13 janeiro 2009

Elomar

Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos. Isaías 55:9

Ainda na graduação, fui a um congresso em outra cidade. Conferência após conferência, a palavra de ordem era “A verdade não existe”, repetida ad nauseam, não importava o tema proposto. No auditório lotado, as cabeças se inclinavam docilmente em assentimento.

Aquele mantra foi gerando tal angústia dentro de mim que não pude mais: corri para o banheiro e desatei a chorar. Por que um congresso em Letras precisava ser tão dogmático quanto a uma questão filosófica? Teria a linguagem se tornado uma espécie de instância última da realidade? O que eu estava fazendo ali, tomando parte, sem querer, de um mal disfarçado culto ao relativismo? Por que, raios, os cursos modernos de humanas tinham de se parecer mais com a repetitiva pregação de uma teologia negativa? Eu não poderia tomar outro caminho e permanecer na academia? Eram perguntas não formuladas com clareza (só seriam visíveis de fato depois), mas que me causavam uma dolorida perplexidade.

Enquanto durou o congresso, perambulei por aqueles professores como se fosse a última das criaturas. Era óbvio demais que eu não pertencia à “nata” – sentia-o quase como quem detecta em si não apenas uma diferença incontornável e definitiva, mas um defeito grave. Uma inferioridade fatal me atravessava e me entristecia, mantendo-me calada ali. Eles eram a luz, eu era o obscurantismo. Eles encarnavam a própria Inteligência Acadêmica, enquanto eu não passava de um esforço tímido e provavelmente ineficaz de reconciliação entre conhecimento científico e fé cristã.

À noite, na casa de meus parentes daquela cidade, fiquei quietinha na cama, luzes apagadas, ouvindo Elomar no walkman antes de dormir. Quando tocou Cantiga do Estradar eu vi, como em um travelling de cinema, todos aqueles professores do congresso sentados um ao lado do outro em uma grande tribuna. A letra dizia: “Legião de condenados/ nos grilhões acorrentados/ nas trevas da ignorância/ sem a luz do grande Rei.”

Bastou para que Deus restabelecesse em minhas emoções cansadas a ordem correta das coisas. Desde então, aquele velho sentimento de inferioridade diante da sapiência acadêmica nunca mais me atingiu.