06 junho 2014

Bíblia "Free Style": libertinagem gratuita e sem estilo

O pastor reformado Ageu Magalhães esteve em um programa de entrevistas na TV para debater com o pr. Ariovaldo Júnior (não é filho do pr. Ariovaldo Ramos!), autor da chamada "Bíblia Free Style". As impressões do pr. Ageu sobre o entrevero (muito polido, por sinal) são descritas aqui. Recentemente, Yago Martins e Felipe Cruz fizeram um vídeo que contribuiu para a discussão, abordando pontos que ficaram de fora na entrevista. Não resisti e resolvi também, como profissional do idioma, apresentar minhas contribuições ao assunto.

Primeira. A linguagem que escolhemos usar está sempre em estreita correlação com a mensagem que pretendemos passar. A paródia free style, em primeiro lugar, não é free style ("estilo livre"), mas adota um "style" só: o de uma linguagem chula, descuidada e vulgar, que nas situações de vida real só surge em contextos muito específicos de informalidade, intenção humorística, desejo de chocar ou insultar o interlocutor. Ao uniformizar todas as situações de discurso da Bíblia (que contém momentos de ensino, exortação, argumentação filosófico-existencial etc.) fazendo-as caber em contextos descontraídos - como se todos os personagens bíblicos estivessem sempre na praia, de roupas de banho, conversando com amigos íntimos e ocasionalmente falando palavrão -, o autor da "free style" demonstra um desconhecimento completo do conceito linguístico da ADEQUAÇÃO. Por utilizar somente um registro informal e chulo, a versão deve ser considerada imprópria por todo aquele que tem não só amor pela Bíblia, mas também amor pela linguagem, pura e simplesmente. Não se trata só da presença de palavrões (falei sobre eles aqui). A formalidade, a contenção, o cuidado com a correspondência entre o que se diz e como se diz (para sentidos altos, palavras respeitosas), tudo isso faz parte da vida e necessariamente se reflete na linguagem. O tradutor que nega isso acaba negando a própria realidade, com toda a sua dinâmica e relações multicolores, plurais.

Segunda. Ao chegar aos evangelizáveis com essa informalidade excessiva, alegando ser esta a linguagem do público-alvo, os utilizadores da "free style" caem em um erro grave. Será que toda prostituta, todo presidiário, todo viciado em drogas e todo morador de rua usam necessariamente, o tempo todo, com todo mundo, uma linguagem chula, descuidada e vulgar? Claro que não. (Que mico: é como abordar todo mundo na rua com risadas e tapinhas nas costas. Coisa de quem quer forçar a amizade.) E será que todas essas pessoas realmente preferirão ouvir pregações bíblicas em uma linguagem chula, descuidada e vulgar? Muito menos! Quem se expressa impropriamente sabe que o faz e provavelmente não gostaria de ver essa linguagem imprópria misturada com pregação religiosa. Sem medo de errar, conhecendo várias experiências de missões urbanas, afirmo que, nesses grupos, a maioria não responderá positivamente a isso. Ao demonstrar tremendo descaso com a Palavra de Deus, envolvendo em baixo calão a mensagem de um Deus santo, tais idealizadores rebaixam ainda mais o que creem ser o padrão linguístico de seus evangelizados. Nas palavras de um amigo, "o Ariovaldo se torna pior que o desbocado comum por querer sacralizar o palavrão como socialmente aceitável em termos absolutos, coisa que nem o xingador comum faz". Ora, o contraste entre obscenidade na forma e santidade de conteúdo é chocante, evidentemente; com isso, os defensores freestylianos se inserem na velharia de uma cultura que, há pelo menos cinquenta anos, agride orgulhosamente o que considera tradição e bom senso com sua pretensa "liberdade". De fato, seria mais honesto que parassem de usar o campo missionário como pretexto para essas atividades textuais grotescas e tivessem a coragem de admitir o que me parece arbitrária preferência pessoal.

Prostitutas, moradores de rua, usuários de drogas e presidiários, como alvos da pregação do Evangelho, merecem exatamente o mesmo tratamento que qualquer outra pessoa. Escolher uma linguagem de baixo nível para essas pessoas na atividade de evangelização é, com todas as letras, preconceito. Se não é conveniente que o cristão use tal linguagem, não a utilizemos de modo algum. Não só porque é pecado, nem apenas em respeito pela Bíblia, mas também por amor aos evangelizados, que em missões urbanas dificilmente serão amigos íntimos. O argumento de que, nesses grupos, muita gente precisará de uma linguagem mais simplificada é respondido de modo também simples: cabe ao evangelista comunicar a Palavra de Deus com suas próprias palavras, personalizando-a de acordo com cada ouvinte, como muitos já fazem; e, caso haja necessidade de uma versão bíblica mais acessível, elas existem e não cedem um milímetro à vulgaridade de uma "Bíblia" que, dizendo-se free, enreda de saída os possíveis novos convertidos em uma atmosfera mundana da qual eles deveriam ser incentivados a se libertar.

16 comentários:

rodrigo.anselmo disse...

Precisamente preciso Norma, parabéns.
Você poderia me informar se há algum caminho inverso em termos de Bíblia? ou seja, uma versão que se preocupa em rebuscar mais os termos no sentido de aproximar ao mais literal_original, pois não conheço tantas versões da mesma. abraços

Marco Telles disse...

Que maravilha poder ler estas palavras em defesa da sagrada e preciosa palavra do Deus que é Santo, Santo, Santo. Me pergunto aonde está o temor diante do padrão elevado de pureza do Divino. Se esqueceram do quão mais elevado Ele é. Já não basta toda a humilhação que ELE se permitiu, vindo ao território humano vestido de carne e osso? Isso já não é suficientemente contextualizado?? Precisaria de desce-lo ainda mais? À um nível que Ele mesmo não se propôs em descer, por julgar suficiente a sua "contextualização"?
Que Deus seja honrado pelos que o amam. E que os que o amam o temam.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Parabéns!!! Ótimo texto, vc expressou minha opinião com esse artigo, Deus te abençoe.

Unknown disse...

Versões como Almeida Séc XXI e NVI, ou paráfrases como NTLH, Bília Viva e a Mensagem (Eugene Peterson)não são compreensíveis para qualquer alfabetizado ?

Norma disse...

Creio que para muitos, Joabe, mas se não forem para alguns, a solução é sentar com a pessoa individualmente para expor a Escritura, até que ela se familiarize com a linguagem e com o conteúdo ao ponto de ler sozinha.

Unknown disse...

Eu amo a Bíblia. Mas apesar da boa tese descrita e defendida, acredito que ela esta pautada em um equívoco. Não ha por parte dos envolvidos neste texto a menor vontade de substituir, ou diminuir o texto. E como dito por um dos envolvidos. Nenhuma mensagem em púlpito foi feito com base nestes textos. O objetivo foi exatamente o mesmo que Eugene Peterson, uma adaptação para um contexto. Concordo e muito com o erro de simplificar textos e conteúdo para um contexto de baixa cultura, mas infelizmente nosso país tem um nível de analfabetismo que infelizmente, adaptações são necessárias. Não acho que palavras torpes elucidam para eloquentes e doutos as filosóficas possibilidades dos cânones, mas vejo poucos destes se sujarem com abraços e cuidados aos marginalizados.

Norma disse...

Alex, o que vou lhe responder? Tudo o que eu já escrevi no post serve como resposta a suas objeções. A única coisa que está faltando é dizer o seguinte: boa parte do que falam sobre os "eloquentes e doutos" (imagino que sejam os teólogos) é pura difamação. Todos - eu disse TODOS - os meus melhores amigos teólogos já se envolveram com pregação e abertura de trabalhos para necessitados e marginalizados. Abraço.

Unknown disse...


Sem normas saudáveis para a comunicação normal da norma Palavra de Deus transformaremos esta revelação em uma anormalidade. Concorda Norma?

SaNaTieL disse...

Tive a curiosidade de ver alguns textos dessa bíblia freestyle e é indigesto, chulo e cansativo... Como vc falou no texto, é forçar a amizade(ou a leitura). E comparar com a obra do Eugene foi realmente hilário. Faltou um limitador para os exageros.

Parabéns pelo texto. Nota 1000.

Cicero Ricardo disse...

Não conheço a tal versão, mas fiquei maravilhado com a sua postagem em defesa da fidelidade à mensagem de Deus.
Parabéns!

sidney disse...

Eu parei de ler o artigo ao meio, ele é sim muito bem fundamentado, mas peca em um ponto: A bíblia Freestyle não é um acessório de pregação. É uma minhoca na ponta do anzol, ela gera curiosidade, por gerar burburinho, pelo fato das pessoas falarem dela, e falarem tanto mal quanto bem. Há bons frutos disso, de pessoas que realmente se chocam com as palavras fortes, e acabam por pegar o texto usual para conferir. Trata-se de uma apresentação de conceitos básicos, não de um ensino de escola dominical.

Norma disse...

Sidney: se palavrão ou linguagem torpe é pecado, será pecado em qualquer situação, dentro ou fora do local da igreja. E o pecado, mesmo que "funcione", continua a ser pecado e os caras que pecam terão que responder diante de Deus do mesmo jeito.

Unknown disse...

Não estava falando sobre teólogos não Norma, Graças a DEUS quase todos os teólogos que conheço estão preocupados e ativos.

Aprendiz disse...

Assino em baixo, tudo o que a Norma disse, mas gostaria de ampliar o debate.

Geralmente, quando se fala das novas versões da Bíblia, muitos só criticam o estilo. Ocorre que, sem prejuízo das críticas a estilos, toda paráfrase é um empobrecimento imenso do texto. E pior que um empobrecimento, uma distorção, necessariamente. Quando alguém traduz meticulosamente, usando com rigor normas da gramática e da linguística, ela produz um mapa para o texto original. Pode parecer menos inteligível à primeira vista, mas isso é normal. Muitas vezes o sentido exato das expressões idiomáticas é realmente desconhecido, ou o contexto histórico e o estado do debate das questões levantadas no texto são parcamente conhecidos. Nessas situações, escrever uma tradução clara, é provavelmente escrever uma tradução errada, fixando no texto as preferências ideológicas, conceitos prévios e interpretações pessoais do tradutor.

E muito mais honesto, quando a tradução de um certo trecho resultar pouco inteligível, ou parecer contraditória com outros trechos, fazer notas de rodapé, dando PROVÁVEIS interpretações. O leitor será confrontado com o fato de que mesmo pessoas cultas tem dificuldades de interpretação. Além disso, a própria complexidade de muitos temas torna a sua compreensão difícil. Que vantagem há numa explicação simples e errada? Melhor a percepção de que certas questões são difíceis por natureza.

Mas tudo isso seria menos mal, se apenas os produtores dessas "Bíblias" escrevessem na capa, bem grande, a palavra PARÁFRASE.

De qualquer forma, uma "Bíblia" escrita em termos chulos, é uma aberração e blasfêmia em si.

zeferino alvaro disse...

Até mesmo a Bíblia do Eugene Peterson tem erros doutrinários e teológicos . cheia de pressupostos neo-ortodoxo.Há um universalismo implícito de que todos serão salvos...É uma enganação de Satanás . ela não é a mensagem de Deus mas a mensagem do universalismo de Satanás. É fácil de ler e jovens não perceberão as enganações doutrinárias nem a moderna teologia carregada do pensamento Humanista. ..