Marcos Rangel, um amigo do Orkut, enviou-me por scrap uma pergunta. Respondi como se segue, e ficaria muito feliz se os amigos leitores postassem nos comentários suas próprias versões de definição.
Com licença:
O que é o céu?
Gostaria de ter uma resposta tua para esta pergunta.
Oi, Marcos!
A sua pergunta me faz sonhar com alguns trechos bíblicos preferidos (palavras de Jesus, palavras de Paulo, trechos de Gênesis e Apocalipse) de onde tiro essas expectativas maravilhosas:
- O céu é como o dia-a-dia de um casamento perfeito e maravilhoso (Cristo e a Igreja) onde não há dor, mal entendidos nem possibilidade de separação;
- O céu é onde não precisaremos de sol, pois Deus será o próprio sol, e Dele virá toda luz de que viveremos;
- O céu é onde todos seremos íntegros: apareceremos uns aos outros tal como somos, sem precisar tomar o cuidado de nos fecharmos ou nos escondermos, pois o mal não será mais uma realidade e poderemos exercer plenamente nosso amor uns com os outros, em total liberdade e transparência;
- O céu é onde "conheceremos tal como somos conhecidos": assim como todos seremos íntegros com todos, Deus também terá conosco uma intimidade total, e nós O conheceremos tal como Ele nos conhece: totalmente.
Cara, obrigado pela resposta. Gostei muito.
Mas quero mais indagar:
Só podemos falar do céu por meio de metáforas?
Do céu somente podemos ter expectativas?
Como captar das metáforas uma realidade objetiva?
Pois é, acho difícil fugir das metáforas quando se trata do céu, pois é uma realidade que vivemos apenas em parte quando nos convertemos e conhecemos o amor de Deus nas nossas vidas. Por isso eu amo as palavras de Paulo em 1 Coríntios 13: 10: "Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. (...) 12 Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido."
Como ainda estamos em carne, é difícil tratar de uma realidade espiritual sem ser por comparações imperfeitas. É como falar da vida adulta para um menino - de fato, é a analogia que Paulo faz. Ou, imagino, para tentar outra analogia, é como falar do casamento feliz e do amor físico para alguém que nunca amou: há como ter idéias da coisa, mas não como saber de fato. Mas isso também é motivo para alegria: podemos ter expectativas, mas a realidade vindoura superará todas elas.
Um esforço, com a graça de Deus, de recolocar o cristianismo na via dos debates intelectuais. Não por pedantismo ou orgulho, mas por uma necessidade quase física de dar nomes às minhas intuições e contornar o status quo das idéias hegemônicas deste mundo.
26 fevereiro 2007
22 fevereiro 2007
Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Vi nesses dias de carnaval o filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças. A música-tema, Everybody's got to learn sometime, uma regravação de Beck ainda mais arrasante que a original, toca inteira no fim e fica na cabeça durante muito tempo. A vontade é repetir, repetir, repetir. E fazer voltar alguns dos sentimentos vividos durante a história de Joel e Clementine.
Nesse filme, o personagem de Jim Carrey é o oposto de todos os anteriores: tímido, calado, fechado, contido até nos movimentos. Não há comicidade alguma nele, o que só o faz contrastar mais ainda com a garota de cabelos azuis/verdes/vermelhos/cor-de-rosa vivida por Kate Winslet. Um casal que tem tudo para dar certo não pelas identificações, mas pela complementaridade – algo que ainda não decidi se existe, se é bom, se quero para mim. Mas deve haver algum engano no desejo por alguém tão igual, é minha desconfiança. Fico no meio: Deus pode prover a medida certa.
O relacionamento, no entanto, não corre bem, e logo a impulsiva moça do casal – e isso está na sinopse, não corro o risco de estragar o filme para quem não viu – decide lançar mão dos serviços de uma empresa que “apaga memórias”. Até aqui, nada de tão criativo: já fomos apresentados à idéia da manipulação de conteúdos do cérebro em outros filmes. O que comove neste é que o amor supera a tecnologia, a ciência, as predições e mesmo a relutância humana em enfrentar as más lembranças. Prevalece um violento desejo de recomeçar não do zero, mas dos fracassos. Everybody's got to learn sometime.
Da história, ficaram-me dois sentimentos bem marcados: um, mais evidente, a ausência de alguém em quem depositar as esperanças de uma cumplicidade e uma intimidade totais; outro, aliviador, a alegria de saber que minhas memórias jamais serão tiradas de mim – e que em Deus, o Pai de todo sentido, as dores não foram em vão.
Nesse filme, o personagem de Jim Carrey é o oposto de todos os anteriores: tímido, calado, fechado, contido até nos movimentos. Não há comicidade alguma nele, o que só o faz contrastar mais ainda com a garota de cabelos azuis/verdes/vermelhos/cor-de-rosa vivida por Kate Winslet. Um casal que tem tudo para dar certo não pelas identificações, mas pela complementaridade – algo que ainda não decidi se existe, se é bom, se quero para mim. Mas deve haver algum engano no desejo por alguém tão igual, é minha desconfiança. Fico no meio: Deus pode prover a medida certa.
O relacionamento, no entanto, não corre bem, e logo a impulsiva moça do casal – e isso está na sinopse, não corro o risco de estragar o filme para quem não viu – decide lançar mão dos serviços de uma empresa que “apaga memórias”. Até aqui, nada de tão criativo: já fomos apresentados à idéia da manipulação de conteúdos do cérebro em outros filmes. O que comove neste é que o amor supera a tecnologia, a ciência, as predições e mesmo a relutância humana em enfrentar as más lembranças. Prevalece um violento desejo de recomeçar não do zero, mas dos fracassos. Everybody's got to learn sometime.
Da história, ficaram-me dois sentimentos bem marcados: um, mais evidente, a ausência de alguém em quem depositar as esperanças de uma cumplicidade e uma intimidade totais; outro, aliviador, a alegria de saber que minhas memórias jamais serão tiradas de mim – e que em Deus, o Pai de todo sentido, as dores não foram em vão.
19 fevereiro 2007
FLORLETTER: caixa do Google à direita
Novidade: criei uma lista do Google Grupos para divulgação dos novos posts do blog. O método manual estava muito trabalhoso, e creio que este irá funcionar direitinho. Assim, se quiser receber em sua caixa postal a atualização do blog, dê uma olhada no box do Google do lado direito, inscreva seu endereço e complete o processo respondendo a uma pergunta na página inicial do site. Obrigada!
18 fevereiro 2007
Da série Soco no Estômago II – Amebas que amam
Autores evangélicos da tão popular tendência de auto-ajuda insistem no amor e na compaixão, na abertura de mente, na revisão dos conceitos e preconceitos, na meditação perigosamente próxima às práticas panteístas – Simone Weil diz que “estar atento” para Deus é “suspender nosso pensamento, deixando-o desligado, vazio e pronto para ser penetrado pelo objeto” – e raramente falam daquilo de que a igreja evangélica brasileira realmente precisa: discernimento, espírito crítico, leitura, aprimoramento das faculdades intelectuais. É por causa dessa “abertura” acrítica e cheia de empatia que tantos líderes inescrupulosos têm levado multidões no bico. Enquanto isso, continuam chovendo no mercado as publicações de auto-ajuda que promovem e reforçam um ideal de espírito contemplativo sem a ênfase em sua contrapartida, o conhecimento bíblico e a reflexão, sem os quais toda contemplação se perde no vazio. Não adianta criminalizar a rapidez do mundo moderno, o excesso de informações, a correria do cotidiano, a tendência workaholic, para pregar em seu lugar uma ascese apática com ênfase em um amor sem conteúdo racional, cujo objetivo parece mais a transformação dos ávidos e desatentos consumidores de novidades em sorridentes amebas que amam.
P.S.1 Esse texto é uma homenagem às avessas ao pior livro de auto-ajuda que li nos últimos tempos, de Henri Nouwen. Como a expectativa com relação ao autor era grande – criada artificialmente por recomendações de amigos e conhecidos – , a queda foi revoltante e dolorosa. A linguagem é bem mais apurada do que a que costuma freqüentar o estilo; porém, como uma “pegadinha”, é justamente isso que eleva a potências inimagináveis o grau de irritação do leitor esperando por substância: simplesmente não há. Lugares-comuns e banalidades em um tom pomposo ultrapassaram o limite do que eu podia suportar. Nouwen, nunca mais.
P.S.2 Não me julguem mal. Não sou elitista e também consumo textos populares (embora, confesso, não preferencialmente). No mesmo dia em que terminei o malfadado opúsculo nouweniano, li por diversão o Psico-gato, de Pam Johnson-Bennett, uma “consultora de comportamento felino” que conta suas experiências com os gatos de que tratou. Como gateira assumida, devorei suas páginas em duas horas de puro prazer quase ronronante. Pois o fato, que conto sem o mínimo constrangimento, foi que o livreto me fez chorar de emoção feliz no final. Bom, não vou estragar as coisas: leia e descubra por quê.
P.S.1 Esse texto é uma homenagem às avessas ao pior livro de auto-ajuda que li nos últimos tempos, de Henri Nouwen. Como a expectativa com relação ao autor era grande – criada artificialmente por recomendações de amigos e conhecidos – , a queda foi revoltante e dolorosa. A linguagem é bem mais apurada do que a que costuma freqüentar o estilo; porém, como uma “pegadinha”, é justamente isso que eleva a potências inimagináveis o grau de irritação do leitor esperando por substância: simplesmente não há. Lugares-comuns e banalidades em um tom pomposo ultrapassaram o limite do que eu podia suportar. Nouwen, nunca mais.
P.S.2 Não me julguem mal. Não sou elitista e também consumo textos populares (embora, confesso, não preferencialmente). No mesmo dia em que terminei o malfadado opúsculo nouweniano, li por diversão o Psico-gato, de Pam Johnson-Bennett, uma “consultora de comportamento felino” que conta suas experiências com os gatos de que tratou. Como gateira assumida, devorei suas páginas em duas horas de puro prazer quase ronronante. Pois o fato, que conto sem o mínimo constrangimento, foi que o livreto me fez chorar de emoção feliz no final. Bom, não vou estragar as coisas: leia e descubra por quê.
13 fevereiro 2007
Artigo no MSM - O pequeno Judas às avessas
Sem dúvida um dos piores acontecimentos dos últimos anos no longo currículo de violência do Rio de Janeiro, o assassinato do menino João Hélio mortificou a todos nós que temos um mínimo apreço pela vida.
Lemos estarrecidos que um grupo de homens, entre eles um menor, rendeu a mãe e a irmã de João Hélio e as tirou do carro sem se importar com o fato de que o menininho, de seis anos, continuara preso à cadeira de trás pelo cinto de segurança. O carro arrancou com o corpinho pendurado do lado de fora e continuou rodando por alguns quilômetros, uma versão urbana e macabra da morte arrastada por mula. Houve quem testemunhasse que, ao gritar para o grupo na rua sobre o que acontecia, a resposta foi acompanhada de risos: “É o nosso Judas.”
“É o nosso Judas.” Essa é a fala da turba ensandecida, da voz sem rosto das massas, do espírito coletivo assassino que faz encarnar o bode expiatório até mesmo em crianças inocentes. É a fala de quem decide arbitrariamente, como um deus, quem representa o mal e como purgar esse mal, passando ao ato sem remorso porque não duvida de seu próprio julgamento.
O artigo continua no site Mídia sem Máscara
Lemos estarrecidos que um grupo de homens, entre eles um menor, rendeu a mãe e a irmã de João Hélio e as tirou do carro sem se importar com o fato de que o menininho, de seis anos, continuara preso à cadeira de trás pelo cinto de segurança. O carro arrancou com o corpinho pendurado do lado de fora e continuou rodando por alguns quilômetros, uma versão urbana e macabra da morte arrastada por mula. Houve quem testemunhasse que, ao gritar para o grupo na rua sobre o que acontecia, a resposta foi acompanhada de risos: “É o nosso Judas.”
“É o nosso Judas.” Essa é a fala da turba ensandecida, da voz sem rosto das massas, do espírito coletivo assassino que faz encarnar o bode expiatório até mesmo em crianças inocentes. É a fala de quem decide arbitrariamente, como um deus, quem representa o mal e como purgar esse mal, passando ao ato sem remorso porque não duvida de seu próprio julgamento.
O artigo continua no site Mídia sem Máscara
12 fevereiro 2007
Da série Soco no Estômago I
A nova série chamada "Soco no Estômago" é composta de textos curtos e diretos como um soco. Não para socar os leitores, claro, mas as idéias que arrastam este mundo para mais longe de Deus.
Não por acaso, o primeiro Soco trata também da questão do aborto, em um dia triste para os cristãos pró-vida: este domingo, o povo português votou pelo sim em referendo para legalização do aborto. Se a decisão se confirmar, Portugal será mais um daqueles países em que o número de abortos é incrivelmente alto. Que os cristãos de todo o mundo possam prantear os filhos que não nascerão, o decréscimo da sensibilidade humana e a desvalorização da vida em mais um canto da Europa.
O primeiro Soco
Com freqüência, quem adota uma atitude cínica com relação à virtude requerida por Deus – compaixão, sinceridade, castidade, firmeza na ortodoxia cristã, postura anti-aborto – é quem desistiu do aprendizado da santidade e agora busca ou justificar racionalmente essa desistência, ou argumentar para tornar em bem o mal que não pôde rejeitar.
Não por acaso, o primeiro Soco trata também da questão do aborto, em um dia triste para os cristãos pró-vida: este domingo, o povo português votou pelo sim em referendo para legalização do aborto. Se a decisão se confirmar, Portugal será mais um daqueles países em que o número de abortos é incrivelmente alto. Que os cristãos de todo o mundo possam prantear os filhos que não nascerão, o decréscimo da sensibilidade humana e a desvalorização da vida em mais um canto da Europa.
O primeiro Soco
Com freqüência, quem adota uma atitude cínica com relação à virtude requerida por Deus – compaixão, sinceridade, castidade, firmeza na ortodoxia cristã, postura anti-aborto – é quem desistiu do aprendizado da santidade e agora busca ou justificar racionalmente essa desistência, ou argumentar para tornar em bem o mal que não pôde rejeitar.
03 fevereiro 2007
Três assuntos
Kick-boxing
Na hidroginástica, o professor declara que vai trazer para a aula os mesmos movimentos de vários esportes. Depois do vôlei, em que fizemos o saque Jornada nas Estrelas (viva Bernard!), várias manchetes e várias defesas de cortadas, foi a vez do kick-boxing. “Pense em alguém que você detesta! Os políticos, seu chefe, sua sogra”, animou-nos o professor. Depois de alguns minutos sem me concentrar em ninguém – eu digo que não faço desafetos e as pessoas não acreditam – , veio-me a imagem de Hugo Chávez; principalmente agora, o Hugo Chávez do socialismo declarado e deslavado.
Ah! Mas ele apanhou muito. Socos e chutes de frente, socos e chutes de lado, todos dirigidos a ele. “Tome isso, por cercear a liberdade de imprensa na Venezuela! Tome mais isso, por ter tentado impedir o Alejandro Peña Esclusa de vir ao Brasil! Mais isso, por bancar o Hitler latino e abusar da democracia para implantar a ditadura! Mais isso, por querer transformar a América Latina em uma Cuba...”
Inútil dizer que, quando o kick-boxing da aula acabou, reclamei junto com a turma: “Aaaahhh....”
Disputas por minha alma
“Acontece com todos aqueles que buscam o diálogo”, solucionou a questão um grande amigo meu. É fato: a real abertura que tenho dedicado a pessoas queridas com uma visão do cristianismo diferente da minha tem suscitado oração, exortação e/ou argumentação incessantes, da parte delas, para que eu migre da fé protestante presbiteriana calvinista para a católica, a ortodoxa, até a swedenborguiana (sim, existe!). Que Deus me ajude: é preciso mil vidas para estudar cada um desses assuntos devidamente, mas só um coração amoroso e sincero para receber do Pai a orientação no caminho da verdade. Eu me aquieto: Ele sabe como apascentar suas ovelhas. Não se preocupem, pois, amigos: minha alma é de Jesus. Amém!
Pertencer
Para quem já leu com atenção a maioria dos profetas do Antigo Testamento, há uma imagem recorrente que compara o povo israelita à mulher adúltera, quando os judeus esquecem o Deus verdadeiro, que os libertou da escravidão do Egito, para adorar entidades estranhas. É como se Deus, nosso querido Deus, fosse o bom marido que é vítima de traição, perdoando muitas e muitas vezes quando a esposa volta, arrependida e precisando de cuidados.
Uma passagem em especial me chama a atenção, em Jeremias 2:25, quando Deus, como um marido desalentado, pede à esposa: “Guarda-te de que teus pés andem desnudos e a tua garganta tenha sede.” Ele já sabe que não será atendido: “Mas tu dizes: Não, é inútil; pois amo os estranhos e após eles irei.”
Não consigo deixar de pensar que a lascívia, pulsão por trás de todos os adultérios compulsivos, é essa gana de amar os estranhos, colecionar pessoas não-pessoas, em uma paixão pelo desconhecido que faz o homem ou a mulher adúlteros suspirarem pela variedade de gostos, cheiros, toques, caras, jeitos. Logo que se torna mais familiar, o objeto de lascívia perde a atração, e a busca recomeça: não por pessoas, mas por corpos vazios que portem o novo. A intimidade e o bem que permanecem são trocados pela excitação aventuresca de momentos isolados e frágeis. O mesmo mecanismo da droga: a surpresa do instante em lugar da vida em continuidade. E a mesma conseqüência: morte e perda de sentido, pois momentos soltos não constroem uma história nem solidificam o amor verdadeiro, possível apenas quando conhecemos e reconhecemos o ser amado, devotando-lhe a presença permanente.
Não vou após os estranhos; quero pertencer, pois não há outra forma de amor. Nem entre homens e mulheres, nem entre a humanidade e Deus.
Na hidroginástica, o professor declara que vai trazer para a aula os mesmos movimentos de vários esportes. Depois do vôlei, em que fizemos o saque Jornada nas Estrelas (viva Bernard!), várias manchetes e várias defesas de cortadas, foi a vez do kick-boxing. “Pense em alguém que você detesta! Os políticos, seu chefe, sua sogra”, animou-nos o professor. Depois de alguns minutos sem me concentrar em ninguém – eu digo que não faço desafetos e as pessoas não acreditam – , veio-me a imagem de Hugo Chávez; principalmente agora, o Hugo Chávez do socialismo declarado e deslavado.
Ah! Mas ele apanhou muito. Socos e chutes de frente, socos e chutes de lado, todos dirigidos a ele. “Tome isso, por cercear a liberdade de imprensa na Venezuela! Tome mais isso, por ter tentado impedir o Alejandro Peña Esclusa de vir ao Brasil! Mais isso, por bancar o Hitler latino e abusar da democracia para implantar a ditadura! Mais isso, por querer transformar a América Latina em uma Cuba...”
Inútil dizer que, quando o kick-boxing da aula acabou, reclamei junto com a turma: “Aaaahhh....”
Disputas por minha alma
“Acontece com todos aqueles que buscam o diálogo”, solucionou a questão um grande amigo meu. É fato: a real abertura que tenho dedicado a pessoas queridas com uma visão do cristianismo diferente da minha tem suscitado oração, exortação e/ou argumentação incessantes, da parte delas, para que eu migre da fé protestante presbiteriana calvinista para a católica, a ortodoxa, até a swedenborguiana (sim, existe!). Que Deus me ajude: é preciso mil vidas para estudar cada um desses assuntos devidamente, mas só um coração amoroso e sincero para receber do Pai a orientação no caminho da verdade. Eu me aquieto: Ele sabe como apascentar suas ovelhas. Não se preocupem, pois, amigos: minha alma é de Jesus. Amém!
Pertencer
Para quem já leu com atenção a maioria dos profetas do Antigo Testamento, há uma imagem recorrente que compara o povo israelita à mulher adúltera, quando os judeus esquecem o Deus verdadeiro, que os libertou da escravidão do Egito, para adorar entidades estranhas. É como se Deus, nosso querido Deus, fosse o bom marido que é vítima de traição, perdoando muitas e muitas vezes quando a esposa volta, arrependida e precisando de cuidados.
Uma passagem em especial me chama a atenção, em Jeremias 2:25, quando Deus, como um marido desalentado, pede à esposa: “Guarda-te de que teus pés andem desnudos e a tua garganta tenha sede.” Ele já sabe que não será atendido: “Mas tu dizes: Não, é inútil; pois amo os estranhos e após eles irei.”
Não consigo deixar de pensar que a lascívia, pulsão por trás de todos os adultérios compulsivos, é essa gana de amar os estranhos, colecionar pessoas não-pessoas, em uma paixão pelo desconhecido que faz o homem ou a mulher adúlteros suspirarem pela variedade de gostos, cheiros, toques, caras, jeitos. Logo que se torna mais familiar, o objeto de lascívia perde a atração, e a busca recomeça: não por pessoas, mas por corpos vazios que portem o novo. A intimidade e o bem que permanecem são trocados pela excitação aventuresca de momentos isolados e frágeis. O mesmo mecanismo da droga: a surpresa do instante em lugar da vida em continuidade. E a mesma conseqüência: morte e perda de sentido, pois momentos soltos não constroem uma história nem solidificam o amor verdadeiro, possível apenas quando conhecemos e reconhecemos o ser amado, devotando-lhe a presença permanente.
Não vou após os estranhos; quero pertencer, pois não há outra forma de amor. Nem entre homens e mulheres, nem entre a humanidade e Deus.
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