19 janeiro 2010

Sobre o Haiti: leituras

Um olhar teológico acurado acerca da tragédia;

Mais considerações teológicas;

Uma análise que eu endosso inteiramente;

Um comovente pedido de ajuda de um pastor;

Amar o vizinho: longe ou perto (em inglês).

Há links para doação nesses sites. Se puder, ajude. E não pense " posso orar": orar, nesses momentos, é tudo.

16 janeiro 2010

Nova postagem no Tamos lendo!

Inspirada pela introdução de um livro, decidi lançar uma campanha no meu outro blog...

Cristãos esquerdistas, leiam os autores conservadores!

...na esperança de que este blog encontre adversários mais preparados!

Dê uma olhada!

09 janeiro 2010

Interpretações (2)

E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, e a irmã dela, e Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. Vendo Jesus sua mãe e junto a ela o discípulo amado, disse: Mulher, eis aí teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. Dessa hora em diante, o discípulo a tomou para casa. (João 19.25-27)

No imprescindível “comentário das bolinhas” (da série Cultura Bíblica, Vida Nova) do Evangelho de João, F. F. Bruce cita uma curiosa interpretação desse trecho por Bultmann (em The Gospel of John, p. 673):

“A mãe de Jesus, que se demora junto à cruz, representa o cristianismo judaico que suporta a ofensa da cruz. O discípulo amado representa o cristianismo gentílico, que é encarregado de honrar o outro como mãe de onde veio, assim como o cristianismo judaico é encarregado de ‘sentir-se em casa’ dentro do cristianismo gentílico, sendo todos membros de uma só grande comunidade da Igreja.”

Essa é uma leitura alegórica que pode levar a vários enganos. Não podemos examinar isoladamente João e Maria sem estender tal olhar a todos os personagens da Bíblia. E, se consideramos que todo personagem bíblico remete necessariamente a um arquétipo, corremos o risco certo de perder de vista o sentido básico do texto, não só deixando de considerá-los pessoas como nós, mas fatalmente caindo em subjetivismo. Se há algo que aprendi na Faculdade de Letras, é isso: toda interpretação textual das partes de um texto deve ser sustentada por seu todo. Se o texto inteiro – no caso, a Bíblia – não justifica essa abordagem, melhor deixá-la de lado, por mais bela que possa parecer (e Bultmann me leva a concluir que, mesmo falsa, uma interpretação pode ser extraordinariamente bela!).

É Calvino (Comentários, p. 232, tradução minha do inglês) quem expressa melhor algo que eu sempre intuí da leitura desse trecho:

“É como se Jesus dissesse a João: ‘De agora em diante, não serei mais um habitante desta terra, e tenho o poder de passar para você os deveres de filho; assim, coloco esse homem em meu lugar, para que desempenhe o papel que desempenhei.’ [...] Cristo pretendeu mostrar que, após ter completado o curso da vida humana, abandona a condição em que viveu e entra no Reino celestial, onde exercerá domínio sobre anjos e homens; pois sabemos que Cristo estava habituado a evitar que seus seguidores olhassem para a carne, e isto era especialmente necessário em sua morte.”

Enough said
.

01 janeiro 2010

Interpretações

Quando eu era novinha, cursando a formação de professores da Aliança Francesa, uma das professoras de literatura abordou e distribuiu em sala alguns poemas de Baudelaire (de As flores do mal) para que preparássemos apresentações individuais. A mim coube La chevelure (“A cabeleira”), um poema bastante longo e que, na época, julguei um tanto cansativo e sem propósito. Começa assim:

Ó tosão que até a nuca encrespa-se em cachoeira!
Ó cachos! Ó perfume que o ócio faz intenso!
Êxtase! Para encher à noite a alcova inteira
Das lembranças que dormem nessa cabeleira,
Quero agitá-la no ar como se agita um lenço!

(tradução de Guilherme de Almeida)

Em seguida, o poeta descreve todas as sensações e associações que a cabeleira lhe desperta. Na cabeleira vivem “uma Ásia voluptuosa e uma África escaldante”, acham-se os cheiros de “óleo de coco, almíscar e alcatrão”, podem-se cultivar “a pérola, a safira e o jade”. Um mundo de exotismo e sensualidade é despertado pelos cabelos da amada. Porém, achando que isso era pouco, e cega para o resto, quis ver mais no poema. E vi: falei em sala, para minha vergonha, da relação entre impérios e colônias, entre opressor e oprimido, aprofundando-me toda à esquerda (nem sonhava então em ser conservadora!).

A professora, de queixo caído, apenas sussurrou um talvez involuntário “Quelle horreur!”, enquanto eu e uma amiga entusiasmada enxergávamos fantasmas progressistas desfilando sem parar pela exaltação baudelairiana da cabeleira. Que horror, de fato!

Mais tarde, eu me "redimi", apresentando o mesmo poema a um examinador do Nancy e, anos depois, a alunos. No entanto, lembro-me desse episódio e penso no quanto as más interpretações textuais, sobretudo as culturalmente orientadas, estão na origem de todo tipo de falácia. Pior, no nosso caso: de todo tipo de heresia. Gostaria de explorar melhor esse fenômeno aqui no blog. Enquanto isso, creio poder afirmar: mesmo sem ser mestres em exegese ou hermenêutica, podemos, com a ajuda do Espírito Santo, chegar a uma compreensão acurada da Palavra de Deus, se soubermos submeter nossas escolhas culturais ao senhorio divino ao mesmo tempo em que chegamos humildes ao texto, não dispensando nem os sentidos mais evidentes, nem orientações e comentários abalizados.

Este é meu desejo para você em 2010: que, despojada de interpretações equivocadas, a verdade bíblica resplandeça mais vívida em sua mente e em seu coração!