- É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. (Gn 3.4-5)
Nas minhas palestras, sempre digo que, com muita sutileza, essas duas frases curtas conseguiram destruir totalmente a imagem do Criador no espírito do casal. Na fala do Diabo estavam implícitas as seguintes ideias:
- “É certo que não morrereis” - Deus não falou a verdade. Isso significa que Ele pode mentir. Ele não é todo verdade e perfeição. Quando Ele fala sobre o que vai acontecer, não devemos confiar.
- “Porque Deus sabe…” - O que motivou a proibição não foi explicitado por Deus. Ele agiu ocultando sua própria agenda. Logo, Ele é dissimulado. Não há integridade Nele. Quando Ele fala de si mesmo, não devemos confiar.
- “…que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” - Deus quer permanecer o único que conhece o bem e o mal. Não quer competição, mas teme que o homem fique igual a Ele e, quem sabe, tome o lugar Dele. Assim, seus desejos para o homem não são todos bons nem confiáveis.
Em resumo, o Diabo imprimiu nos corações de Adão e Eva as seguintes distorções: Deus é mentiroso; Deus tem motivações ocultas; Deus teme a competição do homem, portanto, embora seja o Criador do homem, não é tão diferente nem tão distante assim de sua criação. Toda a pretensa autonomia do homem está fundada nessas mentiras.
Sabemos que Deus nos redime para sermos semelhantes a Cristo. Quando o primeiro casal trocou a Palavra de Deus pela palavra do Diabo, estabeleceu para si um outro modelo. Em vez de refletir primariamente o caráter de Deus - que não mente, mas é todo bondade e amor, todo onipotência e onisciência -, o homem passou a refletir todas as mentiras que o Diabo contou sobre Deus. Nós é que passamos a ser, a partir do pecado, mentirosos, dúbios, hipócritas, pouco confiáveis e temerosos da competição. Um retrato muito fiel do ser humano após o pecado está em Tiago 4, que também fala da maledicência (v. 11-12):
Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Aquele que fala mal do irmão ou julga a seu irmão fala mal da lei e julga a lei; ora, se julgas a lei, não és observador da lei, mas juiz. Um só é Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e fazer perecer; tu, porém, quem és, que julga o próximo?
Essas palavras são profundas. Quando as correlacionamos com Gênesis 3 e João 8.44, observamos o seguinte: sempre que alguém fala mal de outra pessoa - espalhando mentiras, denegrindo, zombando, ainda que com sutileza - , está invocando o exemplo não de Cristo, mas do Diabo. Quando lembrou os fariseus de que o Diabo era homicida desde o princípio, Jesus estava explicitando a intenção deles: seu objetivo, ao "fazer a vontade do Diabo", era destruir o amado de Deus. O objetivo de todo maledicente é o assassinato da reputação, que mata a imagem da pessoa no coração dos ouvintes. Exatamente como o Diabo fez no Éden em relação a Deus.
E quem é o Diabo? Aquele que ousou competir com Deus, desafiando diretamente sua autoridade e soberania. Por isso, Tiago oferece outro ângulo para examinarmos a maledicência: colocou-se no lugar de Deus quem se apresenta diante do outro como alguém que, além de saber tudo o que está acontecendo, desfere o golpe fatal: Fulano é assim, portanto, não é alguém digno. O maledicente se senta na cadeira do juiz e condena à morte simbólica.
Se a Bíblia fala tão repetida e veementemente sobre a maledicência, é porque se trata de um pecado muito grave. Espero ter mostrado um pouco disso aqui. Se Jesus é seu modelo, e não o Diabo, não condene pessoas à morte com a sua língua. Afinal, Deus não lhe deu palavras de morte, mas de vida.
O fim do Diabo é a destruição. Sua maledicência valeu a pena? Assim será também o fim dos que o imitam (1 Coríntios 6.9-10). Deus conhece nosso coração e sabe que a maledicência "agrada" nosso ego (Pv 18.8). Por isso, recomenda deixar o maledicente falando sozinho (1Co 5.11) para não começar a viver a atmosfera da maledicência como se fosse algo normal e aceitável diante de Deus.