Jesus estava perto de ser preso para julgamento, perto de ser condenado à morte, quando, ciente do fato, prepara o coração de seus discípulos, ao mesmo tempo em que ainda aproveita o tempo que resta para lhes ensinar: ele fixa algumas lições, desenvolvendo-as, e exerce o ministério de profeta, embora em grande parte os discípulos não entendam o que quer dizer. É neste contexto que Jesus apresenta o que seria considerado a pedra de toque do cristianismo, chamado por ele de “novo mandamento”:
Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros. (João 13:34)
Através da história das religiões, todo mestre espiritual se propõe a ser modelo de comportamento. Jesus também fez isto: ensinou a orar, a expulsar demônios, a servir. No entanto, ao propor o novo mandamento, Jesus vai além: coloca-se não apenas como modelo de comportamento, mas como modelo de amor, o que é muito mais profundo e impalpável. “Assim como eu vos amei, que também ameis uns aos outros”: imagine o choque que os discípulos tiveram ao ouvirem essas palavras. Devem ter se perguntado: “Como assim, amar como ele amou? O que é que eu preciso fazer? Como aplicar esse ensinamento?” Jesus diz que, assim como os discípulos são amados por ele, assim eles devem amar, propondo-se então a ser o grande modelo de amor que os discípulos jamais tiveram. Em outras palavras, se o amor de Jesus é o grande modelo de amor, com isto quis dizer que seu amor era maior que o próprio amor das esposas, dos filhos, dos amigos, de qualquer outra pessoa na vida de cada um dos discípulos. Que outro mestre espiritual se colocaria como aquele que mais amou seus próprios discípulos? Vê-se então que Jesus não se coloca como um simples mestre espiritual, mas como aquele que mais amou aqueles a quem ensinou. E se nós hoje somos seus discípulos, pois cremos na sua palavra séculos depois e queremos aplicá-la, entendemos que este professor que temos é muito mais que um professor: é simplesmente aquele que mais nos amou, cujo amor não encontra e nunca encontrará comparação possível na nossa vida.
Pouco depois, Jesus mostra que a extensão desse amor vai bastante além de uma relação entre mestre e discípulo, e bastante além do que qualquer um poderia imaginar. Mais adiante no evangelho de João, encontramos:
Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos. (João 15:12-13)
A palavra “discípulos” foi então substituída por “amigos”, termo mais pessoal, mais íntimo. É então que Jesus revela a natureza do relacionamento que ele propõe aos discípulos: tendo caminhado com eles e partilhado coisas preciosas – “tudo quando ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer” (v.15) – , Jesus já não os chama servos, pois “o servo não sabe o que faz o seu senhor” (v. 15), mas amigos. É nesta palavra que ele demonstra a qualidade de seu amor por nós, aproximando-nos de si mesmo; mas é principalmente no “dar a vida” que ele expõe o tamanho deste amor.
Todos nós sabemos a continuação desta história, de como, por escolha própria, Jesus se oferece em sacrifício expiatório por cada um de nós que guardamos sua palavra. Pouco antes, portanto, de ir à cruz, ele estava preparando os discípulos (amigos!) não só para a morte dele, mas para o que significaria esta morte: o maior ato de amor da história. O maior ato, por aquele que teve e tem o maior amor que nenhum ser humano teria: morrer pelo pecador, morrer por aqueles que estão longe de amar tão perfeitamente como ele amou. Mas é para isto que ele nos chama, para amar como ele amou. Se é em dar a vida pelo pecador que reside seu amor maior, é nisto que ele quer que o imitemos: que nosso amor uns pelos outros seja semelhante ao dele, amor que não se poupa, que sacrifica a própria vida por aqueles que ama.
Não posso deixar de acrescentar aqui uma das maiores e mais belas ênfases da trilogia O Senhor dos Anéis. Depois de ter visto os três filmes - de fiel inspiração na obra do católico e professor universitário Tolkien - , com todos aqueles maravilhosos personagens que não hesitam em lançar-se aos mais terríveis riscos em nome da amizade uns pelos outros, não pude deixar de confirmar para mim mesma que, contrariando o senso comum, a pior coisa que pode acontecer a alguém não é a morte, mas a anulação dos valores da amizade e da lealdade. Quem nisso se deixou corromper já está morto em vida e mal sabe disso.
Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? (Mateus 16:25)
Um comentário:
Norminha, eu gostaria de ver esse texto seu publicado numa revista evangelica. Vou trabalhar para isso.
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