19 abril 2016

Aos anti-Bolsonaro da vez

Vejo Bolsonaro apanhando feio no cantinho por causa daquela louvação do coronel Brilhante Ustra na Câmara, e já me vem aquela velha simpatia girardiana pelo bode expiatório nacional... Vamos lá.

Quem ficou todo crispado de horror por causa dos defensores do coronel Ustra não atentou para um "pequeno" detalhe que só os que têm amigos dos dois lados (e digo-o com alegria) poderiam levantar. É o seguinte: muitos deles (no caso, todos os meus amigos bolsonaristas, graças a Deus) acreditam que o coronel não torturou ninguém, nem mandou torturar. Ou seja, muitos não acham necessariamente que Bolsonaro citou um torturador. O próprio Ustra, em entrevista à Zero Hora, negou que tenha ocorrido tortura sob sua jurisdição durante os três anos e quatro meses em que chefiou o DOI-CODI.

Sinceramente? Acho dificílimo crer nessa alegação de inocência. Sempre lembro de Nelson Rodrigues, uma de minhas maiores admirações (se não a maior) nas letras nacionais. Quando ele falava em liberdade, era liberdade mesmo, "no duro". Por isso, execrava o comunismo tão exaltado em seus dias entre a classe intelectual. (E não se incomodava de ser um pária em seu meio. Ou melhor, ele se incomodava, mas não colocava esse sentimento acima da urgência de dizer a verdade.) Tinha muitos amigos militares no poder e defendia publicamente o regime, porque eles próprios lhe garantiam que não havia tortura. Mas, depois que seu filho Nelsinho foi preso e respondeu "sim" à pergunta fatídica, caiu em si. (É fato também: houve militantes que saíram ilesos da prisão, mas mentiram ao mencionar tortura. Houve mentiras dos dois lados. Por isso, prefiro isentar-me de assumir incondicionalmente um deles.)

Mas entenda que tem gente que acredita em Ustra. Ou seja: nessa questão, nem todo defensor de Bolsonaro será um defensor de torturadores. Moral da história: se você não gosta de ser estigmatizado nas suas posturas políticas, não estigmatize o outro. É regra de ouro que faz bem à alma.

18 abril 2016

Perspectivas pós-deflagração de impeachment

Muita gente no Facebook está reclamando da qualidade dos deputados. Citaram até os cabelos malfeitos (também notei as cores heterodoxas e os implantes esquisitos; de cima, a câmera mostrava tudo sem dó). A concordância verbal, a exemplo do Lula ao telefone, foi espancada gloriosamente. Professores de português em Brasília têm um vasto campo ali, inexplorado.
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Ouvi boa parte dos minidiscursos (alguns nem tão "mini" assim) dos votantes ontem. Apenas um deles me encantou: o de Sérgio Reis. E nem sei dizer se não terá sido principalmente por causa da linda voz ou do personagem dele em Pantanal.

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Mas o que eu queria dizer mesmo é o seguinte. Em seu voto, Bolsonaro invocou o coronel Ustra e Wyllys cuspiu nele na saída. Vozes se levantaram no Facebook: "Bem-feito!" E Wyllys se tornou uma espécie de vingador de torturadores. (Sendo que seu cuspe vingava o próprio cuspidor.) É engraçado como não percebem o óbvio: Bolsonaro e Wyllys têm mais em comum do que se pensa. Um puxa para o autoritarismo de direita, o outro, para o autoritarismo de esquerda. Pois é, sinto dizer, mas Bolsonaro está muito longe de um conservador típico do jeito que o entendo (leia Burke, Roger Scruton, Pereira Coutinho). Nenhum conservador típico louvaria em público um torturador da ditadura militar. Há um autoritarismo entranhado em nossa matriz cultural de que TODO brasileiro precisa se arrepender, sem exceção, para ser um conservador típico.

Eu só votaria em Bolsonaro em um caso muito específico: voto útil. Ou seja: entre ele e qualquer político de partidos comunistas e socialistas, fico com ele. Convicta. Afinal, a opção da ditadura militar já se esgotou no país; Bolsonaro não vai resgatá-la. Mas ainda tem muita gente que está doida para implantar uma ditadura de esquerda aqui. E, caso você não saiba, as ditaduras de esquerda têm um potencial destrutivo infinitamente maior. O militar queria moralizar o Brasil e acabar com as guerrilhas; o esquerdista totalitário quer bancar Deus e criar o homem novo do zero. Por esse simples motivo, os Wyllys da vida se tornam muito mais perigosos que Bolsonaro. Só que esse tipo de autoritarismo tem sido mais difícil de detectar, porque se disfarça de amor às "minorias oprimidas" e traz em seu bojo o messianismo estatal que ainda encanta o brasileiro.

É isso, acima de tudo, que eu desejo para o Brasil: que o "autoritarismo do oprimido" se torne claro como o dia. Quando a indignação com um Bolsonaro citando Ustra for diretamente proporcional ao escândalo de um Wyllys orgulhosamente fantasiado de Che Guevara, teremos perspectivas políticas bem melhores.