Mesmo quando não estamos totalmente conscientes das implicações de nossas escolhas, nós escolhemos, e muitas vezes escolhemos mal. Essa é uma das extensões possíveis do texto bíblico que diz: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento” (Oseias 4.6). Essa palavra é ordenada por Deus e proferida por Oseias a um povo que, tal como a esposa adúltera do profeta, pecava continuamente contra seu Senhor, prostituindo-se com deuses estranhos e maquinando o mal, mesmo depois de ter sido libertado da escravidão no Egito e de ter testemunhado tantos milagres e providências em seu favor. É uma palavra dura, dirigida tanto ao povo quanto aos sacerdotes, que estavam tão “prostituídos” como o povo. E que “conhecimento” é esse? Não é geral, mas específico: “Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus [grifo meu], também eu me esquecerei de teus filhos” (Oseias 4.7). A lei — os limites de Deus para a formação de um povo não só livre, mas santo — era posta de lado. Não mais honravam a Deus acima de todas as coisas, como ordenado no primeiro mandamento, mas diluíam seu amor e sua adoração em farras e procedimentos “toma-lá-dá-cá”, no melhor estilo pagão, para receber o que desejavam. Por exemplo, realizavam um ritual de fertilidade nos campos que incluía orgias e depois creditavam a esses rituais a colheita abundante, exatamente como a esposa de Oseias recebia do marido seus víveres e presentes, mas atribuía essas dádivas a seus “amantes” (Oseias 2.5-8). Desconheciam tanto ao Deus de seus pais (todo-poderoso, bondoso e disposto a perdoar) quanto a sua lei (cuja obediência em amor é a única resposta humana adequada a esse Deus).
“Ah, eu nunca vou chegar a esse ponto”, você pode pensar. Cuidado: “esquecer” geralmente não é um ato abrupto, “esquece-se e pronto”. O estágio desesperador do povo e dos sacerdotes na época de Oseias é feito de pequenas inconsciências que se acumulam. Sim, o cristão pode se afastar tanto dos meios de graça disponibilizados por Deus que passa a desconhecer Seu caráter e Sua vontade quase que inteiramente. Desses meios de graça, sem dúvida um dos mais poderosos é o contato frequente com a Palavra: leitura da Bíblia, estudo de comentários, pregação fiel por ministros fiéis (se sua igreja não tem uma pregação sólida, talvez seja o momento de deixá-la). Se o cristão não souber a vontade de Deus expressa em Sua Palavra, como poderá fazer boas escolhas, que não o levarão a lamentar-se pelo restante de sua vida? De onde tirará (como de um tesouro) os valores que embasarão suas decisões? Como se orientará em um mundo que mais confunde que esclarece? “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará” (Efésios 5.14). O ressuscitado espiritualmente por Cristo não pode continuar agindo como morto-vivo.
Assim, muitos confundem a salvação pela graça com uma passividade do tipo “eu fico sentado aqui e Deus me abençoa”. Mas viver a fé não é isso. O amor inclui a adoração, que é ativa: Deus disponibiliza os meios de graça e nós O buscamos por esses meios, simplesmente porque O amamos. Imagine uma esposa que nunca demonstra seu amor para com o marido: esse é o cristão que não faz uso dos meios de graça. A esposa não deixa de amar de repente, mas cumpre um pequeno ato de abandono a cada dia: atos externos e internos. Usa de desculpas (excesso de tarefas, cansaço, necessidade de lazer) para deixar de lado as devocionais, faltar à igreja e estudar menos a Palavra. Intimamente, justifica a si mesma pelos pecados cometidos (em vez de reconhecê-los e pedir perdão por eles), e logo nem mais pensa nesses repetidos pecados. Nem ora, nem vigia, mas vive como que levada pelas ondas do mar, ao sabor dos acontecimentos, vulnerável a todas as tentações. É assim que, desprovidos da “armadura de Deus” (Efésios 6.13 ss.), somos inundados sem defesa alguma pelos princípios e preceitos mundanos sobre a vida, o mundo, o sentido das coisas. Então, esquecidos do Deus zeloso e doador de todas as bênçãos, optamos por recorrer a “outros deuses” quando precisamos de algo, preenchendo nosso vazio com aquilo que sabemos não vir de Deus. Logo o esquecimento pode ser completo e o resultado inevitável será o abandono total do único caminho de vida verdadeira.
Idolatria é inconsciência: é preferir tomar decisões com base no desconhecimento de Deus, em vez de buscar ativamente tal conhecimento. É preciso ter consciência da inconsciência, arrepender-se e buscar viver dentro do maravilhoso padrão de Deus, nossa proteção e nossa santidade. O apóstolo Paulo se dirige aos tomados pela inconsciência (que nos espreita a cada dia) quando diz: “Vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, pois os dias são maus. Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor” (Efésios 5.15-17). Não sejamos como o personagem da parábola que meu sogro gosta de contar em suas pregações: tendo recebido de graça um bilhete de navio para uma ilha maravilhosa, passou todo o longo trajeto escondido em sua cabine, comendo os sanduíches de mortadela que tinha levado, porque achava que não estavam incluídas no presente as lautas refeições que eram servidas no salão. No final da viagem, descobre que tudo aquilo estava à sua disposição o tempo todo.
O “bilhete” que nosso Deus nos dá não inclui somente a salvação. O caminho com Deus é feito de múltiplas e maravilhosas alegrias, não só materiais, afetivas, vocacionais etc., mas sobretudo espirituais. Uma igreja íntegra, um pastor firme, irmãos com quem podemos contar e orar, e principalmente os tesouros inesgotáveis da Palavra. Como negligenciar tudo isso? “Ah! Todos vós que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão, e o vosso suor, naquilo que não satisfaz? Ouvi-me atentamente, comei o que é bom e vos deleitareis com finos manjares. Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá” (Isaías 55.1-3).