Da última vez em que estivemos no Rio de Janeiro, eu e André fomos a uma exposição de mulheres artistas no CCBB, vinda do Centre Georges Pompidou, na França. Vi o cartaz enquanto voltava do aeroporto e propus a visita a meu marido. Fiquei animada sobretudo com a presença de obras de Frida Kahlo, que eu nunca tinha visto pessoalmente. Mas eu deveria ter desconfiado que do Pompidou não viria muita coisa boa, pois o museu é conhecido por sua modernidade - essa palavrinha tão abusada.
Pois é, além de um quadro de Frida Kahlo (que nem era tão bom assim) e outro muito impressionante (uma atmosfera sombria e um Jesus crucificado em uma árvore - eu queria encontrar o nome da autora para postar aqui, mas na internet só achei referências à festa de abertura da exposição), todo o evento nos decepcionou, e mais, enfureceu esta que vos fala. Os quadros eram relativamente poucos em comparação aos vídeos, que exibiam o pior do espaço. Como uma mulher cristã se sentiria quando, acreditando proporcionar um momento cultural agradável a seu marido que não conhece bem o Rio, acaba o expondo não só a um monte de nulidades com nome de "arte", mas a incontáveis cenas de nudez feminina? Por aí você pode imaginar em que estado eu fui embora de lá.
Já no hall, um vídeo todo desfocado e com defeitos na imagem - irritante de se ver - mostrava uma mulher descabelada se jogando de lá para cá e cantando sem parar, na primeira pessoa, a linha inicial de Happiness is a Warm Gun, dos Beatles: "I'm not a girl who misses much." Tive que discordar: she missed a lot, principalmente equilíbrio corporal, bom gosto e bom senso. Mais interessante teria sido assistir ao vivo a um bêbado chato cantando; pelo menos a imagem estaria boa.
Outros vídeos também torturavam pela via do enfado: imagens ao ar livre onde nada ou quase nada acontecia, acompanhadas de textos que muito dificilmente poderiam ser classificados como literatura. Em outra sala, André me chamou para ver cenas de um gato - "Olha, querida, esse não tem mulher pelada" - , mas, quando olhei, para a consternação dele, uma mulher pelada estava abraçando o gato.
Já contei aqui uma vez que uma professora minha da Letras havia comentado com uma colega: "O estudo da literatura e o cristianismo são incompatíveis." (Para fazer justiça com a faculdade, meu orientador discordaria dessa apreciação.) Eu me pergunto se a própria arte dos séculos XX e XXI também não estaria se tornando incompatível, não com o cristianismo, mas com a noção de arte que produziu tantas maravilhas nos séculos anteriores e nos fez pensar e sonhar, em vez de responder com tédio, irritação ou vergonha. Desprovida de forma e conteúdo feitos para dizer, boa parte da arte e da cultura modernas (pinturas, filmes, peças de teatro) se viciaram na apresentação de uma nudez muito diferente da grega e da renascentista, uma nudez que, em vez de graciosa e arquetípica como suas predecessoras, é puro atentado ao pudor. O problema, o leitor já adivinhou qual é: atentados ao pudor dificilmente podem ser considerados arte. A arte até pode chocar, mas precisa ser bela antes de tudo. Faltam não só beleza, criatividade e sentido, mas sobretudo amor pelos espectadores, e aqui entram as costumeiras considerações deste blog sobre a cultura pautada pelo politicamente correto: nessa exposição, acredito que o ódio feminista enganou a maioria daquelas mulheres a tal ponto que foram convencidas de que qualquer coisa de suas mãos, só por serem mãos de mulheres, mereceria destaque como obra de arte. Em resultado, parece que só às feministas - e aos masoquistas - foi permitido sentir-se bem ali (e quem não reclamou certamente não o fez por pura culpa, a reação obrigatória exigida pelo feminismo).
E quando o masoquista é a própria arte? O vídeo que trago abaixo não foi retirado da exposição - claro! - , mas é uma sátira muito inteligente da arte moderna. Imagino que o roteiro foi inspirado em uma história terrível sobre a qual escrevi aqui. Também falo de arte moderna aqui. Modifiquei e ampliei esses dois textos para integrar meu livro A mente de Cristo: conversão e cosmovisão cristã.
14 comentários:
Norma,
o anjo de luz se apropria do nome "arte" para espalhar o despudor. E, sendo "arte", o despudor vale.
O evento foi esse aqui? http://www.bb.com.br/portalbb/page511,128,10154,1,0,1,1.bb?codigoEvento=5155
Sem restrição de idade e com o patrocínio do Banco do Brasil? Meu Deus! Se não houver uma ação concreta da nossa parte para denunciar essas coisas (boicote nas redes socias, denúncias junto ao MP, etc), as coisas seguirão sem freios.
Como sempre, muito bom o seu texto! Ah, e o vídeo do final é ótimo.
Forte abraço!
Foi esse mesmo, Leo. Agora você vê. Eu não tinha atentado para essa questão da não-restrição de idade. Mas olhe, tinha uma sala com um aviso sobre cenas impróprias. Só que a gente obviamente não quis ver essa. Até ali, sem querer, olhamos muito peito. Parece que o peito foi liberado para os menores. Ou será que havia avisos nas outras salas e nós não vimos? Enfim, é de lamentar que a arte seja sequestrada desse jeito só para exibir pudenda de moças revoltadas.
(A sala imprópria tinha, segundo o aviso, cenas de violência e sexo. Eu tenho quase certeza de que não tinha avisos para as cenas de nudez.)
Norma,
do jeito que as nossas crianças estão sendo expostas à sexualização, não duvido que não tenha tido os avisos de nudez. Afinal de contas, sanguinolência é impróprio; nudez, não. O temporas, O mores!
Leo, talvez isso se explique pelo fato de que, para os europeus franceses (acredito que outras nacionalidades da Europa também), a nudez não é um tabu como aqui. Aqui, a mulher vai à praia com um biquini minúsculo, mas sempre tem algum pano cobrindo. Lá elas fazem topless sem problemas. Mesmo assim, não justifica, claro.
É... Talvez alguém esteja mesmo incomodado com o fato de que a linha abaixo do Equador ainda esteja atrás do "Novo Mundo" nesse quesito. Tudo culpa da retrógrada moral judaico-cristã.
Norminha,
Vc, como sempre, foi impecável. Infelizmente o nu deixou de ser algo belo e artistico, para se tornar um real atentado ao pudor.
Me pergunto onde esse povo busca o Pulchrum, o Belo, já que o Belo por excelência é Deus e não se encontra fora dEle. Eles querem reformular o conceito de belo, de estética, etc, só pode.
Reformular pra pior, claro....
Miserere nobis, Domine.
Há um documentário do filósofo Roger Scruton onde ele trata exatamente sobre a importância da beleza, e de como a "arte" moderna perdeu esta sensibilidade. Indispensável!
Eu vi esse documentário. Bem bonito. Só achei triste que, enquanto o protestantismo historicamente exclui ou ignora a dimensão estética da teologia (e isso se reflete em nossos templos quase que invariavelmente feios, na música tocada por não-músicos no culto - síntese com o utilitarismo -, na escassez de bons artistas cristãos etc.), a visão católica/anglicana permite a frase do Scruton no final do vídeo: a arte é a porta para Deus. Ambas as posturas estão erradas. Sabemos que há somente uma porta para Deus, que é Cristo; a arte apenas aponta para Deus. Mas existe um modo saudável, não idólatra, de integrar a dimensão estética à adoração a Deus. É esse apontar que o protestantismo precisa redescobrir e levar mais a sério. Mas isso dá outro post. :-)
Post pertinente, Norma. A arte contemporânea é reflexo de nosso caos, não é mais signo que aponta para o mistério, mas para a condição fragmentada e desnorteada do homem "pós-moderno". Permita-me compartilhar parte de minha reflexão a respeito da arte contemporânea: "Talvez sejamos adultos demais para acreditar em magia, a humanidade avançou demais para se atentar para os acenos e sentimentos despertados pelo mundo “surreal”. Crescemos tanto que somos mais infelizes do que nunca; tanto que, enquanto humanidade, estamos despedaçados como cacos de vidro. Pouco sentido a vida faz. O que nos resta é olhar para os cacos do que foi uma bela vidraça ou castelo e dizer que esses pedaços de vidro não se harmonizam, cada um tem uma forma diferente, que não fazem sentido algum e que foram criados assim. Então, tentando dar sentido ao caos, com os pedaços de vidro fazemos arte e as chamamos de contemporânea e, para alívio temporário de nossa tremenda falta de sentido, aprendemos a admirar exageradamente os farelos de vidro em vez dos diamantes ou castelos de cristais. No entanto, o problema não está na arte, está em nós mesmos, em nossa limitada filosofia pós-moderna que diz que é obrigação nossa inventar o sentido da vida, na ilusão de que somos origem de alguma coisa." [A vida brilha, mas é frágil] Em: http://comlucasnascimento.com.br/?p=128
Pois é, belezas e verdades se perderam. Mas não podemos esquecer que Deus é o senhor da história e que, por mais defeituosa que seja a arte moderna, Ele ainda permite porções de beleza e verdade no mundo, de outras formas.
Digo isso porque, diante de tanta feiúra, o risco de idolatrarmos um passado idealizado é alto.
Com toda certeza, tem gente boa por aí fazendo arte excelente e atualíssima. Visitei o Inhontim, Museu de arte contemporânea e jardim botânico, e dentre tantas obras apenas bonitas, vi uma sala de música com equipamentos eletrônicos reproduzindo algo muito belo, de elegância, atualidade e elevação. Concordo contigo e precisamos mostrar mesmo que não seja tão fácil que há arte boa sendo produzida no presente também.
Bacana! Nossa, faz anos que não vou ao MAC!
De acordo com Rookmaaker, "quatro qualidades determinam o escopo, a profundidade e a importância de qualquer artista: talento, inteligência, caráter e aplicação." A nudez artística antigamente mostrava a grandeza humana em sua beleza. Atualmente a pauta da modernidade da arte é a exaltação da relativização dos sentimentos do artista. A comunicação e a forma que qualificam a arte estão minadas por significados e valores fúteis. A arte não é neutra. Não vi as obras que você viu nesta exposição, mas o vídeo apontou uma das crises do homem contemporâneo: o desespero. Quando observo uma obra, levo em consideração o cenário histórico em que está inserida. Assim como a "Noiva Judia", de Rembrandt representou a Holanda do século 17 e o amor humano do casamento, a arte deve ter duas qualidades em equilíbrio com bases nos valores cristãos: a técnica e o seu valor representacional (seu significado). A arte abstrata é um grito do homem moderno dizendo: - Não quero comunicar nada de mim. Odeio as regras! Cada um tem a sua verdade.
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