Recentemente a revista Veja veiculou dois artigos bastante críticos sobre o construtivismo. Não posso opinar muito profundamente sobre o tema, pois a pedagogia não é exatamente minha “praia”, mas sei que hoje a ideia de conhecimento como uma “construção inacabada” está presente por toda parte. É claro que o conhecimento é um processo sempre em aberto. Porém, a maior crítica da Veja a versões radicais do construtivismo se refere à excessiva responsabilidade que costuma ser imputada aos alunos nesse processo – algo que é posto em prática de um modo pouco inteligente e pouco produtivo. E é sobre essa ideia, quando aplicada ao ensino de idiomas, que posso falar com propriedade.
Alguns de meus leitores sabem que sou professora de francês. Na Faculdade de Letras, felizmente, tive contato com professores que desacreditavam métodos baseados em construtivismo. Mesmo assim, sempre encontrei estudantes e professores que se orgulhavam de "nunca traduzir" em sala de aula, o que eu acho uma bobagem sem tamanho. Quem adota esse procedimento acredita que o aluno precisa sempre deduzir os significados das palavras a partir do contexto. O problema é que, na maioria das vezes, o contexto não é óbvio! Além disso, muitos professores evitam a língua materna em sala como a própria peste e preferem fazer mímica do sentido da palavras: por exemplo, imitam uma galinha em vez de responder “galinha” ao aluno do primeiro ano que pergunta o que é poule. Só que, em 100% das vezes, o professor faz papel de palhaço à toa, pois os alunos compreendem a imitação e escrevem no caderno: poule = galinha. De que adiantou evitar o português?
Da mesma forma, encontrei profissionais e donos de cursos de idiomas que insistiam em que nunca se deveria explicar gramática em sala de aula, como se, de novo, o correto fosse o aluno deduzir. Mas por que deixar essa dedução (gigantesca!) para o aluno? Afinal, a grande maioria dos alunos não tem a mente analítica típica de quem se interessa por regras gramaticais. Além disso, explicar a gramática é nossa tarefa como professores; a deles é treinar e interiorizar as regras, e isso já dá um trabalhão danado. Nesse ponto, sou muito categórica: a gramática precisa sempre ser explicada o mais didática e esquematicamente possível. Às vezes você dá uma aplicação primeiro, às vezes dá depois, mas a regra precisa ser explicitada. Eles agradecem e, na minha experiência, sempre manifestam preferência por um professor que explica tudo direitinho. Ainda mais no ensino de uma língua tão organizada e cheia de regras como o francês.
Outra bobagem bastante prejudicial (em todas as áreas do aprendizado, na verdade) é o desprezo que se devota ao ato de decorar. Quando gostamos muito de uma música, de um poema, de uma peça de teatro, acabamos decorando alguns trechos por puro prazer. O prazer no aprendizado de um novo idioma também se manifesta dessa maneira, quando decoramos regras para que nosso uso de seus aspectos linguísticos se torne imediato. Aos poucos, o que decoramos passa a fazer parte de nós, tão intimamente que não precisamos mais pensar para falar ou escrever. Saber de cor é saber com o coração (a expressão francesa manteve-se mais fiel à latina: apprendre par coeur). O que estamos dizendo aos nossos alunos quando pronunciamos diante da turma a feia palavra “decoreba” em um tom de escárnio? Que existe tal monstruosidade: amor sem dedicação. Estamos fazendo pouco caso não só da memória deles, mas também do amor verdadeiro ao estudo, que pede necessariamente tempo, paciência e labor. Não há aprendizado efetivo sem esse esforço.
Há um ponto comum entre todas essas práticas, tão difundidas ainda hoje: enxergar o adulto que aprende um novo idioma como uma criança que aprende seu idioma materno. Como se o aprendizado devesse ser feito somente de espontaneidades. O problema é que essa é uma idealização do aprendizado da primeira infância, em primeiro lugar. Em segundo, uma situação difere totalmente da outra. O adulto irá referir-se a seu idioma de origem, ou ao último idioma estrangeiro que aprendeu, quando entra em contato com um novo idioma. Invariavelmente. Por isso, sempre oriento minha aula a falantes do português, comparando as dificuldades do francês com as dificuldades de nossa língua materna e dando mais ênfase naquilo que é diferente, portanto, mais difícil para os alunos brasileiros. Isso dá um resultado excelente. Para que gastar tempo com aquilo que o aluno fará de modo intuitivo? Mas para o que difere muito do português é preciso gastar mais tempo, mais explicação, mais exercício. Porém, para variar, essa linda "teoria", aplicada à linguística, foi recebida com louvores por volta dos anos 60, como “libertária”, e muitos professores ainda a consideram e a aplicam como uma grande novidade. E o mesmo ocorre em muitas outras áreas: de certa forma, todos os novidadeiros modernos ainda vivem nos anos 60... Enquanto isso, o construtivismo só vem mostrando, na prática, que não dá muito certo, e que como filosofia pode ainda ser bastante danoso para nossos filhos. Sobre o aspecto mais propriamente filosófico do tema, indico esse ótimo artigo de Solano Portela. Sobre o construtivismo e a “neopedagogia”, também indico o artigo bastante esclarecedor de José Maria e Silva. E que Deus nos ajude a contestar com mais propriedade as burras unanimidades de nosso tempo.