Quando eu tinha uns 12 anos, costumava ir à praia na companhia de uma amiga de escola. Apesar de jovens mocinhas, éramos inconseqüentemente destemidas: à tarde, hora sem muito movimento, nadávamos até bem depois da arrebentação, onde já não havia quase ninguém por perto. Eu havia desenvolvido, nessa época, um método bastante eficaz, embora não infalível, de escapar ilesa do efeito caixote: mergulhava o mais fundo possível, tentava ao máximo me postar na horizontal e passava por baixo, arrastando-me por onde a onda permanecia mais estável. Só não funcionava quando eu errava o timing e acabava me embolando um pouco acima; aí não tinha jeito: rolava até a margem e me entupia de água e areia até a alma. Para no dia seguinte começar tudo de novo, ainda que a noção de perigo de morte se afigurasse nítida a cada vez - principamente diante de ondas maiores, que chegavam a ultrapassar três metros de altura.
Hoje de manhã, no entanto, não haveria método que me livrasse das ondas que acometeram o catamarã de Charitas no trajeto Niterói - Rio. Apenas Deus poderia conter a força inédita das águas da Baía da Guanabara, que invadiram a embarcação arrebentando duas portas, quebrando cadeiras e derrubando vários passageiros de uma só vez. Era como se pudéssemos capotar no mar; de fato, a sensação era de estar em um carro que, tendo perdido o contato constante com o solo, corcoveasse perigosamente na pista. Era também como estar em uma montanha russa marítima e nada empolgante, sem saber o que aconteceria depois de cada violenta subida e descida. Quanto às informações visuais, não me perguntem como foi: atrás de uma divisória opaca e sólida, fui bastante poupada, ao abrigo não só da traumatizante imagem das ondas chegando, mas sobretudo dos efeitos da água - que apenas molhou meus pés ao fim da viagem, enquanto havia machucado e encharcado as dezenas de pessoas que se sentaram mais à frente. Do cantinho seguro em que eu estava, sem poder me levantar, acompanhei os fatos pelos movimentos, gritos e barulhos das portas quebradas e, quietinha, apenas clamei por Deus.
Quando chegamos, alguns ilesos (como eu) e outros nem tanto, mas todos vivos, tivemos a certeza de que havíamos escapado de morrer. Mas eu tinha uma certeza maior e bem mais plena de positividade: Deus me queria viva. Apesar de ainda tremer com o acidente - sou do tipo inglesa, fico calma nos piores momentos e passo muitas horas nervosa depois - , não posso evitar um pequeno impulso revigorante depois dessa quase-tragédia: Deus me quer viva, e o livramento de hoje é uma das provas de Sua vontade.
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