em um site a história da mãe de uma bebezinha com anencefalia. Mesmo ciente do diagnóstico, sob os protestos estupefatos dos médicos, essa mãe a deixa nascer, passa poucas horas com ela e a vê morrer. Ela mesma conta essa emocionante história, com fotos mostrando a carinha da criança. Além de recusar-se a optar pela morte provocada de sua filhinha, permitiu-se gozar da companhia dela, ainda que por pouco tempo, debaixo de muita oração. Ah, sim, porque ela era cristã. Foi bonito ver que, em vez de descartá-la como a um corpo defeituoso incapaz de um bom funcionamento, a família lhe deu direito a uma certidão de nascimento, um nome, a certeza de ser amada, antes que finalmente esta incapacidade lhe tirasse a vida.

Como, então, alguém pode associar as belas expressões “integridade física”, “bem-estar” e até “vida humana” (!) a algo tão nitidamente destrutivo como o aborto? E como esse alguém pode se considerar, nem digo pastor, mas cristão, depois de um posicionamento como esse?

A família que deixou a criança vir ao mundo nos deixa uma incrível lição de coragem, respeito à vida humana e amor filial. Não digo que isto tenha sido fácil; mas, se como cristãos não fizermos diferença radical neste mundo, ainda com grande custo emocional, de que nos servirá estar nele, a não ser para sermos pisados e ridicularizados, como nos diz Jesus?

Quanto a mim, como mulher e cristã, talvez eu escandalize pessoas que não crêem como eu, mas aí vai: eu JAMAIS abortaria NEM MESMO em caso de estupro, simplesmente porque não suporto a idéia de um assassinato, dentro do meu corpo, de um ser que me é destinado para cuidar e amar. A gravidez nessas situações é uma dura prova que Deus nos envia para nos dar a oportunidade de amar acima do que nos é ordinariamente pedido. Por que recusaríamos essa dádiva?

E last but not least: longe de questões sobre quando o bebê pode ser considerado realmente um “bebê”, afirmo que, se há controvérsias sobre o número de semanas, é melhor não interrompermos o processo, pois o custo de assassinar um ser humano será sempre maior que qualquer outro. Pôr isto em dúvida significa abrir precedentes para emendas a nada mais, nada menos que o direito incondicional à vida, algo que ninguém deveria arriscar a perder. Sob que pretexto for.

5 comentários:

Roneyb disse...

Oi Norminha!

Eu tembém escrevo muito, mas acho que vc devia tentar condensar um pouco mais os seus posts: Muita gente não lê mais de três parágrafos.

Bem, vc sabe, né? Acho que a decisão de abortar ou não um bebê cabe aos pais e a mais ninguém, nem estado, nem religiosos, muito menos vc ou eu. Pessoalmente sou contra o aborto, mas não mando em ninguém.

Quando ao tal pastor, bem, acho que ele está confuso. Se ele sugerisse que repensássemos este princípio cristão vá lá, mas não se deve separar a crença da prática senão vira um tipo de superstição.

Norma disse...

Oi, amigão! Obrigada pela sua leitura e pelo comentário!

Olha, também sou a favor da liberdade individual, mas há decisões que, se tomadas, afrouxarão toda a consciência moral de um povo, e o aborto é uma delas, pois trata-se da vida de um ser humano. E, afinal, é tudo uma questão de hierarquia de valores: a liberdade é um valor importantíssimo na escala, mas menor que o direito à vida - senão, como poderíamos prender os assassinos? Logo, pôr o aborto ao lado da lei não deixa de ser um precedente a que toda a uma sociedade passe a, mesmo que inconscientemente, valorizar menos a vida de modo geral. Na verdade, isso já acontece com os esquerdistas radicais, que adoram Fidel mas não se importam com a existência do paredón cubano.

Quanto ao tamanho, criei o blog para divulgar meus textos - que são grandes como artigos de jornal. Não me importo com a possibilidade de menos leitores: se a pessoa desistir de ler porque passa de 3 parágrafos, é porque não ia ler quase nada mesmo do que escrevo.

Beijocas! Volte sempre!

Oswaldo Viana Jr disse...

Ei! Qual o nome desse pastor-deputado: precisamos saber, para nao votar novamente nele!

Anônimo disse...

Em primeiro lugar a senhora estrá condenando um pastor, não se pode colocar a posição de ninguem por ser pastor...se fosse assim o que a senhora falaria a respeito da quantidade de padre pedófilos e .....?????
E se relamente a senhora lesse a Biblia como diz verá nela passagens de aborto. Procure ler ou se informar a respeito

Norma disse...

Um post anônimo e ainda por cima em um tom não muito simpático? Criticando-me por "condenar" um pastor e (ao que me pareceu) endossando o aborto com a Bíblia??? Não dá pra responder não, né?