Que os leitores não se preocupem com meu silêncio. É mais uma daquelas fases que atingem os escritores: vontade de ouvir e ler, mais que de falar. E, aqui, de mostrar músicas.
No meu livro A mente de Cristo, falei dos significados que me evoca a letra de The Carpet Crawlers (ou Crawl - a grafia muda), do Genesis, uma das minhas preferidas de todos os tempos. Esta tarde, ao sentir saudade da música, procurei na bagunça do meu iTunes as duas versões que conheço e tenho: a mais antiga, cantada por Peter Gabriel, e a de Phil Collins, que assumiu os vocais da banda em 1975. E, sem querer, achei uma coletânea do Genesis com uma terceira versão, de 1999, com um ritmo mais moderninho que eu odiei, porque feriu a identidade meditativa da original e remeteu às recentes composições de Collins para os desenhos da Disney. (Mas os dois cantando juntos valeram a gravação.) A presença de Follow You, Follow Me nesse disco (pois é, sou do tempo em que se falava "disco" e ainda estou fiel ao vocábulo) me lembrou de minha infância no final dos anos 1970, quando ouvíamos rádio em casa e eu tinha minhas preferências inclinadas aos beatles separados, Billy Joel e outros hits que tocavam. (Ainda gosto muito de Beatles, juntos e separados, e de Billy Joel.) Curiosa, ouvi-a de novo e descobri que gostava muito de Follow You, Follow Me antigamente, mas hoje a acho boba, popzinha demais - bem como o Genesis de Phil Collins, que tem pouca coisa interessante.
E por que estou contando isso? Porque, aos dezesseis anos, final da década de 1980, eu ouvia na Globo FM (era excelente!) The Carpet Crawlers, versão do Phil Collins nos vocais, de 1977. Gostava tanto que tinha conseguido gravá-la em uma fita cassete, já que fazia parte da programação usual da rádio. Mas só conhecia o segundo Genesis, pouco havia ouvido falar de Peter Gabriel. Tive o Foxtrot emprestado em casa uma época, mas desisti à primeira escuta (não sei por que; não era um problema com progressivos, pois desde criança eu curtia The Wall, do Pink Floyd, lançado em 1979 - se bem que eu só ia até Mother, nunca virava de lado nem ouvia o Disco 2). Quando eu tinha uns vinte anos, um amigo me apresentou com muita empolgação a Carpet Crawlers original, do álbum The Lamb Lies Down on Broadway, de 1974. Acostumada com a outra, não me entusiasmei muito por essa, nem procurei ouvir de novo durante anos.
Hoje, porém, a de Gabriel é de longe a minha preferida. Simplesmente não consigo mais deixar de sentir falta da introdução melancólica, da voz mais imperfeita e gritada, do andamento um tico mais rápido e da bateria progressivamente mais forte, com uma virada irresistível no final. Acho a gravação que eu ouvia na adolescência um tanto mauricinha - Collins canta irretocavelmente, mas sem aquela emoção visceral de Gabriel. Além disso, o baixo é pior: na primeira versão, há uma linha minimalista, duas notas marcadas como o bum-bum de um samba-enredo, mas só no comecinho, quando os instrumentos são poucos e a bateria ainda não entrou; na segunda, o minimalismo atravessa o refrão toda vez e, em comparação, acaba cansando quando se conhece a original.
Era isso. Considerações sobre quando o visceral é melhor que o bem cuidado, como nosso gosto musical muda com o tempo ou como as linhas de baixo devem variar (e para mim devem, sempre - veja Watcher of the Skies, 3:10 a 3:23, uma das mais surpreendentes que já ouvi), deixo-as para o leitor.
6 comentários:
Puxa Norma! Que texto bacana! Hoje amanheci pensando na música de hoje sem 'visceralidade' alguma, tudo formatadinho. Sem autenticidade e DESAFIOS melódicos. Aquilo que te marca a pele e te faz orar. Dia destes ouvindo Lee Ranaldo, num disco cheio de microfonias e ruídos eu me peguei orando enquanto caminhava. Em meio a muitos passantes. Louvei a Deus por dar talento a seres humanos caídos que mesmo tão afetados pelo pecado ainda conseguem nos emocionar. Tenho quase todos os discos de vinil do Genesis com o Peter Gabriel e já me peguei ali, me arrepiando com a voz rasgada e com um corte emocional que parece cantar uma verdade sentida. Valeu por compartilhar isso querida irmã!
P.S.: GENESIS sem Peter Gabriel, torna-se APOCALIPSE! =) =) =)
Adorei o comentário, Sandro! :-)
Lembrei-me de uma fita cassete em que gravei, de uma programação de rádio, uma hora de músicas do Genesis. Gostava especialmente de No son of Mine e Invesible Touch.
Olá Norma! Que bom que voltou a postar. Gostaria de saber se vc conhece literatura sobre o fascismo? E porque ele é sempre associado a governos conservadores ou de direita?
Obrigado pela atenção.
Norma, eu sempre fico feliz quando vejo uma mulher que gosta de rock progressivo. Existe uma infeliz "regra" cultural que diz que mulheres nunca se interessam por canções complexas e longas e, pelo público dos shows de bandas que seguiram (tipo o Yes atual), realmente a maioria esmagadora é de homens. Eu não sou o maior fã do Broadway mas Carpet Crawlers é uma música difícil de não gostar. Ela é um pouco diferente do Genesis tradicional; é mais minimalista e melancólica que qualquer outra música feita até então. A fase Collins é bobinhas, tem lá seus momentos mas foi talhada para o rádio e, portanto, é muito mais "covarde" e higienizada. Peter Gabriel até seguiu por um caminho pop nos anos 80 mas sempre de vanguarda e experimental. Gostaria de saber o que você acha hoje da Supper's Ready? Outra grande música, quase divina, é The Cinema Show, de uma beleza fantástica. Abraço!
Oi, Marco! Prometo abordar isso em textos futuros, pode ser? Abraço!
IRI, que interessante, nunca tinha pensado nisso. Realmente, eu nunca conversei com amigas mulheres sobre rock progressivo. Não posso dizer que sou uma grande conhecedora - tenho as minhas preferidas e fico nelas, como o Pink Floyd e Renaissence - , mas eu acho linda a ideia do progressivo: um cruzamento de rock com música clássica. Assim como minha linha de jazz preferida é a do Dave Brubeck, que também faz esse cruzamento. Ou seja, é o lado erudito e difícil que me atrai. :-)
Eu sou apaixonada por Supper's Ready! the Cinema Show eu não conheço, vou ouvir e depois venho aqui dizer! ;-)
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