05 maio 2016

Diálogos (revolucionariamente) irrelevantes VII

Ou: Como inventar um terrorismo evangélico e depois lavar as mãos


A ira do homem não produz a justiça de Deus (Tg 1.20).

Depois da reunião dos jovens, alguns se juntam para conversar. Um deles sempre começa suas frases com “mas peraí”...

– As igrejas são opressoras. A maioria delas trai o chamamento de Jesus. Em vez da fragilidade da sensibilidade que evoca o amor, a igreja virou uma comunidade institucionalizada. Precisamos de novas narrativas libertadoras, ao invés de encontros e retiros improdutivos, individualistas*.
– Sim! 
– Então… Vamos ocupar as igrejas?
– Vamos ocupar as igrejas!
– Afinal, o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos também ocupou!
– Éééééé!
– Mas peraí, o movimento ocupou locais públicos em que os negros não eram permitidos…
– Sim! Mas as igrejas são nossas! Tudo é nosso.
– As igrejas deveriam ser comunidades abertas, coletivas e acolhedoras, não as instituições controladoras que são!
– Sim! Abaixo o controle!
– Abaixo o controle!!!
– Mas peraí, ocupar também não é controlar?
– Claro que é, mas do lado certo!
– Na ocupação, os controlados viram controladores!
– Sim! É a revanche dos controlados!
– A revanche dos controlados!
– A gente junta o máximo de pessoas que conseguir, chega lá e confronta a liderança!
– Enfia o dedo na cara dela e diz: Abaixo o controle! Abaixo o conservadorismo moralista! Queremos transformação social!
– Transformação social!
– A gente senta no chão e fica até o pastor fazer o que a gente exige!
– É!
– Não vai ser lindo? Todos aqueles pastores sendo obrigados a negociar com a galera da ocupação…
– Mas peraí. A gente vai obrigar os caras?
– Claro que vai! Ocupação é isso: a gente reivindica com a força um lugar que é nosso. A gente diz que só sai de lá se aceitarem nossas ideias.
– Tipo um sequestro?
– É, tipo um sequestro: o sequestro do lugar.
– E se estiver rolando um estudo bíblico na hora?
– Quem liga pra estudo bíblico? O que queremos é transformação social!
– Transformação social!
– Imagine a cara dos pastores, desesperados?
– Vai ser lindo! Viva o desespero!
– Viva o desespero!
– E se chamarem a polícia?
– Aí vai ser uma pena. 
– Mas vale correr o risco!
– E se alguém sair no braço? E se alguém se ferir?
– Vale correr o risco! 
– E se alguém ficar nervoso? Tiver um ataque cardíaco?
– Vale correr o risco!
– Mas peraí. Mesmo que esses riscos não existissem… Não seria melhor a gente conversar amigavelmente com os caras? Tipo, a gente envia convites para apresentar nosso ministério a cada igreja. E eles voluntariamente nos receberiam se se identificassem com nossa proposta. Chegar chegando assim, um monte de gente enfiando o pé na porta, interrompendo a reunião, entrando e falando... Não é um troço agressivo, antipático? Não é uso de força bruta?
– Força bruta sim, mas do lado certo! Não viu que Jesus expulsou os vendedores do templo?
– Sim, mas ele é o dono da igreja…
– Nós também somos! A igreja é nossa!
– A igreja é nossa!
– Mas peraí! Isso não fere o vínculo do amor? O próprio amor que vocês disseram que está faltando nas igrejas?
– Cara, você é muito retrógrado mesmo, viu? Sai daqui. Vamos ocupar!
– Vamos ocupar!!! Vou já já postar um texto no Facebook.
– E se alguém reclamar dizendo que é incitação ao crime? Afinal, não se pode interromper culto…
– Aí a gente diz que as pessoas não sabem ler, que era tudo simbólico! 
– Ah! Genial! Assim, o primeiro que ocupar, se der tudo errado, nem vai poder culpar a gente!
– Exato! Vejo que você já pensa como um verdadeiro revolucionário.
– Ocupação real ou simbólica já!
– Real ou simbólica já!



E todos saem felizes, crentes de que vão mudar a igreja e o mundo.

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* Curioso sobre a fonte das ideias revolucionárias? É só dar uma olhada no Facebook de Ronilso Pacheco.