22 abril 2010

Perguntas e respostas

Estou tentando sair do assunto “esquerdismo”, mas está difícil. :-) Tinha um post fresquinho aqui sobre um tema totalmente outro, que ainda estou burilando, mas um leitor me pediu para responder a algumas perguntas. Como o blog precisa de atualização e as dúvidas dele representam as de muita gente, vou ordená-las aqui, com as devidas respostas.

Anderson: Pode ser rotulado "de esquerda" quem sai da inércia e procura fazer algo diante do sofrimento alheio?

Norma: Claro que não. A rotulagem, na verdade, costuma funcionar no sentido contrário: para a esquerda, quem é de direita necessariamente NÃO faz nada diante do sofrimento alheio. O que, evidentemente, é julgamento e difamação política.

A: É de esquerda quem tenta colocar em prática o mandamento cristão do amor ao próximo?

N: O amor ao próximo se manifesta de mil e uma formas. Não damos apenas dinheiro, mas principalmente nosso tempo, nosso amor, nossas palavras de consolo, nosso testemunho, nossa disposição para ouvir etc. etc. E nosso próximo pode ser rico também, não pode? De novo, aqui, a rotulagem é no sentido inverso: a esquerda sempre acha que o próximo é o pobre, nunca o rico, reduzindo os necessitados do amor de Deus (todo mundo) aos necessitados de bens materiais, "materializando" a fé. A Bíblia afirma que todos pecamos e todos carecemos da glória de Deus. Reduzir o problema do mundo a seu aspecto apenas material (como faz a Teologia da Libertação) é um acinte à fé cristã.

A: Se eu participar de movimentos que ajudem crianças em situação de risco, dependentes químicos e mendigos, significa necessariamente que eu concordo com as atrocidades dos regimes comunistas?

N: Claro que não. Mas se você se sente um cristão melhor que seu irmão por participar desses movimentos, sem saber o que seu irmão faz de seu tempo, estará incorrendo no pecado do julgamento e do orgulho. Não é preciso aderir a um movimento para servir a Deus. Podemos servi-Lo em nossas vidas cotidianas, de acordo com as situações que se apresentam a nós, como o bom samaritano ajudou o judeu caído no chão.

A: Ser a favor da reforma agrária, do acesso universal à educação, à moradia, à saúde, ao transporte urbano, à alimentação adequada é desconforme à cosmovisão cristã?

N: Depende. Reforma agrária através de vandalismo e roubo de propriedade, como é o caso do MST, definitivamente é algo desconforme à cosmovisão cristã. Tomar as coisas à força do braço jamais será algo aprovado por Jesus. Quanto ao restante, é evidente que direita e esquerda não discordam da necessidade dessas coisas, mas sim dos métodos para alcançar sua acessibilidade. Se o método for "através de um Estado que mande em tudo", discordo, pois o Estado forte faz mais mal que bem - inclusive para a igreja.

A: Sou a favor da distribuição de renda, da erradicação da pobreza, da sustentação do meio ambiente e da democracia. Os conservadores podem dizer, por isso, que contrario os princípios cristãos?

N: Depende. Vamos por partes.

Primeiro, “distribuição de renda” é um termo-pegadinha. É claro que a ideia parece muito bonita. Mas veja: para a distribuição de renda, é preciso alguém que distribua. A quem cabe essa tarefa? Esse que distribui não será o mais rico de todos (o Estado)? E a história não mostra que, uma vez de posse de toda a riqueza, o Estado NÃO a distribui? Fidel Castro riquíssimo não me deixa mentir. Assim, o cristão que confia de todo o seu coração em um Estado que, uma vez tendo angariado poder suficiente para acumular toda a renda de um país, irá distribuí-la com justiça, está esquecendo um ponto básico da fé: o pecado original. Isso nunca funcionou e nunca funcionará, pois o coração do homem é mesquinho e egoísta. Sem Deus e com poder nas mãos, os governantes apenas se sentem licenciados para oprimir mais e mais o povo. (Mas, se você tem outra ideia quanto ao que significa “distribuição de renda”, gostaria de ouvi-la.)

Justo por causa do pecado original, a “erradicação da pobreza” é um sonho, uma utopia. Fazemos o que está a nosso alcance para diminuir o sofrimento dos pobres, mas não podemos, como cristãos, crer em uma erradicação total da pobreza para este mundo, nem delegar essa responsabilidade a governantes com poder máximo nas mãos. Eles não irão cumpri-la e ainda desejarão mandar em nossas consciências para garantir a continuidade desse poder máximo (vide os projetos do atual governo – que no entanto está ainda longe de ser um autêntico governo totalitário!).

Quanto ao meio ambiente, é preciso tomar cuidado com algumas falácias pretensamente científicas, como o aquecimento global, usado para pressão política. Fora isso, a causa é válida.

Já “democracia” é uma palavra que vem sofrendo abusos há muito tempo. Há quem afirme, por exemplo, que “Cuba é uma democracia” (como faz Chávez). Na verdadeira democracia são preservados o direito de expressão, o direito de ir e vir, a liberdade para formar partidos políticos e contestar o governo. Em Cuba há prisões por delito de opinião, ninguém pode sair do país sem autorização e só há um partido, que se perpetua no poder há meio século. Dessa democracia eu não quero, obrigada!

A: Por fim, será que a dicotomia direita x esquerda já não foi superada?

N: Acho que não. A dicotomia ainda é muito útil para precisar posições quanto ao socialismo (contra/a favor). Porém, como no Brasil o pensamento esquerdista obteve o status de um aprovado lugar-comum (inclusive na igreja!), tem muito esquerdista ou semi-esquerdista que não se diz de esquerda, como falei em post anterior. (A linguagem que você usa para elaborar suas perguntas demonstram um tanto essa confusão.) Isso se deve em grande parte à passividade geral diante de estratégias educativas espúrias, quando professores socialistas destilam seu socialismo em sala de aula sem nomeá-lo ou sem explicitá-lo devidamente. Os estudantes “compram” essas ideias gerais e mal digeridas – distribuição de renda, fim da propriedade privada, demonização de toda autoridade etc. – sem conseguir integrá-las a uma cosmovisão. Quando essas ideias invadem a igreja, então, é o caos: discípulos de Jesus depositam sua esperança (transcendental) na política (imanente e composta em grande medida por homens sem Deus) e, levados por um sentimento sincero de compaixão pelos pobres, podem aos poucos deixar que seja pervertida a fé libertadora. Por me preocupar com isso é que falo tanto do assunto – não por gostar de política. Também não quero saber daquele tipo de conservadorismo (comum nos EUA) que transformou a fé cristã em um pretexto para mudar a sociedade através de leis. Meu conservadorismo é essencialmente antissocialista.

13 abril 2010

Ufa! Por que falo tanto da esquerda afinal?

Alguns leitores podem perguntar-se: “Mas por que ela fala tanto da esquerda?”

Que bom, tenho teólogos para responder por mim! Veja o que diz Michael Horton sobre a ação transformadora da igreja:

Precisamos parar de nos acomodar à cultura que confrontamos e objetivamos transformar. Porém, para fazer isso precisamos não apenas conhecer nossa própria teologia, mas também conhecer os ídolos e compreender os modos com que nós mesmos acabamos tomando a forma do espírito deste século em vez da forma do Espírito de Cristo.

É precisamente por isso que denuncio a esquerda como um ídolo parasita do cristianismo, um dos obstáculos mais comuns à cosmovisão genuinamente bíblica. Mas o principal, evidentemente, não é o não que o cristão precisa dar à inversão política (confusão entre o Reino de Deus e o paraíso socialista), mas o sim (entusiasta!) da mente e do coração para o reforço teológico nas Escrituras, com a ajuda de pregações fiéis e obras de nossos irmãos do passado que organizaram a doutrina. Teologia frouxa equivale a mente enfraquecida, que por sua vez gera uma vida de pecados não-identificados e inconfessados. Por isso, siga o conselho de Horton: estude teologia reformada!

Quer ler o restante da citação? Dê uma olhada no Tamos lendo!

08 abril 2010

Cristãos conservadores do Brasil, uni-vos!

Percebi que meu artigo publicado na Ultimato está cumprindo uma função bastante interessante na blogosfera e além: uma espécie de espanação geral do armário. Socialistas antes enrustidos se colocam de modo claro e conservadores até então tímidos resolvem expor sua indignação com os onipresentes e opressivos lugares-comuns socialistas.

Pois é, as tentativas de resposta a meu artigo na Ultimato têm sido reveladoras. Primeiro, salta à vista o mote geral “não sou de esquerda” (ou “não sou comunista”), pronunciado tão-somente como preâmbulo para a defesa de uma cosmovisão inegavelmente montada em cima de pressupostos esquerdistas. Segundo, é sempre impressionante constatar o uso do mecanismo do bode expiatório (Girard, again) em lugar de contra-argumentações (um bom exemplo: “se não dar [sic] para conciliar as idéias socialistas aos [sic!] princípios bíblicos, então o que dizer do capitalismo monstruoso que acumula fortunas em poucas mãos plutocratas enquanto dois terços da população mundial morre [siiiiiiic!] de fome nas raias da exclusão total?”): o capitalismo desculpa todos os erros do socialismo, inclusive o genocídio. Uau! Na mesma linha, perguntam desafiadoramente o que eu acho da Ku Klux Klan e dos cristãos alemães, demonstrando com isso quão longe chegou a demonização dos opositores do socialismo.

Como sou boazinha, deixo aqui explicitamente: não sou nazista, não sou a favor da KKK (a não ser para rir na internet), não sou entusiasta da ditadura militar, não sou contra os pobres nem indiferente à pobreza. Não acredito que o socialismo seja a solução para o problema da pobreza, a não ser que o objetivo seja empobrecer todo mundo logo de uma vez, material, mental e espiritualmente. Aí, o socialismo dá certo. A propriedade privada é bíblica, senão o Oitavo Mandamento não faria sentido algum. Não é “coisa de capitalista”. E, se você acha que a Bíblia defende o socialismo, um post excelente do Helder Nozima me poupou muito trabalho argumentativo e uma bronca do Roberto Vargas também dá conta do recado direitinho.

Alguns ficaram horrorizados porque eu disse que o conceito de “classe dominante” é vago. Tratei disso aqui.

E muitos reclamaram do meu uso de Girard. Pois é, Girard também foi cooptado pela esquerda, assim como Calvino e Kuyper. No entanto, minha alusão está perfeitamente correta. Só para constar, Girard coloca tanto o nazismo quanto o comunismo debaixo da mesma etiqueta: “totalitarismo”. A diferença? O comunismo seria um “totalitarismo da vítima”. Vejam o que ele declara:

Nazismo: "Os nazistas diziam: 'Vamos mudar a vocação do mundo ocidental, anular o ideal de um universo sem vítimas. Vamos fazer tantas vítimas que reinauguraremos o paganismo."

Comunismo: "Vivemos hoje em um mundo em que existem poderosos lobbies da vítima, em que só se pode mais perseguir ou exercer violência através de um discurso vitimário, de uma defesa das vítimas. O comunismo, por exemplo, na URSS, pretendia falar apenas em nome das vítimas, e fazia vítimas em nome das vítimas. O fracasso do comunismo soviético é um fracasso desse segundo totalitarismo que não chegou de modo nenhum ao fim. Penso que esse segundo totalitarismo irá reaparecer sob outras formas, e que já está reaparecendo, ainda está bem vivo. Como o terrorismo, que sempre fala em linguagem vitimária e exerce violência em nome da defesa das vítimas.

Politicamente correto: "É a religião da vítima, desprovida de toda transcendência, a obrigação social de empregar uma verdadeira 'língua de pau vitimária' que vem do cristianismo, mas que o subverte mais insidiosamente ainda que a oposição aberta."

Tá vendo? Queimou a língua quem reclamou do Girard no meu texto, né? Ah, mas se lessem meu blog saberiam! Falei disso muitas vezes: aqui, aqui, aqui, aqui.

Quanto aos conservadores que elogiaram minha coragem, penso o seguinte. Hoje em dia, é preciso menos coragem para declarar-se homossexual (e a recepção festiva ao novo gay assumido Ricky Martin não me deixa mentir) que para sair do armário do conservadorismo. Agora, tem muito líder cristão que também continua trancado no armário do socialismo, principalmente quando fala desse bicho esquisito que é a Missão Integral. E o pior é que muitas vezes fica lá não por falta de coragem (esquerda é mainstream, é chique), mas por ignorância ou desonestidade. Não pode! Se você, pastor, gosta de Marx, é contra a propriedade privada, acha que a igreja primitiva é um exemplo de distribuição de bens e usa Isaías 5.8 para defender o MST, faça um favor a suas ovelhas: diga claramente a elas que você é socialista. Porém, faça um favor ainda maior a suas ovelhas e a você mesmo: pare de confundir socialismo com Reino de Deus.

Por tudo isso, minha conclamação é: conservadores cristãos do Brasil, uni-vos! Todos para fora do armário, já! Vamos mostrar ao mundo do que é feita a cosmovisão calvinista e reformada de verdade.

01 abril 2010

Sobre o artigo da Ultimato

Sobre meu artigo na Ultimato, cabe um esclarecimento. Conforme a Carta Aberta das páginas 38 e 39, não é de hoje que a revista tem sido acusada de um esquerdismo quase militante, embora nem sempre em termos explícitos. A veiculação dessa carta na mesma edição de meu artigo suscitou em alguns leitores e não-leitores meus (hehe) a hipótese de que Ultimato, preocupada com essas acusações, tenha decidido publicar meu artigo somente para rebatê-las, dando mostras de pluralidade. Mesmo que o editor da revista tenha mencionado meu artigo como prova de que não segue uma linha antiamericana (o que aliás não entendi, pois os EUA estão ausentes do texto), não posso negar nem afirmar a veracidade dessa hipótese, pois não quero correr o risco de pecar ao emitir julgamentos acerca de motivações ocultas.

O que posso dizer com toda certeza é o seguinte: seja como for, a publicação de meu artigo não configura, de modo algum, pluralidade. Meu texto é um evento isolado em uma seção dedicada a opiniões femininas (“Deixem que elas mesmas falem”). A “pluralidade”, se limitada a uma seção de opiniões, não me parece algo significativo. Assim, o que dá identidade à revista são os articulistas de sempre, cuja maioria, de fato, é bastante conhecida do público, seja por suas posições à esquerda, seja por seu antiamericanismo, seja por manifestar apreço por certo feminismo: René Padillha, Paul Freston, Robinson Cavalcanti, Ricardo Gondim, Valdir Steuernagel, Bráulia Ribeiro. Isso é o que posso dizer simplesmente ao olhar o sumário da nova edição que tenho em mãos. E nisso não vai nenhum julgamento de valor. Apenas a constatação: sim, a grande maioria dos autores fixos da revista Ultimato tende a demonstrar posições de esquerda.

Mas e daí? Nosso país não conhece variedade política. A grande maioria dos formadores de opinião no Brasil é de esquerda. A revista apenas espelha esse fato no mundo protestante evangélico.

Tudo isso para, fundamentalmente, dizer o seguinte. No Brasil, as pessoas acham bonito o socialismo, aprovam ou não se incomodam com a ditadura cubana, odeiam os Estados Unidos, andam com camisetas do Che Guevara, veem no governo a solução de todos os problemas, xingam o “neoliberalismo”, abominam o capitalismo como o próprio Mal e não se dizem de esquerda. Claro, há os que o declaram mais abertamente, mas são minoria. A maioria sequer reconhece que existe, de fato, esquerda. Há ainda os que se denominam “socialdemocratas” embora continuem apoiando ditadores consumados como Fidel Castro e Hugo Chávez... Depreende-se disso que, neste país, o pensamento de esquerda se tornou a Opinião Comum Isenta e Racional. A explicação é simples: basta lembrar que desde o Brasil Colônia somos a somatória do Complexo do País Oprimido com a histórica expectativa de um governo que atue como um Grande Pai. Além disso, os ideais socialistas, onipresentes, nunca são questionados por leituras ou ensinamentos diversos, pois autores conservadores e liberais são ilustres desconhecidos no Reino dos Doutores do MEC. Ideologicamente, estamos quase tão fechados quanto a ilha-cárcere cubana...

Como conservadora, uma de minhas tarefas é denunciar o apagamento de todo um leque de opções (e isso não significa que eu seja uma adoradora dos EUA, uma entusiasta do capitalismo, uma elitista que não se importa com a pobreza etc. etc.). Outra, como cristã, é mostrar que a afinidade do socialismo com o cristianismo é, em grande medida, falsa, apontando para os perigos dessa convergência forjada. Isso significa afirmar que crente esquerdista não é crente? Claro que não! Mas se você, crente, por causa do seu esquerdismo, abre exceções ao aborto, cede ao relativismo (epistemológico, moral, cultural) e ajuda na perpetuação de um pensamento político autoritário por meio de um Estado forte e centralizador, quero contribuir para que você se desesquerdize, desconformando sua mente em relação ao mundo e submetendo-a cada vez mais ao senhorio de Cristo.

Dito isto, nos próximos posts procurarei responder às várias objeções que foram levantadas contra meu artigo, aqui ou acolá, indicando as leituras em que me apoiei para escrevê-lo.

P.S. É significativo que a publicação desse texto se dê no Dia da Mentira. Esquerdistas que não se dizem esquerdistas, mentindo conscientemente ou não: assumam suas posições! :-)