Familiarizado com meu blog, o leitor saberá, a essa altura, o quanto a música teve e tem um papel importante na minha vida. No processo de conversão não foi diferente. Antes de me tornar uma cristã evangélica, eu depositava minha confiança em uma divindade que oscilava entre o Deus cristão e o “deus interior” (ou força impessoal), um híbrido mal-ajambrado dominante no meio em que circulava (espírita e esotérico) — alguém a quem eu orava vez ou outra enquanto conservava a certeza de que eu mesma era meu próprio Deus.
Isso começou a ser quebrado através de uma música de David Bowie chamada Quicksand (“areia movediça”). O refrão era anunciado pelas palavras “Não tenho mais o poder”, para arrematar: “Não acredite em si mesmo”. A cada vez em que ouvia essa música belíssima (e um tanto depressiva), sentia um tiro no coração que espatifava o tal deus interior. Mostrei-a para minha melhor amiga na época — que partilhava resolutamente de meus conceitos religiosos — e observei: “Mas não é um orgulho imenso esse negócio de acreditar em si mesmo?” Era o prenúncio de que em breve eu conheceria o verdadeiro Deus.
Pouco tempo depois, ainda sem ter ouvido a Palavra, deliciava-me com um cd de Dave Brubeck quando me peguei dirigindo a Deus um pedido singelo: assistir ao vivo uma banda de jazz. Foi um ato impensado, inusitado até para mim, que não costumava proferir orações tão espontâneas. Com 24 anos, eu já trabalhava, mas não tinha dinheiro para frequentar os caríssimos Mistura Fina da época. Amava jazz e queria muito assistir a um show. Deus me atendeu de um modo muito especial: depois do expediente, andando sem objetivo fixo pela principal avenida de Copacabana, fui “fisgada” por Ele com o som inequívoco de jazz tradicional — a formação de que eu mais gostava: bateria, teclado e baixo — para dentro de um... supermercado. Pasmem: havia uma banda tocando jazz ao vivo dentro de um supermercado.
Quando entrei no local e confirmei que de fato as músicas vinham de uma jazz band, não de um cd, e que eu podia ficar ali em pé à vontade, ouvindo, e ainda de graça, exultei. Porém, havia alguma coisa ainda mais especial acontecendo ali. De alguma forma, o ar estava diferente, como se anjos me circundassem. Eu não sabia explicar, mas senti a urgência de abordar as pessoas que estavam ali, em torno do palco improvisado, prestando atenção à música. Entabulei uma conversa muito tímida com uma menina um pouco mais nova que eu. Dali a pouco, chega um rapaz, amigo dela, apaixonado por jazz também, e sou apresentada a ele. Começamos a conversar e eu fiquei empolgada quando soube que ele era cristão. “Estou frequentando um grupo de estudos de Jung e ele valoriza muito os religiosos”, expliquei.
Era a pessoa que me evangelizaria. Eis como Deus me “pescou”: com jazz!