Um esforço, com a graça de Deus, de recolocar o cristianismo na via dos debates intelectuais. Não por pedantismo ou orgulho, mas por uma necessidade quase física de dar nomes às minhas intuições e contornar o status quo das idéias hegemônicas deste mundo.
27 abril 2007
Diálogos (insanamente) irrelevantes IV e uma oração
- Por isso eu sempre digo: “A verdade cristã pode ser inquestionavelmente abraçada, jamais explicada ou entendida.”
- Ué, mas então a pessoa se converte como?
- É inexplicável.
- Não é possível; tem que haver alguma explicação.
- Não, não tem.
(outro intervém)
- Bom, é verdade que um aspecto da conversão é relacional, ou seja, o homem é impactado pela presença de Deus e cai a Seus pés, às vezes sem entender direito o que está acontecendo. Já presenciei isso várias vezes. Por outro lado, o apóstolo Paulo diz que precisamos sempre estar prontos para dar ao mundo a razão da nossa fé. A fé não é vazia, ela tem conteúdo racional, que é adquirido e fortalecido com a leitura bíblica e também no confronto com as idéias seculares. Nenhuma fé se sustenta na base das experiências, somente. Há uma história a ser conhecida, uma determinada cosmovisão, uma lógica bíblica...
- Ih... Lá vem você falar de “lógica”! (vários narizes torcidos)
- Mas qual o problema em falar de lógica? A fé tem um conteúdo racional, não tem? Gostaria que os senhores se pronunciassem a respeito.
O primeiro toma a palavra:
- “O efeito dessa nossa obsessão em precisar o conteúdo intelectual da verdadeira fé está em que enquanto fazemos isso conseguimos manter Jesus irrelevante para o restante e vasta maioria do mundo. A impressão que passamos é que a coisa mais útil e importante que o cristão pode fazer é definir intelectualmente e sem arestas a forma como Deus funciona e em seguida defender a todo custo o seu ponto de vista.”
(aplausos dos antilógicos; o outro responde, estupefato:)
- Não acho que “precisar o conteúdo da verdadeira fé” seja “manter Jesus irrelevante para o mundo” nem “a coisa mais importante que um cristão pode fazer”. Acho, simplesmente, que todo cristão acaba fazendo isso em certa medida, seja sozinho, seja com a ajuda de outros – irmãos da igreja, amigos, autores novos ou antigos. E isso é sumamente necessário, pois a fé cristã não é oposta à razão! Ela requer um conteúdo específico – um conteúdo, aliás, belíssimo, que começa com a criação do mundo, passa pela queda da humanidade (que recusa Deus) e culmina na salvação de Jesus e, por fim, na redenção do Planeta. O cristão que quer tornar sua fé conhecida precisa passar por esses pontos todos, e isso inclui a razão também. Esses pontos definem o cristianismo, e uma das preocupações do apóstolo Paulo foi justamente precisar o que cremos para tomar cuidado com outras doutrinas, com um outro cristianismo...
(narizes mais torcidos ainda e comentários gerais)
- Nossa, que coisa mais chata...
- Pior que chata: ele está falando de “cristianismo verdadeiro” e “cristianismo falso”, que empáfia!
- Absurdo mesmo. Todo cheio de si, ele e suas “razões”...
- Vou mandar um beijo para ele, quem sabe assim ele pára de falar desse jeito!
(Todos riem e se afastam, deixando-o sozinho com seus pensamentos. Sem sequer perceber, ele começa a orar:)
- Senhor, eu sei, só eu sei, o quanto pequei na minha vida justamente nos momentos em que quase me afastava da Tua doutrina. Eu sei por minhas experiências, amargas experiências, que todas as vezes em que ameacei questionar a integridade da Tua Palavra, ou a singularidade da Tua mensagem, eu me vi abrindo portas em minha mente para ser tentado naquilo que não conseguia evitar. Caí muitas vezes e quase caí tantas outras, correndo o risco de morte espiritual, sentindo-a bem de perto. Hoje sei que a ortodoxia é uma bênção, e a mente fraca é cria deste século, receptáculo de tudo que é contrário aos Teus desejos de santidade. Firma minha mente em Teus limites e não me deixa jamais cair no engodo do relativismo moderno. Que a Tua verdade seja minha em pensamentos, palavras e atos. Glórias sejam dadas a Ti, Senhor. Amém.
23 abril 2007
Uma pergunta a Ricardo Gondim
Em maio de 2005, Augustus Nicodemus escreveu um artigo bastante elucidativo sobre um dos assuntos de um antigo post deste blog que deu muito no que falar: Teologia Relacional, ou Teísmo Aberto, uma teologia baseada em pressupostos no mínimo estranhos, veiculados e defendidos aqui no Brasil sobretudo por Ricardo Gondim. Nicodemus menciona seis desses principais pressupostos, dos quais o primeiro, base para os restantes, parece o mais "inocente": O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas.
É verdade que a Bíblia diz que Deus é amor. No entanto, com a desculpa da "superioridade" do amor sobre outros atributos divinos e da "abertura" de Deus aos sentimentos humanos, os cinco pontos seguintes levantados e criticados por Nicodemus são claramente mentiras da TR sobre o Deus da Bíblia - idéias contrárias ao que a Bíblia ensina. São elas: Deus não é soberano e procura se adequar às ações do homem; Deus não sabe o futuro, pois vive no tempo; Deus se arrisca em todas as Suas decisões; Deus é vulnerável; Deus muda. Nenhum cristão que se preza, em toda a história do cristianismo bíblico, concordaria com uma só dessas idéias, crendo que o amor e a sensibilidade de Deus para com o homem não excluem nem se sobrepõem a Sua soberania. Essas considerações se tornam bastante evidentes ao longo do artigo de Nicodemus.
Pois bem; recentemente, Ricardo Gondim resolveu escrever uma definição de Teologia Relacional que ao mesmo tempo contivesse uma resposta a esse artigo de Nicodemus, só mencionado brevemente no final. Gondim não analisa o texto todo, apenas o primeiro ponto da TR levantado por Nicodemus: "O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas." Desse ponto, Nicodemus discordou apenas, como vimos, da superioridade do amor sobre outros atributos, estratégia da TR para advogar a pretensa "abertura" de Deus a ponto de negar Seu poder e Sua soberania. A sensibilidade e a comoção de Deus com relação a Suas criaturas foram evocadas pelo autor apenas para explicar o fundo sentimentalista e subjetivista da TR. É como se essa "teologia" argumentasse: "Deus é tão sensível e se comove tanto como os dramas de suas criaturas que chega ao ponto de se limitar voluntariamente para caminhar com elas." Isto é o que todo leitor atento tem condições de perceber ao finalizar o texto de Nicodemus.
No entanto, Gondim afirma que Nicodemus discorda de todo o parágrafo sobre o amor de Deus. Vejam o que escreve:
A próxima frase [de Nicodemus] vai negar noções intuitivamente percebidas pela grande maioria dos evangélicos: Deus é afetuoso, sim. (...) não é precisamente isto que as Escrituras repetidamente expressam sobre o Senhor? Por que a TR seria uma heresia por acreditar nos afetos divinos? A não ser que Nicodemus leia as Escrituras com as lentes aristotélicas do “Motor Imóvel” ou da “Apatia Divina”, não há como entender o Deus da Bíblia, senão como uma Pessoa que se sensibiliza e se comove com o drama humano.
Ora, por que Gondim teria se aferrado, em sua refutação a Nicodemus, ao ponto menos controverso sobre a TR, o único de todos os seis que não continha apenas falácias, afirmando que Nicodemus se posicionava também contra as verdades imbuídas nele? Não sei. E, porque não sei, preciso perguntar. Aqui vai, portanto, minha perguntinha a Ricardo Gondim: Caro Gondim,
A partir de uma menção feita em artigo por Augustus Nicodemus a idéias da Teologia Relacional - O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas - , o senhor conclui, no item III de seu artigo, que Augustus Nicodemus posiciona-se contra todas essas afirmações, enquanto no artigo o único ponto refutado é a superioridade do amor sobre os demais atributos divinos. Sendo assim, o senhor afirma explicitamente em seu texto Teologia Relacional - Que bicho é esse? que Nicodemus NÃO CRÊ que Deus seja amoroso, sensível e se comova com os dramas de suas criaturas. Gostaria então de lhe perguntar se essa aterradora conclusão sua foi (das duas, uma):
- Mero recurso retórico para finalizar bem o texto? ou
- Uma real conclusão a partir do texto de Augustus Nicodemus?
Tertium non datur. Não creio ser possível qualquer outra resposta, embora muito me alegrasse que houvesse, pelo seguinte motivo: no primeiro caso, o senhor estaria usando de uma estratégia algo desonesta para desacreditar violentamente não só o texto criticado, mas seu autor (afinal, como os evangélicos podem confiar em um teólogo que não crê na verdade bíblica de que Deus é amoroso, sensível e se comove com os dramas de suas criaturas?); no segundo caso, o senhor estaria se valendo de uma interpretação de texto muito duvidosa ou, no mínimo, de uma grande desatenção, o que põe em cheque sua própria capacidade de articulação e leitura. Qual das duas é a alternativa exata? Muito gostaria de saber.
Sinceramente,
Norma Braga
14 abril 2007
SHOW DE HORRORES
- Senhoras e senhores! Bem-vindos ao nosso SHOOOOW DE HORROOOREEEES!
(Aplausos entusiasmados. O apresentador espera pacientemente o ruído baixar, ainda sorrindo. Encaminha-se para seu posto no canto direito do palco.)
- Boa-noite, amigos da platéia!
- Boa-noiteeeeee!
- Que platéia maravilhosa temos aqui hoje! São estudantes universitários de teologia e ciências da religião, vindos de todos os cantos do país. Obrigado pela presença! A participação de vocês no Show de Horrores é fundamental! Como sabem, vocês têm o poder das multidões: aprovar ou desaprovar o que será dito no palco.
(Barulho ensurdecedor. O apresentador espera.)
- Para quem ainda não conhece o programa, o Show de Horrores tem como símbolo o monstro Frankenstein. (Mostra no canto oposto um boneco gigante cheio de escaras e cicatrizes.) A cada semana, promovemos uma competição ao vivo entre profissionais da área acadêmica. O ganhador é aquele que demonstrar a maior discrepância, a maior incoerência, a maior esquizofrenia entre suas idéias e sua vida!
(Aplausos e urros.)
- O tema de hoje é: Bíblia. (Um letreiro brilha acima dele.) Os profissionais que se inscreveram para esta competição são professores de seminários protestantes que também têm cargos de liderança em suas igrejas. Todos eles cumprem essa jornada dupla: ensinam a futuros pastores e pregam na igreja, orando em público e cuidando de suas ovelhas. Veremos o quanto são capazes de assumir posições conflitantes nas duas funções. Recebam agora nossos candidatos!
(Aplausos. Entram os professores de seminários, alguns tímidos, outros gesticulando animados para a platéia, com suas Bíblias debaixo do braço. Já instalados no canto oposto do palco, os jurados do programa colocam seus óculos e abrem suas pastas. Um deles pede ao apresentador para fazer uma observação sob a forma de pergunta.)
- Os professores costumam fornecer aos estudantes a base teórica do conteúdo veiculado em sala de aula?
(O apresentador parece confuso, e pede a um dos professores que responda. Antes de se levantar, o professor menos tímido olha para os demais colegas, certificando-se de que a resposta é unânime.)
- Não costumamos fazer isso.
- Ótimo. (O jurado parece satisfeito.) Excelente dado para a esquizofrenia.
(Todos parecem contentes, e o apresentador decide começar a competição.)
- Vocês sabem as regras: os estudantes fazem uma pergunta para cada professor. Se a resposta não for suficiente, o estudante pode fazer ainda mais uma para complementar. E não se esqueçam: ganha quem demonstrar mais esquizofrenia entre idéia e vida, teoria e prática!
(Candidatos e jurados assentem, ansiosos. O primeiro estudante se adianta.)
- Professor, quais as diferenças entre o que o senhor diz em sala de aula e o que o senhor ensina na igreja?
(O candidato sorri.)
- Na igreja, eu sou confessional e ensino a Bíblia como a Palavra de Deus. No seminário, sou acadêmico, científico, crítico. Posso questionar tudo que preguei na igreja, inclusive se a Bíblia é mesmo a Palavra de Deus.
(Ovação. O professor une as mãos em sinal de vitória. Satisfeito, o estudante retorna a seu lugar. Outro toma a palavra e se dirige ao segundo professor.)
Continua...