Nesse único momento - um momento que acontece a cada mil anos -, esses crentes melindrosos daquele Jesus ousavam mencionar seus insignificantes escrúpulos morais! Quão difícil era lutar por uma nova e melhor ordem - se entre seu próprio povo ainda era possível encontrar tamanho preconceito! (p. 137)
É inegável que, nesse trecho, o poeta (que retornou ao catolicismo de sua infância apenas no fim da vida) demonstra saber algo que, infelizmente, muitos cristãos de nossa era não sabem: o cristianismo é um grande obstáculo - como cristã, eu diria: o único eficaz - à ganância de controle absoluto, concretizada de modo máximo nos regimes totalitários. O cristianismo é o único fator a impedir a submissão total (portanto, a idolatria) de quem é submetido. Leia 1984 sob essa ótica e você perceberá, leitor: Winston sucumbiu ao Grande Irmão porque, como não era convertido, não pôde deixar de desejar que sua amada estivesse em seu lugar no momento crucial da tortura. O verdadeiro cristão, imbuído da graça de Deus, saberia, a exemplo do Mestre, sacrificar-se por ela ali, mesmo diante de seu maior pesadelo. Ainda hoje, os verdadeiros cristãos espalhados pelo mundo, perseguidos por ditaduras muçulmanas e comunistas, continuam sacrificando-se por seu Amor Maior, recusando-se a negar a fé.
Schmidt conta que, em Roma, o indivíduo só valia alguma coisa se fosse parte do tecido social e pudesse oferecer alguma contribuição para seus usos, como se seu fim maior fosse engrandecer o Estado. Com a vinda de Cristo, isso começou a mudar, pois Deus abençoou as nações através da graça comum. Passamos a gozar de relativa paz após a conversão do imperador Constantino, no ano de 312, e a penetração do cristianismo na cultura promoveu sua "abertura" (cf. o filósofo reformado Dooyeweerd), o que culminou em conceitos até então inéditos e libertadores baseados nos ensinamentos de Cristo, tais como a unicidade do indivíduo em sua relação com Deus e a inviolabilidade da consciência individual.
Hoje, tem sido empreendido o movimento inverso, de descristianização da cultura, e os mais sensíveis, como Milosz, conseguem perceber que o cristianismo é um freio para a máxima opressão do homem pelo homem. São os poderosos que, impulsionados pelo mesmo descontentamento do personagem nazista, empreendem esse movimento, os que abominam todo limite interior e exterior para o mal que perpetuam. O apologeta Francis Schaeffer afirmou que Deus deixou claro o que ocorre quando as nações o rejeitam: são vencidas e destruídas pelo poder humano. Essa é uma das lições que as guerras do século passado nos deixaram. Nesses tempos difíceis, em que o ressurgimento do nazismo e a sobrevida do comunismo parecem provar que os horrores do século XX já foram esquecidos, precisamos mais que nunca salgar a terra, de todos os modos possíveis - agindo, falando e raciocinando na contracultura saudável, bíblica -, com dois objetivos em mente: que não venha julgamento severo sobre nosso povo e que alguns possam receber com alegria e liberdade a Palavra da salvação.